Por: mailto:coluna@pedroporfirio.com
"A impunidade é segura, quando a cumplicidade é geral." (Marquês de Maricá - 1773/1848)
No varar da madrugada seca de terça-feira, dia 11 de setembro, cerca de 40 bandidos, segundo as primeiras estimativas, dinamitaram o muro de uma transportadora de valores na Água Branca, Zona Oeste de São Paulo, e, num assalto cinematográfico, levaram R$ 10 milhões. A ação na Rua Adriano José Marchini abalou o antigo bairro, berço da Companhia Antártica Paulista e de tantas outras indústrias nascidas no início do século passado. A notícia percorreu todas as ondas da informação, tal a audácia e o seu nível de planejamento e movimentos combinados.
Trinta e seis horas depois, 40 senadores da República, numa ação clandestina e blindada por lacres à prova de dinamites, perpetraram uma espécie de haraquiri institucional em plena Praça dos Três Poderes, quando o sol já ia se recolher. Eles também agiram de forma coordenada, desprezando princípios do direito e valores éticos e morais. Não tomaram conhecimento de um exaustivo relatório que mostrava a burla do decoro parlamentar de forma cristalina e incontestável.
Como se premidos por suas vidas pregressas, optaram pela consagração da delinqüência e da impunidade, chocando o País com uma decisão provocadora e traumática. No evento em que 81 homens públicos valeram-se de um sigilo que privatizou sua casa legislativa, o modus operandi teve os elementos químicos de uma implosão demolidora. Aos cidadãos responsáveis pelo içamento daqueles mandatários serão negadas para todo o sempre as informações a que teriam direito se o Senado da República não preferisse ser um valhacouto que oculta a sete chaves as palavras e atos de sua turma.
Um erro fatal
A partir de agora, será muito difícil desejar que goze do respeito da cidadania um senador que esconde seu voto num processo em que a cassação de um colega seria a mais branda das punições, tais os delitos públicos e notórios, objetos de acusações tão indefensáveis que, quando expostos aos nossos olhos, 11 dos 15 membros do chamado Conselho de Ética não pestanejaram, recomendando a punição política prevista.
A meu juízo, segundo os valores herdados do "seu" Doca e na analogia cabível, a sociedade foi igualmente ofendida pelos dois eventos dessas horas de perplexidade e indignação.
Bertolt Brecht perguntou um dia o que era assaltar um banco, em comparação com fundar um banco. Eu, que já vivi tantas e tão amargas decepções, pergunto qual a diferença entre explodir uma parede para pôr a mão no dinheiro alheio e esconder-se entre quatro paredes para tomar uma decisão, na qual se pretende tão-somente a absolvição pelo benefício do segredo e da dúvida. Ao poupar aquele que se disse possuidor de informações comprometedoras de seus comparsas, a dita Câmara Alta do Congresso passou recibo de uma peluda cauda presa, sugerindo sem maiores cuidados a existência de um corporativismo de cartas marcadas.
Ao juízo de qualquer um, o Senado da República errou na forma e no conteúdo. Por que o recurso da "caixa-preta" numa situação em que mais se exigia transparência? Se 40 senadores votaram convencidos da "inocência" do seu presidente, por que a necessidade fatal de esconder suas palavras e seus atos, numa verdadeira operação de guerra?
Será que esses senhores de certa idade não perceberam que a sessão blindada soou para todos os cidadãos, daqui e dalém mar, como um corpo de delito de uma decisão marota? Quem votou como? Como disse o quê?
Helio Fernandes, decano de todos os repórteres, revelou que os três senadores do Estado do Rio, um deles suplente do suplente, votaram pela absolvição do homem que mentiu para seus colegas, segundo conclusão do Conselho de Ética, numa insustentável afronta aos fatos por demais esmiuçados.
Aliado sob medida
Terão esses senhores explicações a dar aos que lhes confiaram o voto? (O suplente do suplente não tinha eleitores por uma dessas aberrações próprias do Senado e, portanto, como outros 14 colegas, não se sente obrigado a dar satisfação a ninguém.) Haverá entre os cidadãos deste País alguém que concorde com esses 40 senadores, protegidos pelo sigilo, mas que, mais dia, menos dia, serão devidamente identificados?
É certo que o senhor José Renan Vasconcelos Calheiros livrou-se apenas do primeiro de um seriado de processos, abertos a cada denúncia sobre suas travessuras. Outra vez o Conselho de Ética deverá opinar sobre o caso da cervejaria e dos negócios escusos na compra de uma rádio e de um jornal. É certo que, provavelmente, a opinião pública será mais rigorosa e mais vigilante. É certo também que, se levado a plenário, a nação será submetida à mesma mis-en-scène das portas trancadas e os votos obtidos sob os mais diversos efeitos, menos o da análise serena dos autos.
Está mais do que provado que tudo pode acontecer. Parece evidente que o senador acusado contou com a cumplicidade do já mal afamado Partido dos Trabalhadores e do próprio presidente Luiz Inácio, que prefere ter entre seus áulicos parlamentares desgastados e enfraquecidos, condições que os levam à mais deprimente subserviência aos desejos do Executivo. Está claro também, como dois e dois são quatro, que a conta dessa absolvição e do que mais pode vir de "negociado" pela frente será paga pelos cidadãos, convertidos na bucha de canhão de um simulacro de democracia.
Em compensação, o Senado ofegante vai perdendo o respeito e indo à lona por suas próprias pernas. A cada espetáculo como o dessa quarta-feira, parte dos seus alicerces vai desmoronando. E não demora muito, a sociedade crítica descobrirá que essa casa legislativa é uma redundância cara e dispensável. Com o sistema unicameral, não teremos mandatários eleitos por 8 anos com suplentes tão secretos como as votações dos desvios de conduta de seus senadores.
É bom que essa depuração se faça dentro do regime de direito. Antes que, por imprudências desafiadoras como o espetáculo do dia 13, seja implorado ao levante em nome da decência e dos bons costumes quem tem por missão a preservação da ordem constitucional.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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