Por: Tássia Novaes
À primeira vista, as instalações do hospital Manoel Vitorino, referência no tratamento de hepatite C na Bahia, causam desconforto aos olhos de quem está acostumado com as salas climatizadas e bem decoradas dos consultórios da medicina particular. Unidade da rede estadual de saúde, o hospital carrega a estética da deterioração fixada em nossas mentes graças à falta de infra-estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS). Mas é no setor Farmácia de Alto Custo, uma sala estreita, onde prontuários e remédios dividem a mesma prateleira, que está guardado o antídoto para a hepatite C, doença que atinge, sem distinção de classe social ou etnia, cerca de dois milhões de pessoas no Brasil, número cinco vezes superior à quantidade de portadores do vírus HIV, segundo dados são da Organização Mundial de Saúde (OMS). O acesso aos remédios é gratuito e independe de a pessoa ter ou não plano de saúde. “Tem que fazer o cadastro aqui no hospital e entrar na fila para receber a medicação”, explica Rosemeire Fernandes, coordenadora da Farmácia de Alto Custo desde a fundação em 2002. Atualmente, 128 pessoas estão em fase de tratamento no Manoel Vitorino e a procura por remédios não pára. “Só em abril, recebemos 14 casos novos”, ressalta. A partir do cadastro, a pessoa aguarda de 30 a 90 dias até ser chamada para iniciar o tratamento, informa o serviço social do hospital. Mas até pouco tempo, “entrar na fila” significava esperar por um ano, período considerado longo e angustiante para quem anseia a cura de um mal que, sem tratamento, pode levar à morte. De dezembro de 2005 até janeiro de 2007, centenas de pessoas ficaram sem remédio devido à burocracia envolvendo falta de acordo entre laboratórios fabricantes de interferon e ribavirina - drogas farmacêuticas utilizadas no tratamento da hepatite C – e o Ministério da Saúde, ocasionando uma demora no repasse da verba federal para a secretaria de saúde do estado. “A gente suspeita que isso tenha acontecido por causa da troca de governo. Contamos mais de 200 pessoas na fila de espera, muitas em estado avançado da doença, precisando do remédio para não morrer. As pessoas foram prejudicadas por uma questão política”, diz Rômulo Corrêa, presidente da ONG Vontade de Viver, pioneira no apoio aos portadores de hepatite C na Bahia, referindo-se à transição do Governo de Paulo Souto (DEM) para Jaques Wagner (PT). Questionada sobre a falta de medicamentos, a coordenadora da Farmácia de Alto Custo, Rosemeire Fernandes, explicou que os pacientes em tratamento continuaram a receber os remédios no período de dezembro de 2005 a janeiro de 2007. “Acontece que não foi possível incluir novos pacientes, pessoas que tinham se cadastrado depois do impasse. Para esses não tinha remédio, por isso tiveram que esperar tanto tempo, mas agora a situação está regularizada. Não vai faltar remédio”, garante. Pela primeira vez no Manoel Vitorino, a publicitária Daniela Schriefer, 38, optou fazer o tratamento pelo SUS depois que o plano de saúde, Bradesco Saúde, não reconheceu o interferon como medicamento. “Pedi os remédios ao plano, gostaria de fazer o tratamento em uma clínica de oncologia, mas o plano não cobre e não tenho como comprar os remédios porque são muito caros”, conta. Na ONG Vontade de Viver há registro de outros casos de pacientes que tentaram fazer o tratamento pelo plano de saúde, mas não conseguiram pelo mesmo motivo. E mesmo que o plano cobrisse o tratamento, Schriefer teria que buscar todo mês no Manoel Vitorino as caixas de ribavirina para atrelar às dosagens de interferon. “O tratamento só é eficaz com os dois remédios e a ribavirina só é distribuída aqui no hospital”, diz Fernandes. Alto custo - Uma injeção de interferon custa R$ 1,5 mil. Cerca de 70% dos portadores de hepatite C possuem o genótipo 1 da doença, situação que requer 48 aplicações do remédio durante um período de 11 meses. Considerada como droga de última geração, o uso de interferon deve ser combinado a ribavirina. Cada caixa de ribavirina custa R$ 500. Há pacientes que necessitam de duas caixas do remédio por mês. Somando os gastos por baixo – a dosagem depende de vários fatores como tipo do genótipo viral, estágio da doença e peso do paciente – o tratamento durante 11 meses não sai por menos de R$ 83 mil. O diretor do hospital, doutor Paulo Bicalho, lembra ainda que por ser uma medicação de alto custo, o protocolo federal exige que o medicamento seja dispensado e aplicado em ambiente laboratorial. Para ele, algumas pessoas temem a qualidade do tratamento só porque é público. “É uma forma de preconceito, porque, na verdade, não há outro tratamento a não ser esse e é muito eficaz”, diz. A professora Maria de Fátima Leite acompanha o tratamento do marido, portador da hepatite C, há três anos no SUS. “Sempre pego os remédios aqui no hospital [Manoel Vitorino] e nunca tive problema. Aliás, não teríamos condição alguma de comprar o remédio se o governo não distribuísse gratuitamente”, conta. Desde 2003, cerca de 400 portadores da hepatite C já foram tratados no hospital Manoel Vitório. Pacientes do interior do estado também são tratados na Farmácia de Alto Custo do Hospital. Só em Salvador, estima-se cerca de 45 mil pessoas infectadas com o vírus da hepatite C. Na Bahia, são 200 mil, segundo informações da Organização Não-Governamental Vontade de Viver.
Fonte: A TARDE Online
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