Íntegra do discurso do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, na sessão solene de posse da Ministra Ellen Gracie na Presidência do Supremo Tribunal Federal Brasília, 27 de abril de 2006
Este é um momento especial. Não estamos testemunhando e participando apenas da solenidade que festeja a previsível e rotineira mudança na Presidência da mais alta Corte de Justiça do país. Participamos, com muita honra e imensa satisfação, de um episódio impar da história do Brasil e, em especial, do Supremo Tribunal Federal.
Assim como ocorrera em 14 de dezembro de 2000, quando se tornou a primeira mulher a integrar essa Corte Suprema, Vossa Excelência, Ministra Ellen Gracie, hoje igualmente torna-se a primeira mulher a exercer a Presidência do Supremo Tribunal Federal em 177 anos de existência dessa Corte.
Nas precisas palavras do Ministro Celso de Mello, proferidas na sessão plenária de 30 de março passado, tal fato “representa expressão visível de que, em nosso País, as relações de gênero passam a ostentar um novo perfil, superando-se, deste modo, um contexto ideológico cujas premissas institucionalizavam uma inaceitável discriminação de gênero, que impedia, injustamente, o pleno acesso da mulher às instâncias mais elevadas de poder”.
O acontecimento é, realmente, de extrema importância. Vale reafirmar que é a primeira vez em 177 anos que a Chefia do Poder Judiciário é atribuída a uma mulher. O evento, portanto, é motivo de jubilo e orgulho para toda a sociedade que almeja a igualdade plena e proscreve as discriminações. A democracia não é o regime das utopias, mas sim o que viabiliza o pluralismo e se fundamenta na liberdade do dissenso. E o Estado de Direito não é aquele imune aos desvios de conduta no exercício da função pública, mas sim aquele em que os mecanismos institucionais operam de modo eficiente na fiscalização e no combate de tais desvios. O Estado, enfim, que estabelece, respeita e fiscaliza o cumprimento das regras.
Vossa Excelência assume o comando do Poder Judiciário na oportunidade em que as instituições estatais estão submetidas a prova de resistência. O Poder Judiciário e especialmente essa Corte Suprema tem papel fundamental para a garantia dos direitos e para a preservação do vigor institucional. Ao largo das disputas político-partidárias, mas ao mesmo tempo expectador privilegiado de tais disputas, cabe a esse Supremo Tribunal Federal o encargo constitucional de permitir que a liberdade do dissenso observe rigorosamente as regras do jogo.
A suave discrição de Vossa Excelência, revelada em situações assemelhadas, e a firmeza que tem reiteradamente manifestado em suas decisões como magistrada, dão a certeza de que o comando do Poder Judiciário está depositado em mãos hábeis e seguras.
Os acontecimentos que estamos vivenciando, devem ser equacionados e solucionados rigorosamente mediante a aplicação dos mecanismos de fiscalização e controle constitucionalmente previstos. É que o funcionamento das instituições não pode realizar-se por caminhos ínvios, mas sim pela vias iluminadas e transitáveis predispostas pelo sistema normativo.
O Estado de Direito e o regime democrático diante de fatos que possam comprometer a estabilidade de um e a higidez do outro, devem reagir com o manejo discreto, mas ao mesmo tempo seguro e determinado, dos instrumentos adequados à restauração da normalidade.
É inegável que as atividades de fiscalização e controle da administração pública devem ser exercitadas continuamente e com o máximo de abrangência. Creio que o momento atual reclama de todos nós uma reflexão, serena e sem preconceitos, sobre as instituições a que se conferem atribuições de fiscalização. O exercício pleno e efetivo desta atribuição, que é o desejo da sociedade, pressupõe, inexoravelmente, que os membros das instituições respectivas possam indagar, inquirir, averiguar, pesquisar, procurar, vale dizer, investigar. Sem conhecer e esclarecer plenamente os fatos não é possível fiscalizar, nem controlar. O dever de investigar está ontologicamente vinculado ao de fiscalizar. É preciso que tenhamos a consciência de que as posições exclusivistas e marcadamente corporativas militam contra a efetividade do dever de fiscalização.
A possibilidade de responsabilização dos agentes políticos e públicos por desvios na atividade pública também há de ser assegurada como consectário do próprio Estado de Direito: não há autoridade dotada de poderes ilimitados, nem imune à devida fiscalização, controle e responsabilização.
Ministra Ellen Gracie, o substancioso curriculum vitae de Vossa Excelência, que revela o sofisticado preparo intelectual e, ao mesmo tempo, a profícua atividade como magistrada e administradora, também aponta uma circunstância que torna a participação do Ministério Público neste evento ainda mais prazerosa. Vossa Excelência, por 16 anos, integrou o Ministério Público Federal engrandecendo-o com atuações brilhantes e eficientes.tive a oportunidade de participar com Vossa Excelência de inúmeras atividades institucionais e associativas no Ministério Público e estabelecer, desde então, uma amizade sólida e respeitosa, reforçada pela coexistência de amigos comuns, principalmente gaúchos.
Ministra Ellen Gracie, como observador privilegiado posso asseverar que no exercício das funções de Ministério Público, num período em que também era confiada à Instituição a defesa da União em Juízo, Vossa Excelência, a par de qualificar a advocacia pública, sempre dedicou às tarefas próprias de Ministério Público o melhor do seu conhecimento e experiência profissional.
O decênio de atividades no Tribunal Regional Federal da 4ª Região conferiu a Vossa Excelência suficiente vivência de magistratura, cujo efeito positivo tem se revelado nos pronunciamentos jurisdicionais externados nessa Corte Suprema. A experiência haurida durante o exercício da Presidência do referido Tribunal Regional, período em que foram adotadas inúmeras providências administrativas destinadas a melhorar o seu funcionamento e a efetividade da prestação juridiscional, certamente contribuirá para o equacionamento e solução das dificuldades operacionais desse Supremo Tribunal, já identificadas em estudos recentemente realizados.
Ministra Presidente, a grandiosidade da tarefa que lhe é confiada, tenho certeza, não é superior aos seus talentos jurídico e intelectual, nem à sua reconhecida capacidade gerencial. A suave discrição com que age Vossa Excelência tem se revelado mais poderosa e eficiente do que o uso da eloqüência, exercitando-a com a habilidade já demonstrada o Judiciário, a sociedade e o próprio Estado serão beneficiados.
Também festejamos hoje a posse do Ministro Gilmar Mendes como Vice-Presidente dessa Corte Suprema. Vossa Excelência Ministro Gilmar Mendes é reconhecidamente um dos maiores entre os constitucionalistas brasileiros. Sua experiência profissional registra o exercício pleno de sucesso do cargo de Advogado Geral da União e relevante atuação no Ministério Público Federal, como Procurador da República e Procurador Regional da República, além das atividades docentes.
O Ministério Público tem certeza que Vossa Excelência, que se despediu no dia 25 próximo passado do Tribunal Superior Eleitoral e da respectiva Presidência, no exercício do novo cargo prestará inestimável contribuição ao Poder Judiciário. Receba os cumprimentos do Ministério Público.
Ministra Ellen Gracie, primeira mulher a exercer a Presidência do Supremo Tribunal Federal, em nome do Ministério Público Federal e no dos demais ramos do Ministério Público, cumprimento efusivamente Vossa Excelência, desejando-lhe muito sucesso e felicidades no desempenho das novas atribuições.
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