Por: Fernando Sampaio
Decepcionado com o governo, deputado Chico Alencar diz que não se pode esperar nada de seu antigo partido
O PT "transitou de um partido da contestação e da mudança para um partido da ordem, ou de um partidinho insolente, para um partidão indolente". A opinião é do ex-petista e atual PSoL-RJ, deputado Chico Alencar, que não tem dúvida nenhuma de que o escândalo do mensalão devastou o núcleo do governo Lula.
"Tanto é assim que o José Dirceu continua sendo o grande articulador político, com plenos poderes. Parece o secretário-geral do PT, articulando, compondo. E isso reforça o que nós, que saímos do PT depois das eleições internas, em setembro do ano passado, sempre dissemos: o Campo Majoritário pode até mudar de nome, mas continua majoritário no seu controle político dentro do partido e na sua forma de atuar".
Como situar o PT e o governo nessa crise política? Chico tem a resposta na ponta da língua: "Não cumpriu o seu papel histórico, não esteve à altura das expectativas que gerou, representou uma imensa frustação e contribuiu de maneira trágica para o crescimento do PID: Produto Interno do Desencanto".
TRIBUNA DA IMPRENSA - Como o senhor vê o comportamento da oposição na atual crise política?
CHICO ALENCAR - Não há oposição. É mais correto falar em oposições. De um lado, a oposição conservadora, tradicional, regressista, que ao lado da crítica geral ao governo Lula, por aspectos que realmente merecem críticas, que são os desvios éticos, a partidarização efetiva de alguns orgãos públicos, e sobretudo as alianças fisiológicas e o toma-lá-dá-cá, quer a volta do privatismo máximo, a implementação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas). Enfim, recuperar plenamente a década passada do neoliberalismo. Essa é a oposição de direita conservadora, que quer apenas o regresso aos tempos de FHC.
Por outro lado, há uma oposição que considero mais conseqüente, que cobra promessas de campanha não realizadas, a retomada do desenvolvimento econômico com real distribuição de renda, riquezas, e não apenas com programas assistencialistas. Que cobra avanços na soberania nacional, restrições reais aos ganhos do capital financeiro. Essa é a oposição progressista de esquerda, onde estão o PSol, o PDT, o PV, muitas vezes, o PC do B. Essa oposição realmente faz uma crítica que, creio, é mais substantiva, para além dessa crítica geral dos aspectos de corrupção, de imoralidade pública.
Coloco essa oposição conservadora como muito cínica, muito hipócrita, porque eles não têm moral para falar de valerioduto, já que estão não só na origem do próprio valerioduto, como também têm vínculos com muitos outros escândalos da nossa história.
O senhor acredita que o escândalo do mensalão devastou o núcleo do governo Lula?
Sem dúvida. Todas essas figuras que eram, dentro do PT, as dominantes, tiveram que ser trocadas. Agora, a visão de partido, de alianças, de procedimentos dessa máquina pública, continua a mesma, predominante. Tanto é assim que o José Dirceu continua sendo o grande articulador político, com plenos poderes. Parece o secretário-geral do partido. Ele age como se fosse o secretário-geral do PT, articulando, compondo. E isso reforça o que nós que saímos do PT depois das eleições internas, em setembro passado, sempre dizemos: o Campo Majoriotário pode até mudar de nome, mas continua majoritário no seu controle político dentro do partido e na forma de atuar.
O PT disse que foi seduzido pelo esquema ilegal do publicitário Marcos Valério. No poder, todos são fracos, deputado?
Chamar de sedução um comprometimento e uma adesão é perfumar o que está podre. Na verdade não foi uma sedução: foi uma aliança espúria, uma servidão voluntária, um esquema de poder. Foi uma picada de mosca azul, para o qual todos estavam muito alertados. É bom lembrar que, desde que foi eleito e nos primeiros meses após a posse, o presidente Lula vivia repetindo: "Não podemos errar, não temos o direito de errar, porque a esquerda só vai ter uma oportunidade dessas daqui a meio século ou pelo menos a 50 anos. Então, não podemos falhar". E falhou justamente onde não podia falhar.
Em primeiro lugar, no continuísmo da política macroeconômica, porque, na essência, nada mudou. Em segundo lugar, no rigor com a moralidade pública, onde também nada mudou. Continuou fazendo tráfico de influência, misturando interesse público com privado. E isso leva a uma enorme decepção, porque a grande expectativa era exatamente o sentido da mudança.
Como classificar a debandada do Conselho de Ética? E as absolvições de parlamentares pelo plenário da Câmara? É o ocaso da moralidade?
A saída de vários de nós do Conselho foi pela compreensão da exaustão, do esgotamento do papel do Conselho, nessa legislatura. Um Conselho de Ética que tem a maioria absoluta das suas propostas, das suas resoluções, discutidas e votadas abertamente, rejeitadas pelo plenário da Casa, com o biombo, com o escudo do voto secreto, é um Conselho que ficou deslegitimado. Ficou desautorizado pelo plenário. Então, ou se estabelece o voto aberto no plenário ou se assume que o Conselho de Ética e Decoro virou apenas um Conselho de Estética, para dar aparência de democracia e de decoração. Foi um gesto político esse nosso de sair. De denúncia de que essa situação não pode continuar.
Agora faltam três casos: (...) o do deputado Josias Gomes (PT-BA), o doVadão Gomes (PP-SP) e o José Janene (PP-PR). Acho improvável que sejam cassados pelo plenário. Talvez apenas um deles o seja para satisfazer um pouquinho a opinião pública.
É preciso reformular inteiramente as atribuições do Conselho, que precisa ter poder de convocar testemunhas e não apenas convidar; poder para pedir diligências à Polícia Federal, ao Tribunal de Contas da União, coisa que não pode fazer hoje em dia. Precisa ter poder de quebrar sigilos bancários, fiscais e telefônicos, coisa que só as CPIs podem fazer. Então, o Conselho precisa ser reformulado, porque senão vai ser decorativo.
Por outro lado, o plenário precisa mostrar a sua cara. Isso de deputado ou senador votar secreto é uma aberração. Por isso é que há uma campanha nacional pelo fim do voto secreto no Parlamento que diz que "o representado tem o direito de saber como vota o seu representante".
O ex-deputado Roberto Jefferson disse que não mais do que três parlamentares seriam cassados. Está acertando em cheio, não?
Ele é o profeta do nosso desalento, né? Pode ser que erre. Eu tenho a impressão que agora, por exemplo, esse Josias Gomes, que vai ser julgado pelo plenário, que o Conselho, quando ainda estávamos lá, pediu a cassação, talvez seja cassado por não ter muita influência dentro do plenário. Não é um deputado muito conhecido, é muito tímido e não mandou a mulher ou um proposto pegar o dinheiro. Ele próprio foi e deu até a sua carteira de identidade para sacar no Banco Rural. Pode ser que, por esses fatores, seja cassado. O que de maneira nenhuma tira o gosto de pizza que está na boca da população, porque já se consolidou. Nove absolvidos é uma marca insuperável.
Como situar o PT e o governo Lula nessa crise?
Eu diria simplesmente que não cumpriu o seu papel histórico, não esteve à altura das expectativas que gerou, representou uma imensa frustação e contribuiu de maneira trágica para o crescimento do PID, ou seja, "Produto Interno do Desencanto". E desmoralizou a esquerda. Quer dizer: o PT em três anos conseguiu o que a ditadura militar não fez em 30 - desmoralizar a esquerda.
O Congresso vive um momento de "frouxidão moral", como disse o deputado Cezar Schirmer (PMDB-SP), que era do Conselho como o senhor?
Tem toda a razão. Parece que o crime compensa. Aquilo que todo deputado com pedido de cassação diz na tribuna, ao se defender, que a opinião pública não existe, é só a opinião publicada, que tudo é um grande complô da mídia, que o mensalão é uma fantasia. Parece que uma grande maioria lá na Câmara acredita nisso. Mas a nossa única esperança é que em 1º de outubro venha uma resposta contundente, arrazadora das urnas. Tanto há uma frouxidão moral que Malufs, Severinos, Bispos Rodrigues estão aí candidatíssimos e certos que serão eleitos.
Qual a avaliação que o senhor faz do trabalho das CPIs?
A meu juizo é sempre importante. Isso de se dizer que CPI é instrumento de oposição, é frase e afirmação de quem não quer apurar nada, que está com medo da investigação. Entendo que a CPI, claro, sempre tem um lado de exploração política, partidária. Isso é quase que natural. Mas como é sempre composta pelo leque diferenciado das forças políticas, pode e deve investigar. Elas fazem sempre, mesmo que às vezes percam o foco - como essa CPI dos Bingos que atira para tudo quanto é lado -, um trabalho de investigação importante. Quem busca habeas-corpus preventivo para não ter que responder, quem tem medo de quebrar sigilo bancário, fiscal e telefônico, é porque está devendo alguma coisa. Então, entendo que as CPIs sempre cumprem um papel importante.
O senhor acha que esse episódio dos escândalos ficará como um divisor de águas na história do PT?
Sem dúvida já ficou. Foi o maior abalo ético, político que o PT sofreu ao longo dos seus 26 anos de existência. Fica com uma marca indelével. Ele vai reduzir a sua bancada, continuará sendo uma bancada grande, pode cair dos 92 eleitos em 2002 para 60, o que ainda o deixa no rol dos grandes partidos. Mas transitou de um partido da contestação e da mudança para um partido da ordem. Ou como dizia o publicitário que não se amarrava em dinheiro, da era pré-Dutra, Carlito Maia, que morreu em junho de 2002 e teve a sorte de não ver tudo isso: "O PT provitou de um partidinho insolente para um partidão indolente".
Como professor de História e político, como o senhor acha que serão retratados, daqui há 50 anos, os fatos que acontecem hoje na política no País?
Vai mostrar como uma proposta acumulada há anos, de mudanças e que gerou enorme esperança na população, com uma liderança de origem operária, com uma história de vida belíssima, chegando ao governo não conseguindo realizar plenamente essas esperanças e ser coerente com essa própria história que o levou ao poder. Vai mostrar que, na verdade, estar no governo não é necessariamente ter o poder e proclamar vontade de mudar. Não é necessáriamente praticar esse processo de mudanças. Acho que vai ficar como mais um presidente de um país que tem um curso que não é o do caos absoluto, da involução, mas ficou longe de realizar os ideais sociais de justiça e democracia participativa, que a população tanto ansiou. Vai ser a crônica de uma razoável frustação.
Qual o balanço que o senhor faz do governo Lula?
De um governo que vai deixar como marca a frustação, a desconstituição do PT como um partido orgânico da esquerda brasileira e como pólo progressista na coalizão de governo, para a generalização da idéia de que todos os políticos são iguais, e que a política é o espaço da esperteza, da malandragem. E a idéia também de que você tem que trabalhar com as pessoas e não com os partidos, o que é muito negativo. O Lula, por exemplo, mantém índices de popularidade grandes e pode inclusive se reeleger, muito mais pelo seu Silva do que por causa do seu PT.
Como o senhor vê o panorama para as próximas eleições?
Eu diria que tem uma falsa polarização. O que está havendo no Brasil é uma espécie de americanalização da política. A exemplo dos Estados Unidos, que têm dois grandes partidos que se revezam no poder, aqui parece que o sonho das classes dominantes é ter esse PT domesticado e seus aliados fisiológicos de um lado, e o PSDB e o PFL de outro. É a oposição de punhos de renda, sem outra alternativa. Esse cenário pode se confirmar nas eleições.
Mas o nosso papel, a nossa intenção, é mostrar que há alternativas, que a vida social brasileira e a complexidade da nossa estrutura de classes não se vê representada nesse binômio aí. Nessa disputa entre o PT com o PSDB e seus aliados, de um lado e de outro. A gente precisa construir uma alternativa fundada num projeto para o Brasil. De desenvolvimento, com distribuição de riqueza e renda, radicalização da democracia, de soberania nacional, inclusão social. E isso nem um nem outro tem autenticidade, legitimidade para representar.
O senhor acredita em impeachmente do presidente Lula?
Não, porque o impeachment não é só um processo jurídico, político que, aliás, já foi testado pela sociedade brasileira com êxito. Implica sobretudo uma comoção social e uma vontade coletiva, que mobiliza e vai às ruas. Nós estamos há cinco meses das eleições presidenciais, ao contrário da época do Collor, que não tinha nem chegado à metade do seu governo. Ao contrário de Collor, também, não tem uma movimentação social de indignação a esse ponto.
O que a população percebe é que Lula está fazendo o que sempre criticou nos outros, que sempre fizeram um tipo de política do "toma-lá-da-cá", da compra de deputados. Então, não há condições políticas objetivas para o impeachment. A resposta e a avaliação vão ser dadas nas urnas daqui a cinco meses.Além do mais, impeachment necessariamente passa pelo Congresso, que não tem nenhuma legitimidade, porque a população quer cassar esse Congresso. Assim, como é que ele vai querer cassar o presidente?
No pacote de mudanças da Lei Eleitoral, aprovada agora pelo Senado, o caixa dois continua impune.
Mostra o cinismo da nossa maioria parlamentar. Mostra o cretinismo que predomina na representação política. Por isso mesmo ela está tão desgastada. Essa microrreforma eleitoral na verdade pune o caixa 1. Veda gastos que sempre são declarados, como brochinhos, brindes ou camisetas, mas não impede, por exemplo, a contratação em massa de cabos eleitorais pagos, anúncios nos jornais, que são caríssimos. Não impede também que todo o esquema de campanha milionária continue.
Portanto, campanha do milhão acaba em mensalão. Então, mudou pouco e, inclusive, enquanto vigorar essa legislação, o dia de eleição será dia de velório, porque você não pode nem sair com uma bandeira do partido. É um perfeito absurdo. É a despolitização da política e a manutenção do abuso do poder econômico. É muito negativo e nós estamos pretendendo conversar com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Marco Aurélio Melo, para ver se vai vigorar ainda nessa eleição.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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