Ex-coordenador do Rio transplante é acusado de, em troca de dinheiro, furar fila única
O médico Joaquim Ribeiro Filho, ex-coordenador do Rio Transplante e ex-chefe da equipe do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi preso ontem pela Polícia Federal, na Operação Fura-Fila. Ele é acusado de, em troca de dinheiro, dar diagnóstico falso para beneficiar pelo menos três pacientes que receberam transplante de fígado, em detrimento da lista única.
Em um dos casos, segundo investigação da PF, o médico teria recebido cerca de R$ 200 mil. Ele e outros quatro médicos da equipe do hospital foram denunciados pelo procurador da República Marcello Miller por crime de peculato (desvio de recursos ou bens do Estado por servidor).
Segundo a investigação, os órgãos foram desviados entre 2003 e 2007. O primeiro caso identificado foi o de Jaime Ariston, irmão do ex-secretário Estadual de Transportes Augusto Ariston. Jaime ocupava a 32ª posição na lista quando foi operado em julho de 2003, apenas dois dias depois de Ribeiro Filho assumir a coordenação do Rio Transplante.
De acordo com procurador, o médico teria mentido sobre a qualidade do fígado e disse que era "marginal" (no limiar da prestabilidade) para que outros pacientes se negassem a recebê-lo. Também teria sido irregular o transplante feito em Carlos Augusto Arraes de Alencar, filho do ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes, realizado em julho de 2007.
Nesse caso, segundo a denúncia, ele monitorou um fígado que estaria disponível em Minas Gerais, onde havia uma greve do setor de saúde. Ainda de acordo com a denúncia, o médico ligou para a central e informou que tinha interesse no órgão, confirmou que operaria um paciente no hospital universitário e que tinha transporte para levá-lo até o Rio.
No entanto, o paciente da unidade foi preterido e quem recebeu o fígado foi Alencar, numa cirurgia feita na Clínica São Vicente. "O terceiro paciente que consta da nossa denúncia só não recebeu o fígado porque a própria central de transplantes, que já estava desconfiada dos diagnósticos que ele fazia, decidiu não liberar o órgão e periciá-lo.
Ao contrário do que ele havia dito, que o órgão estava imprestável, o fígado estava em perfeito estado", disse o procurador. A investigação acusa o médico de induzir integrantes de sua equipe a "construir prova oral com uniformidade em prejuízo à realidade dos fatos" e de ameaçar um paciente de "faltar-lhe com a assistência médica devida, se lhe continuar cobrando atuação".
De acordo com o despacho do juiz Lafredo Lisboa, da 3ª Vara Federal Criminal do Rio, que decretou a prisão preventiva do médico, essas situações "por si só demonstram a insensibilidade do réu e, mais do que isso, o menosprezo pela saúde de seus pacientes e de todos os que estão na lista nacional de receptores de órgãos".
A prisão foi determinada pela "imperiosa necessidade de evitar que volte tantas vezes mencionado réu a influenciar na prova dos delitos que lhe são imputados e a decidir quem deve morrer e quem não deve na referida lista nacional". Em seu despacho, o juiz cita uma das interceptações telefônicas que constam da denúncia.
Nela, o hepatologista Henrique Sérgio Moraes Coelho, em conversa com uma amiga chamada Beth, em 31 de março de 2008, disse que o médico "tem uma personalidade psicopática e que (...) só está bem quando está (...) fazendo alguma coisa com alguém (...) ou passando um na frente do transplante(..); que (...) ele é perigoso, ele acha que é dono do órgão, não quer respeitar a fila, quer dar pra quem ele acha que merece mais (...)".
Segundo a denúncia, "vários pacientes foram operados em situações ilícitas" nas duas unidades. Além de Ribeiro Filho, também foram denunciados Eduardo de Souza Martins Fernandes, Giuliano Ancelmo Bento, João Ricardo Ribas e Samanta Teixeira Basto, todos médicos da equipe de transplantes e credenciados no Ministério da Saúde.
Em sua investigação, a PF indiciou outras quatro pessoas, entre elas Alencar. "Entendi por bem não denunciar nenhum paciente por uma questão jurídica, de que o direito não pode exigir outra conduta de uma pessoa que esteja à beira da morte. A conduta exigida é dos servidores", afirmou Miller.
Ribeiro Filho chefiou a equipe de transplante hepático do hospital universitário até 2007, quando foi afastado por suspeita de ter beneficiado Alencar. O médico é considerado referência em transplante de fígado e rim. É investigado desde 2003, quando coordenava o Rio Transplante.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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