Gilmar Mendes criticou Lula por "atribuir à Polícia Federal superpoderes que ela não tem"
SÃO PAULO - O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, deu ontem mais um sinal de que anda às turras com o ministro da Justiça, Tarso Genro, por causa das operações "espetaculosas" da Polícia Federal. "Ele não tem competência para opinar sobre o assunto", reagiu Mendes, ao ser indagado sobre críticas de Tarso.
No sábado, o petista disse que os habeas corpus concedidos pelo chefe do STF aos acusados na Operação Satiagraha poderiam, eventualmente, possibilitar alguma fuga. Nas últimas semanas, os dois vêm trocando farpas sobre vazamento de dados, grampos e algemas.
Em entrevista ontem, Mendes também discordou da posição manifestada na quinta-feira passada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando, em viagem ao Vietnã, afirmou que a única maneira de se evitar uma investigação da Polícia Federal é "andar na linha". O ministro rebateu a declaração: "Atribui à Polícia Federal um superpoder que ela não tem." E destacou: "Tenho a impressão de que a PF não tem essa missão na Constituição."
Gilmar Mendes disse não temer os procuradores regionais que se organizaram para redigir uma representação pedindo seu impeachment, por "crime de responsabilidade". Para ele, é natural que os procuradores se sintam frustrados em relação a eventuais resultados de seu trabalho, mas isso não justifica nenhuma medida. "Eu não tenho nenhum medo desse tipo de ameaça ou retaliação", sustentou.
Mendes citou que em algumas turmas do STF o índice de concessão de habeas-corpus chega a 50% para prisões preventivas ou no caso de denúncias ineptas. "Isso fala por si só. Será que é o Supremo que está equivocado, será que é a Justiça em primeiro grau? Os senhores podem fazer o seu próprio juízo", emendou.
"Temos que ter muito cuidado com esse tipo de situação, o habeas-corpus é talvez hoje uma garantia central no nosso sistema de proteção e de jurisdição de liberdade. E muitas vezes temos visto o monitoramento de advogados e isso é extremamente grave. Temos que ter cuidado com esse tipo de prática e com a policialização ou criminalização dessa relação", acrescentou.
O ministro voltou a dizer que sua decisão se baseou em parâmetros exclusivamente técnicos, com base na jurisprudência do STF e na Constituição, mas ponderou que as polêmicas e contradições no Judiciário vitalizam o debate.
"Sou um defensor arraigado da independência do Judiciário. Tenho ressaltado que a independência judicial é muito mais importante do que o próprio catálogo de direitos fundamentais e continuo a pensar assim. Acredito que essas querelas, escaramuças, são absolutamente normais", explicou. Questionado sobre a possibilidade de Dantas fugir do País, Mendes respondeu: "O eventual poder econômico não é causa suficiente para justificar uma prisão preventiva, na hipótese de uma suposta evasão".
Manifesto
Mendes disse desconhecer o manifesto dos cerca de 150 juízes federais da 3ª Região, em apoio ao juiz Fausto Martin De Sanctis, que decretou as prisões temporária e preventiva de Dantas, a pedido da Polícia Federal. O ministro esclareceu que não instaurou nenhum procedimento judicial administrativo contra De Sanctis no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mas apenas comunicou o órgão do ocorrido.
"Estamos querendo acompanhar esse processo no âmbito de todas as instâncias e estamos acompanhando os decretos de busca e apreensão. O próprio Conselho tem e está elaborando decisões a respeito. Isso teve apenas o intuito de subsidiar esses órgãos nesse contexto", disse. "Eu creio que os juízes que assinaram o manifesto partiram de um pressuposto errado."
Mendes negou que haja uma crise no Judiciário. "Na verdade pode haver uma desinteligência, fruto talvez até de um déficit ou falta de comunicação. A rigor, o Judiciário está unido", finalizou.
Abuso
Mendes se disse convencido de que é preciso colocar um ponto final no abuso de autoridade que, na avaliação dele, tem caracterizado boa parte das operações deflagradas pela Polícia Federal. Hoje, o dirigente da instância maior do Judiciário deverá reunir-se com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para tratar do tema.
O ministro busca apoio de Lula para fazer avançar uma proposta que iniba excessos por parte de agentes encarregados de missões amparadas por decisões judiciais. Recentemente, Mendes conversou uma primeira vez com o presidente sobre o tema. Ele disse a Lula sobre sua preocupação com os casos que, segundo o ministro, caracterizam abuso, incluindo histórias de vazamentos de informações protegidas pelo sigilo e o grande volume de grampos telefônicos.
Mendes anotou que, em muitos casos, as operações da PF - que classifica de "espetacularização" -, em parceria com o Ministério Público Federal, sequer rendem denúncia contra os investigados.
Há, de acordo com o ministro, vários exemplos que reforçam essa conclusão. Ele sustenta que, em muitos casos, o oferecimento de denúncia leva meses para ser apresentado. Citou a Operação Navalha, que pegou o empreiteiro Zuleido Veras, em 2007. "Há dificuldades na apresentação da denúncia."
Para evitar isso, o presidente da mais alta corte do País pretende atacar em duas frentes. Ele quer que o Judiciário, o Executivo e, obviamente, o Legislativo se articulem para rever a legislação de 1965 que trata da questão do abuso de autoridade; e tem em mente que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabeleça parâmetros para que os juízes de primeira instância possam autorizar os grampos.
Ultrapassada
Na visão do ministro, a lei que coíbe o abuso de autoridade está ultrapassada. "É da época dos militares", afirmou. E um dos indícios de que é preciso tornar essas normas mais restritivas - sempre na visão do ministro - são os inúmeros grampos autorizados pelos juízes. Logo depois de conceder liberdade a 22 dos 24 investigados da Operação Satiagraha, da Polícia Federal, o presidente do STF, Gilmar Mendes, afirmou não haver qualquer controle dos decretos de prisão preventiva e temporária expedidos pelos juízes.
Foi essa a justificativa dada pelo presidente do STF ao presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Fernando Mattos, para encaminhar ao CNJ, ao Conselho da Justiça Federal (CJF) e à Corregedoria do Tribunal Regional Federal 3 (São Paulo) a decisão em que mandou soltar, pela segunda vez em 48 horas, o banqueiro Daniel Dantas, do banco Opportunity, preso preventivamente pela PF.
"Registro que a medida vem ao encontro do propósito de defender as garantias democráticas constitucionais, sobretudo num período em que se observa total descontrole de ações constritivas de liberdade, a exemplo das interceptações telefônicas e quebra de sigilo fiscal, bancário e de correspondência", disse Gilmar Mendes em carta encaminhada ao presidente da Ajufe.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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