A leitura dos cronistas políticos, das cartas de leitores aos principais jornais e das mensagens pela internet mostra que o Brasil se dividiu em torno da CPMF - e por cuja razão seus opositores parecem mais numerosos. Poucos gostam de pagar tributos, e a maioria dos cidadãos, que depende do SUS, não tem como expressar a própria opinião. Os atos da oposição - ao planejar e executar a manobra parlamentar - mostram que a "classe política", tal como a definiu Gaetano Mosca, está em crise no Brasil, como, de resto, em todo o mundo.
Os partidos, no curso dos últimos decênios, perderam sua relação com as idéias que, hipocritamente, fazem parte de seus programas - como justiça social, desenvolvimento, igualdade, direitos humanos e independência nacional - todos semelhantes, para agarrar-se apenas aos interesses pessoais e das grandes corporações.
Só isso pode explicar por que a combativa ex-senadora Heloísa Helena cumprimentou o senador Arthur Virgílio como herói. Nela, neste episódio, como em outros, falou mais o ressentimento pessoal do que o compromisso ideológico de que se proclama servidora. Ela sabe que, ao privar o governo dessa fonte de receita, o Senado retirou dos mais pobres a possibilidade de uma assistência absolutamente necessária.
Ao unir-se aos Democratas, os líderes do PSDB somaram-se aos interesses e às idéias das oligarquias nordestinas. Para essas oligarquias nada é pior do que a redenção do povo. Não se trata apenas dos interesses econômicos. Aliás, esses interesses econômicos deveriam aceitar a melhoria do padrão de viver dos pobres. A ajuda governamental aos miseráveis os inclui no mercado consumidor, situação vantajosa para esses senhores. Os analistas econômicos mais lúcidos já demonstraram que o ciclo virtuoso da economia nacional nos últimos anos se deve, entre outros fatores, ao aumento de consumo de coisas básicas, como os cereais, a carne, os tecidos simples, os calçados e os produtos de limpeza.
Quando a economia se anima na base, a conseqüência natural é a sua expansão nos outros segmentos do consumo. Daí a grande demanda de automóveis, de motocicletas, de geladeiras e televisores. A classe média se torna mais numerosa, e é isso que contraria a alma egoísta dos oligarcas que desejam manter seus exércitos de servidores em situação de absoluta inferioridade e dependência. São as relações de senhor e servo que constituem a sua forma de ser, sua alegria, sua grandeza. Essa arrogante distinção se estendeu ao chão das fábricas e aos escritórios das grandes empresas de serviços, como os bancos. O Brasil urbanizou-se, mas não se civilizou. Assim como os sobrados se transferiram para o Morumbi, a bagaceira tomou o caminho das favelas.
De um lado estão os paleoconservadores da antiga Arena e os neoconservadores do PSDB, unidos no novo liberalismo, e do outro os republicanos que, mais à esquerda ou mais à direita, entendem que sem uma redistribuição de renda, possibilitada pelos gastos sociais, o país não resolverá o gravíssimo problema da desigualdade.
O grande salto
Nos últimos cinco anos (que coincidem com o governo atual), 20 milhões de brasileiros saíram das camadas mais despossuídas da sociedade, identificadas, para efeito de renda e consumo, como classes E e D, e migraram para a classe C. Ainda não se encontram na classe média, mas dela se aproximam. Isso só foi possível graças a medidas assistencialistas de emergência, como a Bolsa Família e o Prouni, com estipêndio para os estudantes pobres, e de ação governamental na assistência à saúde e melhoria do saneamento básico.
Essa realidade desespera os que sempre mandaram no Brasil. Os números, de acordo com o instituto de pesquisas da Folha de S.Paulo, revelam que as duas classes de pior qualidade de vida, que constituíam 46% da população, reduziram-se a 26%. Ao se incorporarem à classe C, fizeram com que esse segmento crescesse de 32% para 49% - metade dos quase 200 milhões de brasileiros. As classes que se encontram no alto da pirâmide (A e B) também cresceram. Passaram de 20 para 23% da população. É certo que, se o governo não obtiver a receita necessária à manutenção dos serviços de saúde e de assistência social direta, com a Bolsa Família, e de empregos, com o PAC, os números poderão sofrer alteração indesejável também para a indústria, o agronegócio e o sistema financeiro.
Não é a melhoria da vida do povo o que interessa aos novos e velhos conservadores - embora isso venha a contribuir para o fortalecimento do sistema capitalista - mas, sim, a desigualdade. Na medida em que se reduza o número de pobres, reduz-se a diferença que os separa dos ricos. E é dessa diferença que eles retiram o seu poder e a sua glória.
Fonte: JB Online
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