Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Teve o presidente Lula oportunidade, ontem, de constatar um certo desvio de visão por parte das Nações Unidas, que acabam de classificar o Brasil no grupo de países de elite em matéria de qualidade de vida. Porque acostumado com os desníveis sociais e conhecedor das agruras das massas, o presidente não se espantou com o que viu nas favelas do Pavão-Pavãozinho e Cantagalo, no Rio.
Poderá ter ficado assustado com a qualidade de vida dos favelados, até indignado com a ausência de condições mínimas de conforto, higiene e alimentação. Mas a surpresa de S. Exa. correu por conta da comparação entre o que concluíram tecnocratas ocultos em gabinetes de Nova York e a realidade verificada nessa amostra de um Brasil sem qualidade de nada, muito menos de vida.
Deve ser elogiada a decisão do presidente Lula de visitar as favelas referidas. De seus antecessores próximos, nenhum jamais pôs o pé num morro, carioca ou do resto do País. A começar pelo sociólogo, antítese de Joãozinho Trinta, para quem pobre gosta de luxo e sociólogo de miséria. Fernando Henrique demonstrou que intelectuais como ele apreciam o luxo e dão as costas para a miséria.
O esquema de segurança envolveu Exército, Força Nacional de Segurança, polícias Militar e Civil e Corpo de Bombeiros, todos formando um paredão em torno do chefe do governo, aliás, apoiados pelos chefes do tráfico, também responsáveis pela tentativa de impor tranqüilidade nas favelas visitadas.
O que os bandidos não queriam era assistir qualquer tipo de tumulto ou agitação capazes de perturbar seus rendosos negócios. Por isso deram férias compulsórias às respectivas quadrilhas, estabelecendo até penalidades para quem botasse o pescoço de fora.
De qualquer forma, foi profícuo o tempo que o presidente Lula passou nesse mundo tão distinto dos palácios de Brasília. Estará reforçada sua visão de que resta um mundo a construir, para evitar os fantasmas de sempre.
Sem acreditar em fantasmas
Durante muitos anos correu em Brasília o rumor de que o Palácio da Alvorada era mal-assombrado. O presidente Castello Branco, viúvo e solitário, evitava permanecer na residência oficial e, de noite, não descia de jeito nenhum aos salões do andar térreo. Se ouviu ou não ouviu é dúvida, mas a versão era de que o piano de cauda antes instalado na biblioteca costumava tocar sozinho alguns acordes misteriosos.
João Figueiredo, que antes de mudar-se para a Granja do Torto ouvia o tropel de cavalos nos jardins onde só ficaram emas e avestruzes. Já José Sarney, o mais supersticioso de todos, jurava aos amigos mais chegados que correntes eram arrastadas no teto. Itamar Franco chegou a comentar haver visto um sentinela sem cabeça, fazendo a ronda.
Indagado sobre suas impressões a respeito, o presidente Lula aferra-se ao natural. Lembra que barulhos noturnos são freqüentes. Muitas vezes morcegos, que apesar do radar natural não conseguem evitar as amplas vidraças, lançando-se contra elas. Madeiras de estantes costumam estalar, nos períodos de seca. Corujas piam, pássaros fazem monumental algazarra quando o sol vai nascer. O vento uiva pelas frestas das janelas entreabertas para evitar o incômodo de noites quentes com o ar refrigerado ligado. Mas em fantasmas, ele não acredita. Como ainda faltam três anos e um mês, vamos aguardar.
Pressões, quem não as sofre?
Perguntaram certa vez ao presidente John Kennedy se sofria pressões ao governar os Estados Unidos. Disse que governar era administrar pressões: se algum governante sustentasse não aceitá-las, deveria ser interditado.
Na mesma linha situa-se o presidente Lula. Para ele, não há quem governe sem sofrer pressões. Com um sorriso meio maroto, foi assim que respondeu se começava a sentir pressões do PT por haver afirmado que o seu candidato à sucessão poderia sair de outro partido.
Deixou claro, no entanto, que na hora certa, lá para o final de 2009, começo de 2010, estará reunindo as forças de apoio ao seu governo para uma decisão conjunta. Confia em que no PT existem quadros em condições de candidatar-se e vencer as eleições, mesmo reconhecendo que o PSDB, hoje, dispõe de candidatos variados. Mas é cedo para saber quem irá enfrentar os tucanos.
Surpresas na pauta da convenção
São sete os candidatos que no fim de semana estarão disputando a presidência do PT. Na pole-position está o atual ocupante do cargo, Ricardo Berzoini, representante do ex-Campo Majoritário, agora rebatizado de Construindo um Novo Brasil.
O problema é que dificilmente haverá vitória de alguém, no primeiro turno da votação, correndo Berzoini o risco de assistir os demais competidores unidos em torno do segundo colocado, pelo jeito José Eduardo Cardoso. Trava-se, na verdade, um ensaio geral para as eleições presidenciais de 2010, porque o grupo aparentemente majoritário, mesmo a contragosto, seguirá ao pé da letra as determinações de Lula.
Em outras palavras, tentará emplacar um candidato saído dos quadros do partido, mas, se o presidente insistir, apoiará um nome saído dos partidos da base. Já os demais, se um deles conseguir, no segundo turno, bater o favorito, fecharão em torno da candidatura própria, mesmo rachando o partido e batendo de frente com o chefe do governo.
Os grupos ligados a Tarso Genro e a Marta Suplicy, contrários à reeleição de Berzoini, não admitem a hipótese de um cristão-novo tomar-lhes o espaço, principalmente se vier a ser Ciro Gomes. Mas se não for, quem será? Sérgio Cabral, Nelson Jobim ou Roberto Requião, do PMDB? Para cada lado que os companheiros se voltem, encontram precipícios...
Fonte: Tribuna da Imprensa
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