Expedito Filho e Alexandre Oltramari
O empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, o trem pagador do propinoduto petista no escândalo do mensalão, passou as últimas duas semanas atrás das grades. A temporada na cadeia não tem relação aparente com o esquema que o tornou famoso. Valério agora é apontado como o chefe de uma quadrilha, formada por advogados e policiais, que montou uma farsa para desmoralizar funcionários da Secretaria da Fazenda de São Paulo. De acordo com a investigação, que levou Valério e outras dezesseis pessoas para a cadeia, o operador do mensalão corrompeu policiais para abrir um inquérito fraudulento contra dois auditores fiscais que multaram a cervejaria Petrópolis em 105 milhões de reais. O objetivo de Valério com a desmoralização dos auditores seria tornar mais fácil o cancelamento da multa e, certamente, ganhar muito dinheiro com isso. Essa é a parte conhecida da história. Mas há um capítulo ainda inédito da trama: a maquinação, como não poderia deixar de ser, também tinha objetivos políticos. Ela pretendia envolver no escândalo o governador de São Paulo, o tucano José Serra.
A vertente política da empreitada comercial de Marcos Valério está documentada em quatro e-mails enviados pela advogada mineira Eloá Velloso a VEJA, há três meses. Juntamente com o advogado Ildeu Sobrinho, ela foi contratada por Valério para produzir um dossiê contra os auditores, acusando-os de cobrar propina para livrar empresas enroladas com o Fisco. Também coube à dupla corromper delegados da PF para abrir o inquérito forjado e depois divulgar o caso à imprensa. O primeiro objetivo da trama era desmoralizar os auditores. Nos e-mails trocados com VEJA antes de a PF descobrir a trama e prender os advogados juntamente com Valério, Eloá revelou a existência da "investigação", desceu a detalhes como a data dos depoimentos e chegou a enviar cópia das intimações recebidas pelos auditores. Ao citar um dos fiscais, Antonio Carlos de Moura Campos, a emissária de Valério deu a primeira pista sobre o segundo, e talvez o principal, objetivo da gangue: "Fontes do Palácio dos Bandeirantes informam que ele é arrecadador do governo Serra. Fomos informados de que são tucanos e estão desesperados com essa investigação", escreveu Eloá, insinuando que o esquema de corrupção atribuído aos fiscais teria finalidade política. Questionada se o inquérito não poderia ser uma armação, a advogada foi taxativa: "Armação é o que eles (os auditores) estão fazendo". Ou seja: os fiscais, além de corruptos, estariam a serviço do governador de São Paulo.
Com base nas informações repassadas pela advogada, VEJA apurou o caso durante duas semanas. Foram identificadas inconsistências gritantes no inquérito. Uma empresa supostamente de propriedade de um dos auditores investigados na verdade pertencia a um homônimo argentino do fiscal. Um terreno que seria de outro auditor, situado às margens do Rio Tietê, em São Paulo, ficava, na verdade, em Tietê, interior do estado. Ouvidos, os fiscais também negaram qualquer irregularidade. Apesar da existência formal do inquérito, VEJA decidiu não divulgar a investigação por causa de suas inconsistências. "Na condição de alvo da farsa montada por organização criminosa com o objetivo de denegrir minha imagem e a de meu colega Eduardo Fridman, em boa hora desbaratada pela exemplar atividade investigativa desenvolvida pela PF no decorrer da Operação Avalanche, sinto-me no dever de expressar de público meus respeitos pela postura ética assumida por VEJA", escreveu o auditor Antonio Carlos de Moura Campos em e-mail enviado à revista. VEJA só soube que o inquérito era obra de Valério, usando a advogada Eloá como intermediária, depois das prisões.
A tramóia para incriminar os auditores e envolver José Serra no falso escândalo começou a ser desbaratada há três meses. Ao investigarem uma quadrilha de policiais corruptos, o Ministério Público Federal e a PF descobriram que os advogados Ildeu Sobrinho e Eloá Velloso haviam encomendado um dossiê contra os auditores. A dupla, então, passou a ser monitorada por escutas telefônicas, ambientais e interceptação de e-mails. A investigação revelou que eles patrocinaram o inquérito forjado a mando de Valério. Em agosto passado, ao deterem Ildeu Sobrinho com 1 milhão de reais em espécie, os investigadores descobriram que o dinheiro havia sido entregue a ele por Valério e seria usado para pagar os policiais corruptos. O lado oculto da farsa guarda semelhanças com a atuação dos aloprados petistas presos em 2006 tentando comprar um falso dossiê contra Serra às vésperas das eleições. O caso levou ao afastamento do presidente do PT, Ricardo Berzoini, derrubou o coordenador da campanha de Aloizio Mercadante ao governo paulista, Hamilton Lacerda, e atingiu membros da campanha à reeleição do presidente Lula, como o churrasqueiro presidencial Jorge Lorenzetti e o ex-policial Gedimar Passos. "Ainda não sabemos quais foram as motivações de Marcos Valério para envolver o governador José Serra nesse caso", diz um dos investigadores. O mistério pode não ser tão impenetrável assim.
Fonte: Revista Veja (BR)
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