Por Cristovam Buarque
O Congresso tem razões para estar envergonhado por causa dos baixos indicadores de sua credibilidade na opinião pública. Depois de décadas de prestígio no final dos anos 80 e começo dos 90, com a redemocratização, a resistência à ditadura, a luta pelas Diretas, a elaboração da Constituição, a aprovação do impeachment, o Congresso entrou em crise de credibilidade, desde o escândalo do Orçamento. Desde então, não houve, ainda, recuperação. Sucessivas crises morais têm afetado não apenas os diretamente envolvidos, mas o conjunto da instituição parlamentar, e, em conseqüência, a própria democracia. O mais grave, porém, é que a crise decorrente dos escândalos esconde causas mais profundas da crise de credibilidade. Os escândalos éticos não são a verdadeira causa da perda de credibilidade do Parlamento; eles refletem uma podridão na superfície, escondendo as ferrugens que existem no funcionamento de nossas instituições. Pelo menos três razões abalam a credibilidade de maneira ainda mais grave, embora imperceptíveis. São escândalos escondidos. A primeira é a falta de causas pelas quais lutar. Nos períodos de maior crédito do Parlamento, havia causas que empolgavam, e os discursos eram ouvidos com respeito. O público jogou flores nos senadores depois que votaram a Lei Áurea. Durante o regime militar, os parlamentares eram apontados nas ruas como guerreiros da democracia. No começo dos anos 60, houve muita discussão entre esquerda e direita sobre os rumos da sociedade brasileira, que atraiu a atenção do público, não só porque os oradores eram melhores, com melhor retórica, mas porque tinham causas que serviam de base à oratória. Hoje, aplausos são dados raramente e somente por grupos organizados, quando seus interesses corporativos são atendidos pelas votações. Por isso, os discursos ficaram irrelevantes. Raramente provocam contestação, e, em geral, sequer são ouvidos no Plenário. (Um artigo como este pode incomodar mais sendo publicado do que se for lido em Plenário e transmitido pela TV Senado.) A segunda e grave razão é o enfraquecimento do Parlamento no que deveria ser o equilíbrio dos três poderes. Nos últimos anos, o Congresso tem sido um poder imprensado entre medidas provisórias vindas do Executivo e liminares que chegam do Judiciário. No lugar de legislar, o legislador se surpreende, submisso, legislado por liminares ou medidas provisórias. Baixando a cabeça como o menino surpreendido em uma falta, ou ante a força dos adultos. A terceira é a falta de sintonia entre a agenda do Congresso e a pauta do povo. Os graves problemas da sociedade brasileira - desemprego, violência, saúde, desigualdade, pobreza, escolaridade - vão ficando escondidos, soterrados inclusive pelos escândalos éticos que chamam a atenção de todos, especialmente da mídia. Basta observar quantas vezes nós, parlamentares, falamos a palavra povo e quantas vezes seus problemas aparecem nos discursos e quantas vezes encaminhamos soluções. Basta ver o número de vezes que esses assuntos aparecem nos discursos na tribuna, e quantas vezes falamos deles nos palanques das campanhas. Se o Congresso quiser recuperar sua credibilidade, deve encarar com rigor o comportamento de seus membros, mas, sobretudo, rever a ação política de seus membros, casando a agenda parlamentar com a pauta do povo, acendendo a chama de grandes causas nacionais e recuperando seu papel de legislador que luta pela igualdade de poder com o Executivo e o Judiciário. Precisa enfrentar com transparência os seus escândalos visíveis, e acordar para os escândalos escondidos. Essa é a parte mais difícil, porque, no mundo de hoje, não vamos encontrar causas prontas, e os partidos que julgavam ter o monopólio das causas, na esquerda, se acomodaram diante do mundo, não percebem os escândalos escondidos e, ainda pior, fecham os olhos até mesmo para os visíveis.
Fonte: Email:: cristovambuarque@senado.gov.br URL:: http://www.cristovam.com.br/
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