Por: Carlos Chagas (Tribuna da Imprensa)
BRASÍLIA - Devem estar se mexendo no túmulo os ossos dos Bandeirantes que fizeram a glória de São Paulo. Porque diante de dificuldades sem conta, saíram na frente, expuseram-se, sacrificaram-se e lideraram a afirmação da paulicéia junto à nação brasileira, em grande parte por eles construída. Hoje, frente à mais aguda rebelião do crime organizado de que se tem notícia na história de São Paulo, onde estão seus líderes, com raríssimas exceções?
Escafederam-se, sem a menor manifestação. José Serra, Fernando Henrique Cardoso, Aloísio Mercadante e outros estão nos Estados Unidos, a pretexto de homenagear um empresário brasileiro escolhido como o "Homem do Ano". Pretexto mais ridículo não haveria para que os candidatos a governador do Estado se omitissem, assim como o ex-presidente. Mercadante ainda expediu de Nova York pálida nota oficial lamentando os acontecimentos, mas Serra e FHC passaram mudos ao largo. Assassinatos em massa, depredações, revoltas em 80 presídios e, acima de tudo, a intranqüilidade pública - nada lhes disse respeito.
Tratou-se de uma demonstração de pusilanimidade. Deveriam estar na primeira linha dos debates da busca de soluções para o horror que dominou e ainda domina São Paulo. Abandonaram seus eleitores de ontem pretendendo que, esquecidos, possam manter seus votos e prestígio, amanhã. Dão a impressão de não fazer parte da sociedade posta em frangalhos pela ação do crime organizado.
Registre-se, como exceção, a presença do ex-governador Luís Antônio Fleury Filho, criticando e reavivando projetos na Câmara dos Deputados, como de seu dever. Também, foi o governador que sustentou com coragem a ação da Polícia Militar na invasão do Carandiru, um espetáculo lamentável, mas inevitável quando se tratou de preservar a autoridade do poder público.
Desmoralização
Mais do que de perplexidade, registra-se no mundo inteiro um sentimento de hilaridade pelos acontecimentos em São Paulo. Porque a verdade que chega à imprensa internacional pode ser apenas parte do que aconteceu, mas está sendo apresentada como inteira: a rebelião responsável pelo assassinato e a execução de quase 300 pessoas deveram-se à exigência da população carcerária de dispor de televisão para ver a Copa do Mundo... No Iraque, assassina-se e executa-se por conta da invasão do país por tropa estrangeira. Uma questão de soberania. Aqui, mata-se por televisores.
Claro que não é só assim, mas também é assim. Já se anunciou a distribuição pelos presídios paulistas de 60 aparelhos, alguns altamente sofisticados, para aplacar a ira dos bandidos. As autoridades paulistas não explicam direito de onde vêm os recursos para essa aquisição. Tudo indica um financiamento por parte do narcotráfico. Ao mesmo tempo, outra reivindicação atendida foi a troca da cor dos uniformes dos presidiários: de amarelo para cáqui. Pelo jeito, o chefe geral da baderna, um tal Camacho, também deverá encarregar-se da compra e distribuição dos uniformes. Contando, ninguém acredita.
Deuses
Como jurista renomado, insurge-se o ministro Thomaz Bastos contra a "legislação do pânico", a iniciativa do Congresso de botar tranca na porta depois de arrombada a casa, ou seja, a votação a toque de caixa de projetos destinados a acabar com as facilidades dadas pela lei a criminosos presos. Terá razão o ministro, à luz do Bom Direito. O problema é que o País se encontra numa encruzilhada: ter um Direito que não é Bom, mas razoável, ou não ter nenhum.
Limitar visitas a presídios onde se encontram autores de crimes hediondos ou chefes do crime organizado; separar esses líderes, impedindo que cumpram pena nas mesmas prisões; estabelecer que encontros com advogados, só uma vez por mês; considerar crime a posse de celulares em estabelecimentos penais; submeter quantos ingressam nas cadeias, inclusive advogados, a severa revista pessoal; proibir as visitas íntimas para irrecuperáveis; botar a população carcerária para trabalhar, em especial na recuperação dos prédios por eles destruídos. Parece ser tudo fogo de palha.
Não precisa preocupar-se o ministro da Justiça, pois o Congresso jamais votará com celeridade esses e outros projetos em tramitação há decênios. Como também não votará em tempo razoável para que debates profundos aconteçam, melhor será entregar a questão aos deuses...
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