Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Da lambança olímpica do dossiê que não é dossiê, mas banco de dados, fluiu a conseqüência natural, na pesquisa ontem revelada pelo Datafolha: Dilma Rousseff não passa dos 4% de preferências populares, na melhor das simulações. No PT, a melhor performance vai para Marta Suplicy. Ela chega aos 8%, ainda que numa simulação impossível, sem a presença de José Serra, favoritíssimo. Fica claro faltar candidato aos companheiros, porque as pesquisas, assim como as apurações eleitorais, quando começam a falar não param mais.
Pela milésima vez, vale a repetição: se o PT pretende permanecer no poder depois de 2010, precisará assumir a iniciativa de um golpe de estado e promover a hipótese do terceiro mandato para o presidente Lula, que ao contrário de seu próprio partido, é o campeão das preferências. Com ou sem plebiscito, a saída está numa emenda constitucional permitindo mais uma reeleição. Por ironia, essa violência agradaria à chamada base política do governo, já que com o PMDB à frente, os demais partidos que apóiam o palácio do Planalto dar-se-iam por satisfeitos caso ficasse tudo igual: eles com suas benesses, seus mensalões e suas nomeações, ele com mais um período de governo.
Alertar, estamos alertando há mais de um ano, por conta das sucessivas metamorfoses verificadas entre os companheiros. De um partido que já foi a esperança nacional, a morada da ética e a certeza de reformas sociais amplas, o PT passou a mais um conglomerado de aproveitadores, fora, é claro, as exceções de sempre. A população percebeu, e continua percebendo a cada nova consulta eleitoral acontecida. Quanto à dona Dilma, segue o destino que lhe é imposto, de ser fritada como foram José Dirceu, Antônio Palocci e Aloísio Mercadante.
Breve estará fora do baralho, podendo surgir outros curingas igualmente condenados a mera figuração. Sem Lula, Brasília se transformará num outro imenso ninho de tucanos, com os bicos afiados para privatizar a Petrobras, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica, derradeiro patrimônio público que sobrou. Sem falar na alienação completa da Amazônia, do Pantanal e da plataforma continental.
Abominável opção, essa com que a vida nos surpreende: ou um golpe de estado à maneira das ditaduras mais abomináveis ou a sagração do Brasil como o maior paraíso da especulação financeira internacional. Dizem que é nisso que o presidente Lula anda pensando.
Festival de mentiras
Primeiro, não havia dossiê. Depois, foi batizado de banco de dados. Agora, voltou a ser reconhecido como dossiê, mas preparado por um funcionário-traidor dos ideais do PT. Antes, a Casa Civil nada tinha a ver com os cartões corporativos. Ontem, já admitiram haver sido preparada por sua secretária-executiva uma descompromissada relação de gastos do governo Fernando Henrique. Era, até pouco, para atender pedido do Tribunal de Contas da União.
Não é mais, depois que o TCU desmentiu. Passou a ser uma estratégia preventiva, para o caso de o pedido chegar. Dilma Rousseff não ia depor na CPI, por ter mais o que fazer. Poderá comparecer, argumenta-se agora. As chances dela deixar a Casa Civil são zero, afirma o presidente Lula, da mesma forma como pronunciou-se a respeito de José Dirceu.
Quem quiser que conclua, mas esse festival de mentiras ameaça suplantar os dias mais trágicos do mensalão. Na realidade, nada disso precisaria estar acontecendo caso o governo abrisse as contas do presidente Lula e de seus familiares com os cartões corporativos. O diabo é que se isso acontecesse, poderia ficar pior.
Como votar e não ser votado?
Vamos abrir espaço para um dos brasileiros mais respeitados e respeitáveis, o padre José Carlos Aleixo, por sinal filho de outro ícone da democracia nacional, o vice-presidente da República, Pedro Aleixo.
Doutor em Ciência Política, membro da Academia Braziliense de Letras, jesuíta de quatro costados, o padre Aleixo acaba de escrever invulgar texto, apontando uma nódoa a mais na Constituição vigente. Trata-se da discriminação feita aos analfabetos, que depois de séculos de luta, acabaram conquistando o direito de votar.
O diabo, com todo respeito ao religioso, é que os analfabetos continuam proibidos de ser eleitos. Votam mas não podem ser votados, tendo em vista o parágrafo 4 do artigo 14, que determina serem inelegíveis. São vexatória e iniquamente esbulhados da prerrogativa comum à cidadania, de arrostar a incerteza das urnas. Se porventura movidos pelo desejo de melhor servir às respectivas comunidades, estão impedidos de postular cargos públicos eletivos.
Para o padre Aleixo, nossas dívidas históricas para com os analfabetos ainda não foram saldadas. Eles continuam inelegíveis, não importando que demonstrem, em suas vidas, patriotismo, espírito público, seriedade, honestidade, capacidade administrativa, confiabilidade e sabedoria.
Seus adversários, talvez carentes desses atributos e temerosos de uma derrota, podem impugná-los. E na falta de uma definição legal para o termo "analfabeto", probos magistrados aplicam, ou imaginam poder aplicar em suas jurisdições, a seu talante, testes de crescente complexidade.
Os analfabetos, continua o texto, sofrem dupla e perversa punição. Por injunções e incúrias, alheias, não tiveram condição de aprender a ler e escrever e, em conseqüência disso, são privados do elementar direito de ser sufragados. Acontece que com as duras lições da escola da vida, podem valorizar muito melhor do que outros, bafejados pela fortuna, a importância dos educandários e saberão lutar para que outros tenham acesso a eles.
Estímulos e aplausos calorosos aos que promovem ou cursam em todos os níveis escolas modelares não significam endosso à falácia ou ilusão de que à maior instrução corresponde, necessária e proporcionalmente, maior virtude e sabedoria.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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