Por: Reinaldo Azevedo
De um caso de política a um caso de polícia (ou muitos), bastou ao PT um mandato na Presidência da República. Lula se quer melhor do que todos os governos havidos e somados desde Cabral. Com efeito, fizeram-se 500 anos em três. Quem lê a peça acusatória do procurador-geral da República conclui que o partido aprendeu bem depressa todas as lambanças que “as elite” faziam e ainda acrescentou um tanto de originalidade. Os petistas que reclamam de perseguição têm toda razão: só porque o partido se dizia dos trabalhadores, vai ter de ser até honesto? Tenham paciência! A ser realmente verdade que o país era espoliado havia 500 anos, justo quando chega a hora dos “companheiros”, vêm esses moralistas querendo botar ordem na orgia? Ora, é preciso ter mais ética na esculhambação.
A seqüência acima, vazada com sarcasmo (com freqüência, é preciso explicar piada...), por mais absurda que pareça, é, sem tirar nem pôr, uma versão alongada do mantra petista: “Fizemos o que todo mundo sempre fez”. Já se observou aqui que tal tese é, obviamente, mentirosa. Nunca, antes, um governo ou partido havia tentado criar um Estado paralelo. Houve, durante a ditadura militar, os porões do regime, o Estado marginal, delinqüente, que se movia nas sombras. Mas ele nunca ambicionou se institucionalizar ou assumir a estatura de uma teoria política. Quando alguns espertalhões se arriscaram a tanto, foram contidos pelos próprios pares.
O padrão petista de governo está dado. É isso aí que estamos vendo: uma sociedade permanentemente mobilizada em torno de falsas questões, sem jamais sair do lugar, avançando, eventualmente, aqui e ali: ou em áreas que estão descoladas da iniciativa oficial — as exportações, por exemplo, que obedecem a uma demanda mundial — ou em outras cujo rigor técnico é exercido até a despeito do governo, não por causa dele: nesse caso, menciono a disciplina fiscal. Disciplina que, diga-se, já está indo para as cucuias. Olhem os gastos públicos destes primeiros quase quatro meses. Já estão fora de controle. A seguir nesse ritmo, não se vai fazer o superávit de 4,25%.
O mais é puro deserto. Ou pior: estamos andando é para trás. Não obstante, a gritaria é grande, o que dá a impressão de uma sociedade altiva, forte, mobilizada, estimulada a avançar e a crescer. É mentira. A resposta que Lula deu à pobreza e à distribuição de renda é o Bolsa Família, um programa meramente compensatório. Sim, é fato, caso vença um nome da oposição, eliminá-lo por ato de ofício seria um crime. Mantê-lo como está, outro. Chegaremos a 11 milhões de famílias atendidas pelo programa — estima-se que isso some mais de 40 milhões de pessoas (quase 23% da população) — porque o crescimento da economia é medíocre.
Crescimento, riqueza e trabalho geram cidadãos livres. Medidas compensatórias foram pensadas por economias que fizeram choques de produtividade — de caráter liberal — para criar uma rede de proteção aos que acabam ficando à margem do mercado. Quando dão certo, tais choques levam a um boom de crescimento e produtividade. Se essa assistência se converte em um fim, combinado com uma economia estagnada — na média, é o que se tem —, então é o pior dos mundos. O governo FHC não atrelou os vários programas ao proselitismo eleitoral. Há quem ache, até hoje, que foi um erro. Do ponto de vista eleitoreiro, pode ter sido. No que respeita ao aprumo ético, foi um acerto. Antes daquele jeito do que agora.
Regrediu-se miseravelmente na educação universitária, com os populistas e mal pensados ProUni e cotas universitárias. Por que uma afirmação tão peremptória? Porque é evidente que se fez uma aposta na multiplicação do número de vagas universitárias sem nenhuma preocupação — a mais remota que fosse — com a qualidade. Pior: o ProUni, em particular, nada mais é do que a transferência de recursos da educação pública para faculdades privadas, hoje desobrigadas de qualquer compromisso com a excelência, depois das mudanças efetuadas no tal Provão. Lula precisa é de votos. Quem precisa de universidade que preste é o Brasil.
No campo, o governo do PT semeou ilegalidades, invasões, colheu o assombroso crescimento de mortes em confrontos supostamente agrários e está dando a sua inestimável colaboração à crise do agronegócio, que foi, literalmente, a salvação da lavoura de seu primeiro e segundo anos de governo. Nas cidades, para as quais ele criou até um ridículo ministério, não se conseguiu coordenar uma miserável ação de governo voltada para alguma forma de reforma urbana — um problema dos Estados e dos municípios, é verdade, mas que não terá equacionamento sem o concurso do governo federal. A insegurança pública degenera em situações reais de guerra. E também esse tema ficou para as calendas. Márcio Thomaz Bastos, quando não estava enroscado com quebras de sigilo, dedicava-se a criar operações espetaculares da Polícia Federal para provar que os ricos também pagam o pato.
Não obstante, teremos em breve a propaganda oficial nos indagando a todos se vivemos melhor ou pior do que antes do governo Lula. Quem vive dos juros reais mais altos do mundo vai dizer, claro, que vive hoje muito melhor. Os pobres, sem perspectiva de deixar de sê-lo, sob o impacto da propaganda e sem condições de saber o que os espera, também poderão dar essa resposta. O real valorizado aumentou o poder de compra das pessoas de baixa renda, embora vá cobrar a sua fatura mais adiante. A classe média está mais ou menos entregue à oposição. Lula não vai desprezá-la, claro, mas conhece as dificuldades.
O presidente vai defender com entusiasmo, ânimo, convicção o seu governo da estagnação e da óbvia regressão em todos os quesitos que tornariam o país mais apto a ter um melhor futuro. A começar das instituições — o que também é um caso de polícia.
[reinaldo@primeiraleitura.com.br]
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