Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - É tema para meditações atuais, assim como para mil pesquisas futuras, pesquisar por que o Exército decidiu romper a linha da legalidade institucional, derrubar a Monarquia e proclamar a República. O governo do imperador mexeu com suas estruturas. O resto é detalhe, como confirmar se, na tarde de 15 de novembro, Deodoro da Fonseca quis ou não voltar atrás na proclamação do novo regime, realizada de madrugada, quando o sol começava a nascer. De qualquer forma, ao acabar com o império, Deodoro cedeu ao império das circunstâncias, mas o Exército sabia muito bem que lutava pela própria sobrevivência.
Deodoro assinou todos os decretos que Rui Barbosa preparara, mas indignou-se quando o major Sólon Ribeiro sugeriu o fuzilamento de toda a família real. O imperador era seu amigo. Assim, mandou preparar outro decreto, dando a D. Pedro II uma dotação orçamentária capaz de prover-lhe o sustento na Europa, para onde seria exilado.
O decreto não demorou a chegar à Quinta da Boa Vista, recebido pela princesa Isabel, que a pedido do pai recusou. A família real tinha 48 horas para deixar o Brasil e o faria apenas com seus pertences, jóias e prataria. E um saquinho de terra brasileira tirada do jardim, que o imperador destinou à almofada de seu sarcófago, quando morresse.
A reunião na pequena casa de Deodoro prosseguia, ele começaria a governar como presidente provisório da República, mas convocaria no ano seguinte eleições para uma Assembléia Nacional Constituinte, onde todos poderiam votar, menos os mendigos e as mulheres.
Foi quando um cricri voltou à questão da família real. Havia, no porto do Rio, um pequeno navio em condições de levar D. Pedro II até um vapor maior estacionado nas costas da Ilha Grande, e que logo seguiria para a Europa. Estava tudo acertado quando veio a pergunta: "E sob que bandeira o imperador viajará? Não pode ser a bandeira do Império, seria uma desmoralização para nós!"
Nessa hora ficou clara a precipitação da implantação da República entre nós. A República não tinha bandeira! Mandou chamar uma costureira, vizinha de Deodoro, dando-lhe instruções para preparar nossa primeira bandeira republicana. Parece que a sugestão veio de Rui Barbosa, e assim foi feito.
Ainda desfila nas paradas de sete de setembro essa bandeira que durou apenas alguns dias, sendo felizmente substituída pela antiga bandeira do Império, mas sem o brasão imperial no centro, posto em seu lugar o lema positivista de "Ordem e Progresso", em meio às constelações do Hemisfério Sul. Mas o imperador viajou para a Europa debaixo de um pavilhão igualzinho ao dos Estados Unidos, com stars and stripes, só que, em vez de listras brancas e vermelhas, apresentava listras verdes e amarelas... Qualquer semelhança terá sido apenas mera coincidência?
Relembramos, nos últimos três dias, este ou aquele detalhe da proclamação da República, tanto tempo antes do 15 de novembro, mas numa espécie de alerta para que se tenha a certeza de que nada acontece por precipitação ou desígnios do destino, mas, quase sempre, por falta de opções.
Para ficarmos nos tempos recentes, do golpe de 1964 à eleição do Lula, tudo aconteceu como farsa. O movimento militar foi preparado para evitar que o presidente João Goulart desse o golpe e proclamasse a República Sindicalista do Brasil. Pelo menos essa foi a desculpa. Se os generais Olimpio Mourão Filho e Carlos Luís Guedes não tivessem consultado o horóscopo e verificado que faltava apenas um dia para a lua nova, quando nenhuma empreitada deve ser iniciada pelos crentes em astrologia, a chamada revolução não eclodiria a 31 de março, mas seria igualmente inexorável. Ficaria para alguns dias depois, ignorando-se até hoje se o governo Jango teria condições de articular-se e resistir.
Da mesma forma a ascensão do presidente Lula ao poder. Ao contrário do que se propaga, ele não foi eleito por suas promessas de mudar tudo, a começar pela política econômica. Porque as elites já sabiam que não cumpriria as promessas. O povo foi mais uma vez enganado. Terá ficado bestificado, depois, ao perceber que o governo do PT repetiu e ainda repete em gênero, número e grau os postulados neoliberais do antecessor, Fernando Henrique Cardoso.
Sem o apoio dos banqueiros e especuladores, que já sabiam o rumo a ser adotado pelo Lula, sua escolha não teria acontecido. Caso o eleitorado desconfiasse de que eram todas as promessas vãs e falsas, a História seria outra, tanto faz se em favor de José Serra, Ciro Gomes ou Anthony Garotinho?
As elites sabiam. Se não tivessem certeza de que o futuro presidente continuaria o modelo então vigente, bastaria que carregassem seus milhões e bilhões em outro candidato. Deodoro proclamou a República gritando "Viva o imperador!", Lula virou presidente prometendo mudar tudo, e o Exército, até quando permanecerá à margem da soberania nacional?
Fonte: Tribuna da Imprensa
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