Por: Yahoo! - Copa do Mundo 2006
Itália, a primeira bicampeã
Campeão:
Itália
Vice:
Hungria
Ficha técnica
Sede: FrançaPaíses inscritos: 36Participantes: 15Gols: 84Média de gols: 4,66Média de público: 20.829
Eram 17 horas de viagem de Bordeaux a Marselha, com o trem parando numa série de estaçõezinhas intermediárias. Os jogadores brasileiros - que horas antes tinham derrotado os tchecoslovacos numa difícil partida-desempate - dormiam aos solavancos. Leônidas, porém, passava a noite em claro, a perna estendida sobre a poltrona, enquanto Carlos Volante lhe aplicava compressas quentes sobre os músculos enrijecidos. Na verdade, toda a perna de Leônidas doía. O grande esforço que empregara nos três jogos que a Seleção Brasileira já disputara na terceira Copa do Mundo minara-lhe os músculos.
Dos 22 jogadores que o técnico Ademar Pimenta levara para a Europa, naquele verão de 1938, apenas ele, Leônidas, atuara nas três partidas. Agora, estava à beira de uma distensão. Naquele jogo, a Seleção Brasileira jogaria toda a sua sorte na terceira Copa do Mundo. Os italianos eram os campeões e favoritos ao bi. Vencê-los significaria a classificação brasileira à finalíssima. A ausência de Leônidas, porém, assumia aos olhos do técnico proporções de tragédia. Leônidas vinha sendo até ali a grande figura da Seleção, com seus dribles, seus deslocamentos, seus gols espetaculares.
Melindre uruguaio Toda a Europa já estava às vésperas de uma nova guerra. Meses antes da abertura da Copa, a Áustria fora anexada à Alemanha. A Espanha, grande adversária da Itália em 1934, estava às voltas com uma sangrenta guerra civil e não podia sequer pensar em futebol. Da América do Sul, chegavam notícias de mais dois lamentáveis boicotes: o Uruguai, melindrado ainda com o descaso europeu em 1930, e a Argentina, que não se conformara em ter perdido para a França o direito de abrigar a Copa de 1938. Graças à desistência argentina, o Brasil ficou automaticamente classificado para as oitavas-de-final na França.
A terceira Copa do Mundo foi, de fato, a primeira em que o Brasil figurou como uma seleção realmente representativa. A crise que desde a implantação do profissionalismo dividira o nosso futebol fora finalmente superada em 1937, quando América e Vasco, no Rio de Janeiro, lideraram um movimento para que a CBD e a Federação Brasileira de Futebol se dessem as mãos. O técnico escolhido foi Ademar Pimenta, que um ano antes já dirigira a Seleção no Campeonato Sul-americano ganho pelos argentinos.
A Seleção Brasileira chegou a Paris no dia 15 de maio. Ali, realizou alguns treinos e depois seguiu para Estrasburgo, local de estréia contra a Polônia, em 5 de junho. Para começar, Pimenta escalou um ataque inteiramente diferente do que vinha treinando como titular. Naquele domingo chuvoso, a Europa finalmente conhecia o nosso futebol. E começava a descobrir a arte de Leônidas da Silva.
Foi uma estréia difícil, com um primeiro tempo brasileiro e um segundo polonês. Depois de virar com uma vantagem de 3 x 1, gols de Leônidas, Romeu e Perácio, contra um de Willimoski, o Brasil cedeu terreno no tempo final e permitiu que a Polônia chegasse aos 4 x 4, Perácio marcando o nosso gol, Willimoski (dois) e Piontek o dos poloneses. Na prorrogação de 30 minutos, dois gols de Leônidas puseram o Brasil de novo na frente. Os poloneses ainda descontaram um, com Willimoski, mas foi só. Pela primeira vez, o Brasil estreava na Copa com uma vitória.
No mesmo dia em que o Brasil se impôs à Polônia, realizaram-se as demais partidas das oitavas-de-final, com Itália, França, Tchecoslováquia, Cuba, Suécia, Suíça e Hungria eliminando Noruega, Bélgica, Holanda, Romênia, Áustria, Alemanha e Índias Holandesas.
O jogo com a Tchecoslováquia, em 12 de junho, na cidade de Bordeaux, foi um emocionante duelo de técnica e força, no qual os brasileiros, depois de marcarem o primeiro gol - mais uma vez Leônidas -, não resistiram ao futebol duro, por vezes violento, dos tchecoslovacos, e cederam o empate num pênalti de Domingos da Guia em Simunek, cobrado por Nejedly. Nos 30 minutos de prorrogação, manteve-se o empate de 1 x 1, com Planicka, extraordinário goleiro, fechando o gol mesmo depois de ter sofrido um choque com o tanque Perácio e deslocado a clavícula. Usando um braço só, Planicka foi o herói do jogo.
Brasil na semifinal Dois dias depois, ainda em Bordeaux, a partida-desempate. Pimenta sabia que seus jogadores, após os 120 minutos disputados no jogo anterior, estavam esgotados. Por isso ousou mandar a campo todo o time reserva, permanecendo apenas Válter e Leônidas. No entanto, essa decisão, que de início parecia arriscada, levaria o Brasil à vitória, já que o chamado time reserva tinha uma defesa tão boa quanto a titular e, ainda por cima, contava com atacantes em ótima forma, como Roberto, Luisinho, Patesko e, afinal, Tim.
O primeiro tempo - que terminara com os tchecoslovacos vencendo por 1 x 0 - dera para assustar Pimenta. No segundo tempo, a reação: Leônidas empatou, cabendo a Roberto, um ponta-direita do modesto São Cristóvão carioca, clube de Pimenta, marcar o gol que levaria o Brasil à vitória por 2 x 1. Brasil, Itália, Hungria e Suécia passavam às semifinais. Depois das 17 horas de viagem de Bordeaux a Marselha, local do jogo com os italianos, Pimenta tinha motivos de sobra para estar pessimista: Leônidas era um terrível desfalque.
Na véspera do jogo, marcado para o dia 16 de junho, sabia-se que o técnico tinha opções para formar o ataque sem Leônidas. A mais lógica - a simples substituição de Leônidas por seu suplente, o mineiro Niginho - seria, porém, descartada por Castelo Branco. "Estou informado de que, se Niginho entrar, os italianos vão protestar junto à FIFA e exigir nossa eliminação da Copa. Os italianos alegam que a situação de Niginho não é legal. Ele ainda tem um contrato assinado com a Lazio. Acho melhor não nos arriscarmos", disse o chefe da delegação, sobre o jogador, que em 1937, mandara às favas o contrato que o prendia ao clube italiano e tomara um navio de volta ao Brasil.
Derrota inevitável "De todos os jogadores que tenho aqui, exceto Leônidas e Niginho, o único que já jogou de centroavante é o Romeu." Baseado neste raciocínio simplista, o técnico preferiu deslocar Romeu para o centro, fazendo entrar Luisinho na meia direita.
A semifinal com a Itália entrou para a história do nosso futebol pela ausência de Leônidas, pelos equívocos de Pimenta, pelas discussões que se criaram em torno da arbitragem do suíço Wuthrich e pela decepção sofrida por milhões de brasileiros que a acompanharam pelo rádio, no relato vibrante do locutor Gagliano Neto. Os italianos foram muito melhores no primeiro tempo. No segundo, logo aos 11 minutos, os italianos marcaram, em jogada individual de Colaussi pela esquerda.
Estranhamente, porém, os brasileiros vinham atuando melhor, equilibrando as ações no meio-campo, cavando as primeiras investidas à área italiana. Foi então que ocorreu o lance mais discutido do jogo: a troca de pontapés entre Domingos da Guia e Piola, com a marcação de pênalti contra o Brasil. Aos 15 minutos, Meazza convertia o pênalti em gol. Inconformados com a sorte e sem ânimo para buscar a reação, os brasileiros praticamente entregaram o jogo ali. No final, já aos 41 minutos, Romeu ainda fez um gol. Mas era tarde demais. Três dias depois, novamente em Bordeaux, a nossa Seleção venceria a da Suécia por 4 x 2, na disputa do terceiro lugar. Já recuperado, Leônidas reaparecia no melhor da sua forma e marcava dois gols.
Conquista merecida Para desapontamento dos franceses, que haviam planejado outro final de festa, a taça ficaria mesmo nas mãos dos italianos. Com uma seleção mais técnica, mais harmoniosa, mais à altura de um título mundial, Vittorio Pozzo conseguira levar seus comandados a um triunfo de 4 x 2, na final com a Hungria. Desta vez, ninguém punha em dúvida os méritos da conquista. Ninguém - exceto, é claro, os que ficavam imaginando o que seria aquela semifinal em Marselha, se Ademar Pimenta tivesse podido contar com o seu "Diamante Negro".
Artilheiro
Leônidas (Brasil), 7 gols
Nome completo: Leônidas da SilvaNascimento: 6 de setembro de 1913, no Rio de JaneiroClubes: Bonsucesso, Peñarol-URU, Vasco, Botafogo, Flamengo e São Paulo
Rápido, ágil, habilidoso e oportunista, é considerado até hoje um dos maiores atacantes do futebol brasileiro em todos os tempos. Seu apelido, "Diamante Negro", foi utilizado para nomear um chocolate. No Brasil, Leônidas também é conhecido como inventor da bicicleta, façanha contestada em outros países.
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