Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Eis uma defesa que ficaria bem para José Dirceu e a maioria dos 40 mensaleiros já prestando depoimento, e que serão julgados este ano pelo Supremo Tribunal Federal:
"Tenho tido muitos acusadores, há longos anos que me atacam. A esses receios mais do que outros de agora. Pois começaram a caluniar-me quando ainda éreis crianças e implantaram em vossos espíritos suas invenções, falando de minha pessoa como um sábio que tinha a habilidade de provar a justiça nas causas injustas.
Eis os acusadores que temos: foram eles que insinuaram rumores e os que lhes dão ouvidos estão sempre prontos a imaginar que os estudiosos deste tipo não acreditam nos ideais. Muitos são eles, e suas denúncias contra mim vêm de longa data. Lançaram-nas no período mais impressionável de vossas vidas, talvez na mocidade, e a causa correu à revelia, pois não havia ninguém para responder. E o mais duro é que ignoro o nome de tais indivíduos, à exceção de um único - um certo poeta cômico. Aqui tendes a origem da acusação. (...)
"Estranha seria a minha conduta, ó homens, se eu que permaneci enfrentando a morte no posto que me deram, hoje, convicto de que Deus me impõe a missão e me ordena que investigue meu próprio íntimo e o dos outros homens, desertasse, premido pelo medo. Se me dissésseis: por esta vez dar-te-emos a liberdade, mas sob uma condição, a de abandonardes o teu sistema, eu responderia: homens, eu vos honro e vos amo, mas prefiro obedecer as ordens do ideal, e enquanto me restar vida e força, jamais deixarei de seguir e pregar, exortando ao meu modo todo aquele que cruzar o meu caminho. Ó, meu amigo, como é possível que sendo como és, cidadão, tanto te preocupes em acumular a maior soma de dinheiro, de honra e de reputação, e te mostres indiferente diante da sabedoria e da verdade?
E agora, ó homens, digo-vos que deveis fazer o que pedem: condenai-me ou absolvei-me, mas qualquer que seja a vossa sentença, lembrai-vos de que nada alterará minha conduta, nem mesmo que eu tenha que ser condenado muitas vezes. (...)
"Convém saberdes que se condenardes um homem como eu, prejudicareis mais a vós mesmo do que a mim. Pois não encontrareis com facilidade quem me substitua, sendo eu como sou (...). O Estado se assemelha a um grande e nobre corcel e necessita de ferrotoadas que o espetem. E como estou certo de que não tereis facilidade em encontrar quem me substitua, aconselho-vos a poupar-me..."
Estas foram as derradeiras palavras de Sócrates, em sua defesa. Ironicamente, sua condenação veio do Partido da Democracia, ele que era do Partido da Oligarquia. Um de seus discípulos tentou consolá-lo, dizendo que estava condenado imerecidamente. Ele respondeu: "Querias então que eu merecesse a condenação?"
Tantos séculos depois, seria bom que os mensaleiros e seus advogados lessem o pronunciamento de Sócrates, quando nada pelo consolo de imaginar-se em situação análoga. Quem na verdade deverá sentenciá-los não são os oposicionistas de hoje, tucanos ou democratas, mas, em maioria, os ministros do Supremo nomeados pelo presidente Lula.
Sabendo que Sócrates seria condenado, seus amigos encontraram uma saída para ele: fugir de Atenas. Exilar-se bem longe. Mais tarde, voltaria. Os quarenta mensaleiros não podem mais. Foram considerados réus...
A causa verdadeira
Já que mergulhamos na Grécia Antiga, vale estabelecer outro paralelo. Foi após a condenação de Sócrates que a Hélade começou a decair. Muitos historiadores atribuem a queda à Guerra do Peloponeso, responsável pela destruição da terra, da economia, das artes e dos homens. Outros supõem a decadência dos costumes. Estes falam do imperialismo de Atenas, que só cultuava a democracia dentro de suas muralhas. Aqueles lembram o elitismo militarista de Esparta.
Tanto faz, mas nos surpreenderemos na comparação entre o PT e a Grécia Antiga. Porque o Partido dos Trabalhadores iluminou a política como os gregos fizeram com a filosofia e as artes. Consistiram, ambos, na nova realidade a despertar grandes esperanças. A Grécia enfrentou os persas e venceu, assim como o PT desafiou e bateu as elites. Em nenhum dos casos faltaram sacrifício, suor e sangue. O PT teve suas glórias em sucessivas eleições, como os gregos em Maratona e Salamina. Viveu, o partido, sua época de ouro com a ascensão do nosso Péricles torneiro-mecânico, mas, aqui como lá, tudo desandou.
O PT esqueceu seus ideais, como Atenas limitou-os às suas muralhas, praticando para fora o mais abominável dos imperialismos. O mesmo germe que agora inocula o PT como a peste que assolou a então capital do mundo. Acostumaram-se, atenienses e petistas, ao luxo desmedido que o poder concede. Mais ainda, ficou fácil enriquecer, impor, mandar e ser obedecido. Péricles e Sócrates nada puderam fazer. Nem poderá Lula, diante da evidência de que o PT carece de candidatos eleitoralmente fortes para vencer as eleições de 2010. É bom lembrar que Péricles não foi ditador, eleito sucessivamente pelos cidadãos de Atenas.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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