Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - A saraivada de boatos, especulações e augúrios variados não atinge a natureza das coisas. Traduzindo: até agora, as previsões indicam a absolvição de Renan Calheiros no plenário do Senado, quarta-feira. Claro que tudo pode mudar, que um grupo de senadores será capaz de sensibilizar-se pelas pressões em favor da condenação do presidente da casa.
Até agora, porém, vale repetir, Renan Calheiros livra-se da perda de mandato por acusação de quebra do decoro parlamentar. Quanto ao resto, é inevitável: sua imagem assim como a imagem do Senado desgastaram-se e ficaram expostas ao sol e ao sereno. Custarão a recuperar-se, se a recuperação for possível.
Por conta disso circula a versão de que, uma vez vitorioso no plenário, Renan tomaria a iniciativa de renunciar à presidência do Senado. Preservaria o mandato e mergulharia numa razoável zona de sombra, quem sabe mais dedicado à política de Alagoas.
Quanto ao Senado, mesmo se sua presidência fosse dada a Jesus Cristo, ficaria difícil voltar ao que era. Tanto faz se um hipotético novo presidente chamar-se José Sarney, Gerson Camata, Jarbas Vasconcelos ou outros.
Porque, para a opinião pública, ficará impossível entender como Renan, condenado no Conselho de Ética, terá sido absolvido no plenário. De duas, uma: ou o Conselho exorbitou, e merece reprimenda, ou quem incorreu nesse erro foi o plenário, da mesma forma suscetível de pagar pelo erro. Conciliar as duas decisões antagônicas não dá.
A ferida aberta e sem prazo para cicatrizar deveu-se à arraigada concepção popular de ser o Congresso um poder inconfiável. Para muitos, até, um poder corrompido. Não faz pouco os petardos caíam em muito maior número no telhado da Câmara dos Deputados, mas agora atingem indistintamente as duas casas.
Tem saída, tem jeito, antes que os mesmos radicais de sempre ressuscitem a abominável tese de que o Legislativo é supérfluo e deve desaparecer? Essa é a tônica das ditaduras, infelizmente, aceita por boa parte da população. Basta lembrar que nas diversas vezes em que o Congresso foi fechado, desde 1823, por D. Pedro I, até os generais-presidentes, não se registrou qualquer movimento de massas em sua defesa. Em 1937 deputados chegaram a comparecer ao Palácio do Catete para agradecer a Getúlio Vargas pelo fechamento, certamente atrás de vagas nas estruturas do Estado Novo.
Os tempos remotos e os tempos recentes passaram, a democracia parece ter se consolidado de forma definitiva entre nós, mas a rejeição do Legislativo permanece como constante, no imaginário popular. E não adianta ninguém espantar-se e chamar de heresia essa constatação, que de forma alguma defendemos. Apenas, registramos.
Por isso, seria bom tomar cuidado. O Congresso tem prestado excepcionais serviços às instituições democráticas, ainda que, em contrapartida, muitas vezes haja conspurcado esses mesmos valores. Adianta muito pouco esperar um esforço de deputados e senadores visando a dar a volta por cima e popularizar-se através de ações voltadas para o bem-comum e o interesse público. A primeira pergunta se faria a respeito de que agência de publicidade teria recebido a conta de tão invulgar campanha, e para quem foi à comissão...
Também não dá para eximir o cidadão comum, afinal, aquele que personaliza esse festival de desencontros. Pois não é o cidadão comum, pelo voto, a levar quem quiser para a Câmara e para o Senado? Se votar mal, será responsável pelos desmandos dos mal votados, não podendo confundi-los com a instituição. Desafortunadamente, não é assim que as coisas funcionam.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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