por João Luiz Mauad em 08 de junho de 2007 Resumo: No Brasil, políticos e servidores públicos, por mais fortes que sejam as acusações e as evidências contra eles, sequer se dignam a afastar-se dos cargos durante as investigações e processos, enquanto seus superiores, correligionários e, em vários casos, até mesmo os seus opositores, agem como se nada houvesse. © 2007 MidiaSemMascara.org
As virtudes morais são produto do hábito.
(Aristóteles)
Corrupção na administração pública há em toda parte, mesmo em países desenvolvidos, com leis estáveis e instituições fortes. O que difere é a intensidade, que varia em função do nível de intervencionismo do Estado na vida social e, principalmente, da reação da sociedade diante do problema. Enquanto nações que dispõem de controles institucionais rígidos, leis transparentes e, acima de tudo, têm a verdade como um valor supremo tendem a cobrar dos seus representantes atitudes enérgicas contra a bandalheira e não se deixam engabelar com facilidade, outras, como a nossa, demonstram excessiva leniência diante da questão, permitindo que a corrupção consuma a incrível porção de 12% do PIB.
O nível de tolerância das sociedades em relação ao problema da corrupção pode ser medido não apenas pelos índices de impunidade, que em países como o nosso chegam perto da totalidade, mas também pelas reações dos criminosos quando “fisgados” pela lei. Recentemente, dois cidadãos japoneses cometeram suicídio, antes mesmo de serem julgados, porque julgaram que não poderiam conviver com tamanha desonra. Há alguns anos, um funcionário público norte-americano deu um tiro na própria boca, em frente às câmeras de TV, porque, flagrado num caso de corrupção, simplesmente “não suportava mais olhar nos olhos dos filhos”. Exemplos semelhantes, mesmo que não tão trágicos, abundam.
Já em Pindorama, pelo menos desde o suicídio de Getúlio Vargas, a coisa funciona de forma diferente. Políticos e servidores públicos, por mais fortes que sejam as acusações e as evidências contra eles, sequer se dignam a afastar-se dos cargos durante as investigações e processos, enquanto seus superiores, correligionários e, em vários casos, até mesmo os seus opositores, numa clara demonstração de corporativismo, agem como se nada houvesse. Honra, probidade, dignidade e vergonha na cara são valores há muito aposentados pelo relativismo moral que impera por aqui.
Ninguém assume coisa alguma. Ninguém jamais confessa nada. Sempre há uma boa desculpa, uma estória mirabolante a justificar qualquer coisa, por mais estranha e inverossímil que possa parecer. Inventam-se álibis, desculpas esfarrapadas e enredos os mais diversos para escapar da justiça. E o pior de tudo é que, na maioria das vezes, tais estratégias dão certo.
Ao contrário das nações que desenvolveram sociedades avançadas, fundadas em padrões morais onde prevalece a verdade, nossas instituições (formais e informais) foram estabelecidas sobre uma cultura da mentira. Aqui, todo mundo está mentindo até prova em contrário. As leis são estabelecidas na presunção de que somos todos mentirosos e apenas eventualmente dizemos a verdade. Alguns exemplos de procedimentos burocráticos, ou mesmo processuais, que só existem no Brasil e em alguns outros poucos lugares, dão bem a noção da coisa.
Certa vez tentei explicar a um inglês o que vem a ser uma cópia autenticada em cartório e o porquê da sua exigência ser tão disseminada por essas plagas. Parecia uma conversa de surdos. Meu interlocutor não entendia que as pessoas pudessem desconfiar da autenticidade de um documento antes mesmo que este lhes fosse apresentado. Sequer lhe passava pela cabeça que a palavra do portador ou responsável não bastasse. É claro que nem tentei explicar o nosso famigerado “reconhecimento de firma”, que recentemente evoluiu para “reconhecimento de firma por autenticidade”.
Ora, a mim pelo menos parece evidente que, se a verdade deve ser sempre provada e comprovada, ela passa a ser vista como exceção, não como regra. A mentira, por outro lado, é aceita como um hábito, uma tradição impregnada na cultura. Esse costume é tão disseminado que foi absorvido pela própria lei nos processos judiciários. Diferentemente do que ocorre em muitos países, onde o crime de perjúrio é gravíssimo e, quase sempre, funciona de forma a aumentar a penalidade do réu, por aqui a mentira dita em juízo não costuma trazer conseqüências. Muito pelo contrário, sua utilização é, em muitos casos, tida como perfeitamente legítima.
Diga-me com sinceridade, estimado leitor, há algo mais patético do que aqueles inquéritos parlamentares, transmitidos ao vivo pela TV, em que testemunhas e réus respondem às perguntas protegidos por uma liminar da justiça concedendo-lhes o “direito” de omitir a verdade? Quem não se lembra, por exemplo, do jeito cínico, beirando o escárnio, de diversos depoentes perante as inúmeras CPI's do Congresso, todos devidamente autorizados a mentir?
Aristóteles já dizia que as virtudes morais não são produzidas no ser humano pela natureza, mas são produto do hábito. O comportamento humano, por seu turno, é bastante influenciado por estímulos exteriores. Desde cedo, o homem aprende reagindo a incentivos produzidos pelos ambientes natural e social. Se o meio é propício à mentira, se o engodo é incentivado pela própria cadeia institucional, se não criamos as condições necessárias para que a verdade seja a regra e não a exceção, nada adianta chorar sobre o leite derramado.
Fonte: Mídia Sem Máscara
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