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domingo, abril 30, 2023

Stédile, do MST, propõe uma investigação sobre “invasões” feitas pelo agronegócio


Bancada ruralista pede prisão de João Pedro Stédile, líder do MST | VEJA

Stédile diz que o agronegócio invade mais do que o MST

Hugo Marques
Veja

Em meio à série de invasões de fazendas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) neste ‘Abril Vermelho’, o líder máximo do movimento, João Pedro Stedile, defendeu a investigação de invasões de terras no Brasil, mas só as do agronegócio. Esta semana, o Congresso instala a CPI dos MST, que nos últimos meses tem invadido também fazendas produtivas.

Sem citar exemplos, Stedile acusa os grandes agricultores de também fazerem invasões. “Quem faz invasão no país é o agronegócio, que invade terra indígena, terra quilombola, terra pública. Isso é invasão. Apropriação de bens em proveito próprio.”

APENAS OCUPAÇÃO – Para o líder do MST, o que o seu movimento faz não é invasão. “Ocupação é uma mobilização social dos camponeses, com suas famílias, para pressionar o governo a aplicar a Constituição. E eles misturam tudo”, diz ele.

Para Stedile, a CPI foi criada para desviar o que ele chama de “crimes do agronegócio”. Para isso, diz ele, “parlamentares de direita querem desestabilizar o governo”. As declarações de Stedile foram feitas durante o anúncio da IV Feira Nacional da Reforma Agrária, em São Paulo, no sábado 29.

O líder do MST reclamou que nos governos petistas de Lula e Dilma os parlamentares de direita sempre fizeram “insinuações” de que o MST vivia de dinheiro público.

RECURSOS PÚBLICOS – Durante a gestão de Dilma Rousseff, instituições privadas sem fins lucrativos ligadas à reforma agrária e aos movimentos sociais receberam mais de 100 milhões de reais. Agora, o MST negocia com o governo o pagamento de 30 mil reais para cada família por ano.

Integrante da comitiva que viajou com Lula para a China, Stedile afirma que houve avanços nas relações do MST com o país asiático.

Desde 2022, diz ele, há um acordo, inicialmente assinado com o Consórcio Nordeste, para fornecimento de máquinas para pequenos agricultores. O Consórcio Nordeste é o grupo de governadores da região que pagou 48 milhões de reais adiantados por respiradores a uma empresa que revendida produtos à base de maconha, e que nunca foram entregues.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
 – No Brasil tudo funciona ao contrário. O governo Lula apoia de todas as formas o MST, mas a necessária reforma agrária não anda. E os recursos públicos vão se esvaindo. (C.N.)

Projeto de lei sobre as Fake News traz enorme risco à democracia, diz Moro


Moro sobre PL das Fake News: Risco enorme à democracia | Brasil | Pleno.NewsVictor Correia
Correio Braziliense

O senador Sergio Moro (União-PR) criticou, neste sábado (29/4), as mudanças no Projeto de Lei (PL) das Fake News feitas pelo relator da matéria, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP). Para Moro, com o texto, “o risco à democracia é enorme”, especialmente pela alteração feita sobre a criação de uma agência reguladora.

“Na última versão do PL das Fake News/censura, foi substituída a ‘entidade autônoma de supervisão’ por um sujeito oculto e indefinido, ambos a serem definidos pelo governo e com a finalidade de decidir o que é verdade ou mentira nas redes sociais”, escreveu o parlamentar em sua conta no Twitter.

“O risco à democracia é enorme. Defender regulação é uma coisa, dar uma carta em branco ao governo é outra”, acrescentou Moro.

O deputado Orlando Silva apresentou seu parecer na última quinta-feira (27/4), retirando pontos polêmicos do texto inicial. O mais polêmico previa a criação de uma nova agência reguladora para fiscalizar as plataformas. Após as críticas, porém, o relator removeu o trecho.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – 
É óbvio que os novos tempos exigem um cuidado maior com as redes sociais e as fake news, não somente para evitar manipulações político-ideológicas, mas também para tentar restringir manifestações patológicas de mentes deformadas. Sejamos francos, estes são os principais objetivos do projeto de lei. Mas é inconcebível que se adultere uma legislação positiva e seja transformada num atalho para instituir uma censura oficial no país, da mesma forma como ocorre em países totalitários, que impedem liberdades democráticas via internet. Bem, se é mais uma iniciativa de recriar a censura do regime militar, é melhor arquivar esse projeto de lei. (C.N.)  


Para livrar PMs flagrados tomando água de coco no 8/1, coronel mentiu ao depor na CPI


Enquanto terroristas invadiam o Congresso, PM bebem água de coco

Enquanto o Congresso era invadido, PMs bebiam água de coco

Weslley Galzo
Estadão

Uma das responsáveis por elaborar planos de contenção para o protesto organizado por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no dia 8 de janeiro, a coronel PM Cíntia Queiroz tentou livrar os policiais flagrados pelo Estadão bebendo água de coco enquanto os prédios dos Três Poderes eram invadidos.

A policial militar, que também atua como subsecretário de Operações Integradas da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (DF), apresentou essa versão em seu depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Legislativa do DF que investiga os responsáveis pelos ataques golpistas ocorridos na capital federal.

PEGA NA MENTIRA – “A gente tem que tomar muito cuidado. Por exemplo, a imprensa muitas vezes divulga uma imagem fora de contexto. Por exemplo, a Polícia Militar, foi divulgada uma imagem de três policiais no dia 8 de dezembro (sic) tomando água de coco, como se aquilo tivesse acontecido às 15 horas da tarde, no horário da invasão, mas isso aconteceu às 8 horas da manhã”, disse Cíntia.

Ao contrário do alegado pela subsecretária, a foto foi tirada pela reportagem do Estadão às 15h50, conforme registrado nos metadados do dispositivo usado para fazer o registro.

A captura foi feita logo na chegada da reportagem à Esplanada dos Ministérios no dia 8 de janeiro. No momento em que a fotografia foi feita o Congresso, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Palácio do Planalto já se encontravam depredados pelos golpistas.

PERGUNTA DO DEPUTADO – A declaração mentirosa da coronel Cíntia à CPI do DF foi feita em resposta a uma pergunta do deputado distrital Fábio Feliz (PSOL) a respeito da ausência de prisões imediatas dos extremistas que tentaram invadir a sede da Polícia Federal (PF) e cometeram atos de vandalismo no centro de Brasília no dia 12 de dezembro do ano passado, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi diplomado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Para embasar a pergunta, o deputado mostrou um vídeo em que os manifestantes aparecem sentados no chão cercados por policiais.

Na resposta, a coronel Cíntia alegou que o grupo não foi preso porque não havia flagrante dos ataques ao patrimônio público. Na sequência, a coronel argumentou que a imprensa teria publicado conteúdos descontextualizados e citou o caso da água de coco como exemplo.

PREVARICAÇÃO – A coronel foi alvo de uma proposta de indiciamento por prevaricação no dia 8 de janeiro proposta pela Corregedoria da Polícia Militar do Distrito Federal.

Ela foi responsável por um dos planos de contenção e controle de multidões elaborado pela Secretaria de Segurança Pública da capital para lidar com as manifestações convocada para aquele dia.

A coronel Cíntia alega em sua defesa que nunca prevaricou e que o plano elaborado seguiu os atos normativos previstos pela legislação e pelo regramento do governo do DF.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
 – A desfaçatez dessa gente é uma arte, diria mestre Ataulfo Alves. Essa versão feminina de coronel da PM é uma mentirosa patológica. Tentou desmoralizar o fotógrafo e o jornal, mas quebrou a cara, porque nada entende de fotografia, como também não entende de dignidade, de civismo, de moral ou de interesse público. O fato concreto é que a invasão dos Três Poderes foi claramente facilitada pelo governo federal e pelo governo de Brasília. A repressão só começou porque a TV começou a mostrar ao vivo a cena, e a leniência estava pegando muito mal para as forças de segurança federais e distritais. (C.N.)    

Enquanto o Planalto era invadido, Lula passeava em Araraquara, e ninguém desconfiou de nada?


Lula quebra protocolo e desce do veículo para falar com apoiadores (Foto: Assessoria da Prefeitura de Araraquara)  

Lula em Araraquara, enquanto os vândalos faziam o serviço

Duarte Bertolini

A obviedade anda tão rara no Brasil, que os “luas vermelhas” do PT (lembram dos “luas pretas” do MDB?) pensaram que os fatos e o resto de racionalidade e inteligência ainda existentes em parte da mídia e população brasileira iriam aceitar passivamente a versão de virgem inocente e cerrariam fileiras de forma incondicional ao lado do PT, na condenação dos golpistas e, por extensão, na consolidação do projeto autoritário permanente de poder do partido e seus adoradores.

A robusta inteligência estratégica e ideológica do PT não se satisfaria com a condenação dos atos do 8 de Janeiro e a responsabilização dos bolsonaristas (referendada solidamente por toda sociedade), com a consequente prostração de Bolsonaro e seus seguidores.  

Não, era necessário que o novo bezerro de ouro, agora vermelho e com auréola de democrático salvador da nação, fosse identificado, reconhecido e obviamente adorado. O poder quase absoluto seria a consequência celestial petista do 8 de janeiro.

DEU TUDO ERRADO – Graças a Deus, somos poucos. mas não somos tão burros e tão moldáveis quanto eles imaginam. O PT conseguiu o quase impossível. Trouxe para seu colo a investigação, mas permitiu o ressurgimento das narrativas bolsonaristas (depois de os presos estarem convenientemente limpos e desinfetados, além de aterrorizados que estavam com a enérgica ação de Moraes), e assim o novo governo petista (até então algoz implacável, paladino da ordem e da democracia) resulta todo arranhado, com as indeléveis marcas da facilitação do vandalismo, coparticipação e desonestidade de atos e propósitos.

Pensei muitas vezes em escrever sobre este assunto, mas a motivação anda muito baixa. Quando pensávamos haver nos livrado dos rebanhos jumento/religiosos/nacionalistas, eis que, ao contrário, eles permanecem vivos e zurramente ativos, agora irmanados pelos rebanhos ideológicos, democratas, salvadores da pátria e arrombadores de cofres da nação.

UMA FARSA VISÍVEL – Não existe mais um mínimo rastro de diálogo político, que dirá qualquer tipo de conversa ou argumentação razoável.

E a farsa estava visível desde o primeiro momento. Comentei com minha esposa no dia 8 mesmo: “Como é possível que eu, mísero e desconhecido brasileiro, tenha deixado de lado qualquer ocupação e ficado grudado na TV, desde o primeiro momento e da primeira imagem, enquanto o presidente continuava olimpicamente passear com amigos no interior de São Paulo e só chegasse ao final da tarde a Brasília?”. Não deveria ter voltado imediatamente e comandado pessoalmente a reação?

Depois as imagens consolidaram a estranheza. E ai começam todas as manobras diversionistas em que o PT sempre foi useiro e vezeiro, com a imprensa amiga e intelectuais alertando indignados sobre a traição do general Gonçalves Dias a Lula, etc, etc, etc. Enfim. o PT sendo o PT, e o Brasil sendo o Brasil. Tristes tempos, quanto mais lutamos para sair do atoleiro mais nos afundamos.

CARTAS BRASILEIRAS (1809-2000): COLETÂNEA DE FONTES PARA O ESTUDO DO PORTUGUÊS

http://www5.uefs.br/cedohs/assets/files/Cartas%20Brasileiras/Cartas%20Brasileiras%20-%20Volume%202/Vol_2-CD_1.pdf


Ministra Cármen Lúcia se declara suspeita para julgar pedido de Roberto Jefferson




Defesa pede revogação da prisão preventiva do ex-parlamentar; magistrada foi alvo de ataques misóginos por parte de Jefferson no ano passado

Por Samantha Klein

A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia se declarou suspeita para julgar um agravo regimental da defesa do ex-deputado federal Roberto Jefferson. O pedido é pela revogação da prisão preventiva do ex-parlamentar.

Cármen Lúcia foi alvo de ataques misóginos por parte de Jefferson, que a chamou de prostituta em vídeos nas redes sociais em outubro de 2022.

À época, o ex-presidente do PTB estava em prisão domiciliar e proferiu xingamentos contra o voto da ministra no caso da suposta “censura prévia” à Jovem Pan. A prisão dele se deu pela investigação do inquérito das milícias digitais.

Após esse episódio e recorrentes descumprimentos da decisão judicial impedindo as manifestações de Roberto Jefferson nas redes sociais, o ministro Alexandre de Moraes determinou a prisão preventiva.

A uma semana do segundo turno das eleições, o aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) reagiu com tiros de fuzil e granadas à ordem do STF.

Em julgamento virtual, que começou em 21 de abril, o Supremo está julgando a decisão de Moraes, que negou a revogação da preventiva. A Corte já formou maioria pela manutenção da prisão.

O relator, ministro Alexandre de Moraes, relatou em seu voto o “histórico de reiterado descumprimento das medidas cautelares e desrespeito ao Poder Judiciário e à força das decisões da Suprema Corte, a extrema violência de sua reação diante da presença dos agentes públicos e o altíssimo poder de destruição das armas de fogo e munições que foram apreendidas em seu poder, evidenciando a necessidade de manutenção da prisão preventiva para garantia da ordem pública”.

Acompanharam o voto, os ministros Edson Fachin, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Rosa Weber.

Com um ministro a menos na Corte e a declaração de suspeição de Cármen Lúcia, faltam somente os votos de André Mendonça, Kássio Nunes Marques e Luiz Fux.

O julgamento termina na próxima terça-feira (2).

CNN

Em defesa da liberdade acadêmica - Editorial




Criado em Harvard, o Conselho de Liberdade Acadêmica é importante iniciativa em defesa da liberdade de expressão. Nos dias de hoje, há quem queira sufocar a diversidade

Historicamente, as universidades sempre foram espaços de liberdade. Em razão de sua finalidade de pesquisa, ensino e diálogo, o ambiente acadêmico precisa ser profundamente livre, onde professores e alunos se sintam genuinamente estimulados a apresentar suas descobertas, seus pontos de vista, suas impressões e também suas dúvidas. A produção de conhecimento sério envolve essa abertura a novas perspectivas e hipóteses, num cenário de confiança e de respeito à pluralidade.

No entanto, a liberdade acadêmica, que deveria ser conatural a todas as atividades e projetos de toda instituição universitária, sofre nos tempos atuais especial resistência e oposição. De forma sintomática, mais de 70 docentes da Universidade Harvard viram a necessidade de criar o Conselho de Liberdade Acadêmica de Harvard, que se dedicará a acompanhar e a promover a diversidade intelectual e as liberdades de pesquisa e de expressão.

Em artigo publicado no jornal Boston Globe, os professores Steven Pinker e Bertha Madras expuseram os motivos para a criação da nova entidade. “Há muitas razões para pensar que a repressão à liberdade acadêmica é sistêmica e precisa ser combatida ativamente”, afirmam. Para eles, a repressão às diferenças de opinião observada nas universidades, de forma similar às inquisições e expurgos de séculos atrás, é um dos motivos para a queda da confiança no ensino superior americano. Como exemplo, relatam a viralização de vídeos com professores sendo perseguidos, xingados, debochados e, às vezes, até mesmo agredidos.

Citado no artigo, estudo da Foundation for Individual Rights and Expression (Fire) nas universidades americanas relata, entre 2014 e 2022, 877 tentativas de punir acadêmicos por expressões cujo uso, em tese, estaria protegido constitucionalmente. Dessas tentativas, 60% resultaram em sanções efetivas, com 114 casos de censura e 156 demissões. “Mais do que durante o macartismo”, dizem Pinker e Madras.

Isso, no entanto, é apenas a ponta do iceberg. “Para cada docente punido, muitos outros se autocensuram, cientes de que poderão ser os próximos”, constatam os autores. O mesmo ocorre com os alunos, que não se sentem confortáveis em expor suas ideias. Em Harvard, mais da metade dos discentes tem receio de opinar sobre temas controvertidos em sala de aula.

No artigo, os dois professores lembram um aspecto fundamental sobre o tema: “A liberdade acadêmica não é apenas uma questão de direitos individuais de professores e alunos”. Ela está inserida na própria “missão de uma universidade, que é buscar e compartilhar a verdade”.

Há uma vinculação direta entre a liberdade de expressão e a busca pela verdade. Afinal, ninguém é infalível ou onisciente. Todos precisam ser expostos ao contraditório. Da mesma forma, não há ideias ou hipóteses infalíveis. Todas elas têm de ser debatidas e confrontadas. “A única maneira pela qual nossa espécie conseguiu aprender e progredir foi por meio de um processo de conjectura e refutação: algumas pessoas lançam ideias, outras investigam se são sólidas e, no longo prazo, as melhores ideias prevalecem”, afirmam Pinker e Madras. Por isso, suprimir o debate, mesmo em temas aparentemente consensuais, pode ser extremamente prejudicial para a sociedade.

Como é evidente, essas tensões não estão presentes apenas no ambiente universitário americano. A liberdade de expressão é ameaçada diariamente por discursos com pretensão de hegemonia, por suposta superioridade moral ou intelectual. São tempos realmente estranhos, em que a sociedade parece refém de extremos. Há os que, sob pretexto de liberdade de expressão, querem impunidade total para seus crimes. E há os que, sob pretexto de ideais civilizatórios, desejam calar quem pensa de forma diferente, reprimindo ou mesmo criminalizando a diversidade intelectual.

É preciso preservar a liberdade acima de modismos, respeitando e fomentando a pluralidade de ideias. Sem liberdade acadêmica, impede-se não apenas a produção de conhecimento. A própria dignidade humana é sufocada.

O Estado de São Paulo

Especialistas apontam “correção de rumo” do Brasil após declarações de Lula sobre guerra na Ucrânia




Depois de afirmar que decisão do conflito no Leste Europeu "foi tomada por dois países", presidente voltou a condenar invasão russa em viagem à Europa

Por Lucas Schroeder

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) retornou ao Brasil na última quarta-feira (26) após seis dias na Europa, em uma viagem que teve como um dos destaques a posição do Brasil sobre a guerra na Ucrânia.

Durante compromissos em Portugal e na Espanha, Lula foi provocado diversas vezes a comentar o conflito no Leste Europeu.

Em entrevista nos Emirados Árabes Unidos no último dia 16, o presidente afirmou que “a decisão da guerra foi tomada por dois países [Rússia e Ucrânia]”. No dia seguinte, a União Europeia (UE) e a Casa Branca contestaram a afirmação do petista.

Peter Stano, porta-voz principal para Assuntos Externos da UE, disse que e a Rússia é a “única responsável” pela escalada da violência no continente. Ele embasou sua argumentação nos ataques conduzidos por Moscou a civis ucranianos e à infraestrutura do país.

Já o porta-voz de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby, destacou que Lula “está reproduzindo propaganda russa e chinesa”. Ainda segundo ele, os comentários foram “simplesmente equivocados”.

A CNN ouviu especialistas para compreender a posição do Brasil em relação à guerra na Ucrânia e as implicações das recentes declarações de Lula.

Para Thiago de Aragão, diretor da Arko Advice e especialista em geopolítica, quando o presidente fala de improviso, o resultado pode não sair como esperado.

“A correção de rumo foi muito importante porque inicia o processo de colocar o Brasil dentro da esfera da sensatez, quando se interpreta as causa iniciais da guerra na Ucrânia”, aponta Aragão.

Segundo ele, a mudança no discurso de Lula pode ser explicada por uma autoanálise sobre o que foi dito anteriormente nos Emirados Árabes Unidos. Além disso, o impacto negativo da afirmação “deve ter assustado e levado à revisão das falas”.

    'Em política externa, Lula deve compreender que as falas dele possuem um peso e um processo de interpretação diferente das coisas ditas no âmbito doméstico'. - Thiago de Aragão, diretor da Arko Advice e especialista em geopolítica

O professor de Política Internacional da UERJ Paulo Velasco classifica como “infeliz” a fala de Lula na viagem anterior, ao Oriente Médio.

“Não faz sentido tentar equiparar Rússia e Ucrânia em sentido de responsabilidade pelo conflito”, destaca Velasco.

“Lula viu que a escolha de palavras e o modo como sua fala foi apresentada foi equivocado”, acrescenta.

    'Lula temperou as palavras e voltou atrás, o que não deixa de ser um ato de nobreza'. - Paulo Velasco, professor de Política Internacional da UERJ

Velasco salienta que o Estado brasileiro tem condenado a invasão da Ucrânia desde seu início, em fevereiro de 2022.

Na avaliação de Regiane Nitsch Bressan, professora de Relações Internacionais da Unifesp, a aparente alteração de posicionamento do petista é inerente às relações entre países.

“Não conseguimos negociar e obter vantagens em relações hostis, não cordiais. O Brasil continua tentando adotar uma postura mais imparcial, pela paz”, ressalta Bressan.

    'Lula nunca mudou de postura. O que ele fez foi usar da diplomacia para obter os interesses para o Brasil. Tudo isso faz parte do jogo político'. - Regiane Nitsch Bressan, professora de Relações Internacionais da Unifesp

Ainda de acordo com ela, caso o Brasil se coloque em posição muito próxima àquela adotada pelo Ocidente, “pode haver algum desgaste com a Rússia”.

Visita de Celso Amorim à Ucrânia

O assessor especial da Presidência da República e ex-chanceler brasileiro, Celso Amorim, deve viajar em breve à Ucrânia, segundo o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macêdo, afirmou na semana passada.

“Por determinação do presidente da República, o assessor especial para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, vai a Kiev para um encontro com o presidente Volodymyr Zelensky. A pedido do presidente Lula, que o Brasil está empenhado em contribuir para a promoção do diálogo e da paz, e o fim deste conflito”, disse Macêdo, membro da comissão de Lula em Portugal.

No início do mês, Amorim viajou para Moscou e esteve no Kremlin para discutir a guerra. À CNN, ele explicou na ocasião que não estão “totalmente fechadas” as portas para uma negociação de paz com a Rússia.

De acordo com Thiago de Aragão, a ida de Amorim a Kiev “é uma forma de remediar o que já foi feito”.

“O erro foi feito e não tem como escapar disso. A ida a Kiev é o mínimo esperado para corrigir o rumo em relação não só à Ucrânia, mas em relação à Europa”, reforça Aragão.

Segundo Regiane Nitsch Bressan, a visita de Amorim deve servir para o Brasil “tentar esclarecer, amenizar, diluir essa tensão” no que diz respeito ao conflito.

“O Brasil vai tentar, nessa conversa com a Ucrânia, diluir essa tensão, mas isso não significa que o país está totalmente a favor da Ucrânia”, examina Bressan.

Paulo Velasco corrobora a visão dos outros especialistas. Ele aponta que a viagem de Amorim é para “aparar arestas”.

“No diálogo com o governo de Zelesnky, Amorim deve mostrar que o Brasil quer uma postura equilibrada e que o fato da frase do Lula ter provocado polêmica não significa, em hipótese alguma, que o Brasil esteja apoiando a invasão russa”, completa.

Brasil tem condições de mediar o conflito?

Em discurso ao lado do premiê espanhol, Pedro Sánchez, em Madri, Lula pediu a criação do “G20 da paz” na última terça-feira (25). O presidente teceu críticas ao Conselho de Segurança da ONU, que conta atualmente com cinco membros permanentes: Estados Unidos, França, Reino Unido, Rússia e China.

Os três especialistas consultados pela CNN ratificam que o Brasil, sozinho, não tem condições no momento de mediar tratativas de paz entre Rússia e Ucrânia.

“O Brasil tem condições, e deveria, resolver a situação fronteiriça entre Venezuela e Guiana e focar em ser líder na sua região” avalia Thiago de Aragão.

Conforme explica, a posição do Brasil como mediador isento está minada. “Quando [Sergey] Lavrov (ministro das Relações Exteriores da Rússia) diz que a visão do Brasil está alinhada com os interesses russos, aí as coisas foram para o brejo”.

Na visão de Regiane Nitsch Bressan, apesar de o país estimular diálogos de paz entre Moscou e Kiev, “não vai ser o Brasil que vai acabar com a guerra”.

“O Brasil, nesse sentido, tem que se poupar um pouco para evitar grandes tensões com qualquer um dos lados”, frisa.

Paulo Velasco cita que, apesar da experiência do Brasil em propor soluções para conflitos regionais, o país “não tem cacife” para mediar o conflito no Leste Europeu.

“O Brasil, sozinho, não tem condições, não tem peso específico para mediar um conflito dessa proporção. Porém, atuando dentro de um grupo de estados a favor da paz, isso poderia funcionar melhor”, conclui.

CNN

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