O caprichado pronunciamento do presidente Lula na despedida de 2007 e os votos de boas festas na saudação ao Ano-Novo, transmitido com as fanfarras da rede nacional de rádio e televisão, na noite de quinta-feira, merece elogios pelos progressos do orador e o cuidado da assessoria responsável pelo excelente visual e pelo desempenho do astro único do show.
Louvar, ainda mais no clima de esperanças de véspera de um novo ano, o terceiro do segundo mandato do orador, é mais gratificante do que criticar. Ficamos no meio justo, de agrados e ressalvas. Para princípio do balanço, o reconhecimento da excelente atuação presidencial. Desde a aparência cuidada da barba aparada, o terno de corte impecável, a gravata de cor viva e laço irretocável. De tanto treinar nos muitos improvisos de cada dia, o orador aprimorou os inegáveis dotes de comunicador. E aprendeu a ler na telinha o texto, de períodos curtos e com dados de confundir a cuca do ouvinte ou telespectador.
O tom da fala era o que o bom senso recomenda. Com algumas derrapadas nas curvas das contradições. Lula superou o trauma da sua maior derrota política com a derrubada da emenda constitucional que prorrogava a cobrança da CPMF, o imposto do cheque até 2011. Refez as contas, aconselhou-se com a equipe econômica e foi convencido de que o corte dos R$ 40 bilhões por ano pode ser aliviado com as mágicas da execução orçamentária e o aumento na arrecadação.
A cascata de auto-elogios que desfilou no corso da estatística dos êxitos causou o impacto pretendido na boa-fé do povo em pleno clima festeiro. O "excelente momento" que o país está vivendo, segundo a sua avaliação, confirma que "a casa está arrumada" e que os resultados começam a aparecer. Mas, reconhece, "é preciso avançar mais". E completa: "sobretudo em saúde, segurança e educação".
Ainda bem que as ressalvas explícitas, embora limitadas à ginga entre sucessos e frustrações, salvou a credibilidade que perigou na travessia de algumas pinguelas. A mais grave e indesculpável quando ignorou os índices de aumento da devastação da Amazônia, carpidos pelo Ministério do Meio Ambiente e reconhecidos pela ministra Marina Silva, para insistir, na contramão da realidade, nas medidas pontuais que não resistiram à ofensiva desafiadora das motosserras, dos plantadores de soja e fazendeiros. É a mais negra mancha no painel das louvaminhas da metade do segundo mandato.
Não se poderia esperar que o presidente destacasse as falhas dos seis anos do mandato duplicado para modestamente passar às carreiras pelos acertos confirmados pela mobilidade social que levou a ONU a classificar o Brasil como país de alto desenvolvimento, com 20 milhões de pessoas ascendendo das classes D e E para C nos últimos cinco anos. O Bolsa Família é louvado como um dos responsáveis pelos resultados alcançados pela política social do governo.
Mas os R$ bilhões que seriam destinados pelo PAC da Saúde até 2010 esbarraram na derrubada do CPMF. E, se o presidente ressalva o seu respeito de democrata à decisão do Congresso, manifesta a esperança de que "governo, Congresso e a sociedade encontrem uma solução para o problema". Pode ser. A postura conciliatória, depois dos desabafos e ásperas e recíprocas críticas, abriu veredas para o relacionamento com o Legislativo na metade do ano, antes que esquente a campanha eleitoral para prefeitos e vereadores, que esvaziará os plenários da Câmara e do Senado. Sem o amparo da base municipal, a reeleição de senadores e deputados federais e estaduais fica muito difícil.
A habilidade do trapezista e da sua trupe no show de fim do ano foi o mais competente retoque na imagem do presidente e do governo, embalado por excelentes resultados setoriais. Na arrancada da reta final, na hora da verdade do tudo ou nada, não será tão simples e fácil repetir o truque clássico da valorização dos acertos para esconder as falhas.
O governo acertou e errou muito. A campanha eleitoral baixa aos municípios, aos distritos, às ruas e vielas, aos grotões da miséria, onde quer que se esconda o voto. Portanto, nas metrópoles de milhões de habitantes, nas capitais e cidades de milhares de residentes, nas favelas dominadas pela violência e tráfico de drogas. No Brasil da pobreza, a gratidão pelo Bolsa Família esbarra na justa indignação pela omissão oficial nas áreas críticas dos hospitais e postos de saúde, nas estradas esburacadas que condenam os usuários às longas caminhadas pelas trilhas lamacentas.
Saúde, educação e segurança são os calos que atrapalham a marcha da caravana oficial.
Fonte: JB Online
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