Dom Eugenio Sales, arcebispo emérito do Rio
O freqüente noticiário sobre a corrupção no Brasil nos faz ver a extensão do mal. Por várias vezes tenho abordado esse assunto no espaço que me é dado semanalmente nas emissoras de TV e rádio e também jornais. Volto hoje ao assunto, propondo uma reflexão à luz dos ensinamentos da doutrina cristã.
O Compêndio de Doutrina Social da Igreja assim analisa o assunto: "Entre as deformações do sistema democrático, a corrupção política é uma das mais graves porque trai, ao mesmo tempo, os princípios da moral e as normas da justiça social; compromete o correto funcionamento do Estado, influindo negativamente na relação entre governantes e governados; introduzindo uma crescente desconfiança em relação à política e aos seus representantes, com o conseqüente enfraquecimento das instituições. A corrupção política distorce na raiz a função das instituições representativas, porque as usa como terreno de barganha política entre solicitações de clientela e favores dos governantes. Deste modo, as opções políticas favorecem os objetivos restritos de quantos possuem os meios para influenciá-las e impedem a realização do bem comum de todos os cidadãos" (nº 411).
A Comissão Pontifícia de Justiça e Paz, em seu documento A serviço da comunidade: uma consideração ética da dívida internacional (nº 16), afirma: "É verdade que as estruturas, quando instauradas para o bem das pessoas, são por si mesmas incapazes de lográ-lo e garanti-lo. Prova disso é a corrupção que, em certos países, atinge os dirigentes e a burocracia do Estado e que destrói toda a vida social honesta. A retidão de costumes é condição para o bem-estar da sociedade. Necessário se faz, por conseguinte, atuar tanto para a conversão dos corações como para a melhoria das estruturas".
A Doutrina Social da Igreja nos dá preciosa ajuda no combate à corrupção. Aliás, os documentos pontifícios repetidas vezes têm abordado a matéria. As Conferências Gerais do Episcopado Latino-Americano tratam do mal presente à vida e administração públicas, aos negócios particulares e o papel do leigo católico na eliminação desse fator de degenerescência. Trago algumas citações: A III Assembléia Geral do Episcopado Latino Americano, celebrada na cidade de Puebla de los Angeles, México, em 1979, faz constatações e dá diretivas: A crise de valores morais: a corrupção pública e privada (Documento final, nº 69).
E acrescenta: "A situação da miséria, marginalidade, injustiça e corrupção que fere nosso continente exige do Povo de Deus e de cada cristão um autêntico heroísmo em seu compromisso evangelizador, a fim de poder superar semelhantes obstáculos" (Idem, nº 281); "e exortamos a todos a lutar contra a corrupção econômica em seus diversos níveis, tanto na administração pública como nos negócios particulares, pois com ela se causa grave prejuízo à grande maioria" (ibidem, nº 1.227).
A corrupção é antiga. Na Bíblia conhecemos a debilidade moral e venalidade da pessoa humana, com suas conseqüências. O Livro do Êxodo (23,8) adverte: "Não aceitarás presentes porque os presentes cegam até os perspicazes e pervertem as palavras dos justos". O Deuteronômio (16,19) fala aos juízes: "Não perverterás o direito, não farás acepção de pessoas nem aceitarás suborno, pois o suborno cega os olhos do sábio e falseia a causa dos justos". E, no Eclesiástico (20,31): "Dádivas e presentes cegam os olhos dos sábios e, como uma mordaça na boca, retêm as repreensões".
Essas situações nos levam a atribuir uma importância fundamental aos aspectos éticos e religiosos de nossa sociedade, pela estrita vinculação que há entre eles e as lutas contra a deterioração do tecido social. A História nos ensina que, sem uma vitória, ao menos parcial, sobre este mal está em jogo a sobrevivência das nações e o bem-estar dos indivíduos. Em nosso meio, muitos gritam contra a corrupção e poucos falam da imoralidade reinante em numerosos ambientes.
A vitalidade dos princípios morais é o alicerce das nações e garante a convivência sadia dos seres humanos. Vivemos momentos de um verdadeiro assalto, mediante um combate organizado e até mesmo eficiente, tendendo à destruição da moralidade, quer administrativa, quer social. Atingimos um nível negativo impensável nas décadas atrás. A partir da revolução sexual, a fronteira da imoralidade avançou constantemente. No desmantelamento da sociedade, nada é poupado.
Os claros sinais de reação ainda garantem a sobrevivência da família, da coletividade. Causa preocupação ver a audácia de indivíduos e grupos contrários a um comportamento daqueles que defendem a vida antes e depois do nascimento, resista aos atrativos do ídolo da riqueza, à manipulação da opinião pública, confundindo liberdade e libertinagem e assim por diante.
A estrutura moral, sem o fundamento religioso, será sempre frágil. Somente princípios que resistam aos embates dos instintos e tendências deletérias podem assegurar vigor, discernimento e coragem para reconhecer e defender a existência de normas morais dignas desse nome. A decorrência que se impõe é promover a educação religiosa nos lares e nas escolas.
O desenvolvimento só científico-técnico é uma exaltação do homem, mas quando feito sem Deus, é fadado ao fracasso. E um dos efeitos é o avanço da decomposição. E fico a pensar nas diversas tentativas de banir o ensino religioso. É preciso formar o caráter e não apenas ilustrar a inteligência de nossa juventude.
Fonte: JB Online
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