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sexta-feira, dezembro 31, 2021

Sob governo de Bolsonaro, acabaram as mamatas? Episódios em série mostram que não.


Presidente Jair Bolsonaro

Na campanha de 2018, Bolsonaro prometeu acabar as mamatas

Bruno Lee
Folha

Eleito com discurso que repudiava benesses a aliados, o presidente Jair Bolsonaro (PL) assistiu, ao longo de seu mandato e especialmente neste ano, a diversos casos em seu entorno que contrariam o pregado na campanha de 2018. A começar por seus filhos.

No fim de novembro, a pedido da defesa de Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o Supremo Tribunal Federal decidiu manter o foro especial concedido ao senador pelo TJ do Rio de Janeiro. Antes de eleito, Bolsonaro sempre teve como uma de suas bandeiras o fim da blindagem a políticos em tribunais superiores.

PORCARIA DE FORO – Em um vídeo divulgado em redes sociais, Bolsonaro reclamou em 2017, ao lado de Flávio, da existência do foro especial para políticos. “Não quero essa porcaria de foro privilegiado.” O post foi lançado em abril daquele ano pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) em sua conta no Twitter. “Dos 513 deputados, 450 vão ser reeleitos. Por que eles têm de ser reeleitos? Para continuar com foro privilegiado. O único prejudicado com essa porcaria de foro privilegiado sou eu”, protestou Bolsonaro no vídeo.

Já em 2021, a pedido da defesa de Flávio, a Segunda Turma do STF avalizou, por 3 votos a 1, a decisão de junho do ano passado de retirar a investigação contra o filho de Bolsonaro no caso das “rachadinhas” das mãos do juiz de primeira instância Flávio Itabaiana, que vinha dando decisões duras contra o parlamentar.

O magistrado, definitivamente afastado do processo, foi responsável por ordens de quebra de sigilo e pela prisão de Fabrício Queiroz, amigo de Bolsonaro e acusado de ser o operador do esquema no gabinete de Flávio quando ele era deputado estadual.

PROVAS ANULADAS – Pelo mesmo placar de 3 a 1, a Segunda Turma também atendeu a um pedido da defesa para anular quatro relatórios de inteligência financeira elaborados pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) que apontavam movimentações atípicas em contas bancárias de Flávio e seus funcionários.

Esses documentos eram considerados fundamentais por investigadores do caso, assim como dados levantados em quebras de sigilo que foram anuladas pelo Superior Tribunal de Justiça.

Dessa forma, somadas as decisões do STJ e do Supremo, as investigações contra o filho do presidente praticamente terão de ser retomadas do início.

FESTA DE RENAN – A cobertura com fotos e vídeos da festa de inauguração de uma empresa de Jair Renan Bolsonaro, 22 anos, o filho 04 do presidente, foi realizada gratuitamente por uma produtora de conteúdo digital e comunicação corporativa que presta serviços ao governo federal. Em 2020, a empresa recebeu R$ 1,4 milhão do governo Bolsonaro.

A cerimônia de inauguração foi realizada em outubro do ano passado, no camarote 311 do estádio Mané Garrincha, em Brasília, onde fica a sede da empresa Bolsonaro Jr Eventos e Mídia.

O proprietário da Astronautas, Frederico Borges de Paiva, compareceu ao evento e aparece nas imagens, abraçando e brincando com o filho do presidente. Os trabalhos da empresa para o governo federal incluem três peças produzidas para o Ministério da Saúde, a um custo de R$ 642 mil, segundo informou a pasta à Folha — dois vídeos com o tema da Covid-19 e um sobre multivacinação.

GASTOS COM FÉRIAS – O governo federal informou que foram gastos R$ 2,3 milhões de recursos públicos nas viagens de férias do presidente Bolsonaro nas praias de São Francisco do Sul (SC) e Guarujá (SP) entre os dias 18 de dezembro de 2020 e 5 de janeiro deste ano, período de agravamento da pandemia.

A informação foi enviada pelo general Augusto Heleno, ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência), e pelo ministro Onyx Lorenzoni, então na Secretaria-Geral da Presidência, em resposta ao pedido de informação formulado pelo deputado federal Elias Vaz (PSB-GO).

O GSI respondeu que foram gastos US$ 185 mil, cerca de R$ 1 milhão, com transporte aéreo em aeronaves da FAB para eventos privados do presidente neste período. Além disso, foram calculadas despesas de R$ 202 mil com passagens aéreas e diárias de integrantes da Secretaria de Segurança e Coordenação Presidencial. Já a Secretaria-Geral da Presidência informou que foram gastos R$ 1,1 milhão em cartão corporativo de despesas decorrentes das viagens. ​

MOTOCIATAS – Além disso, as motociatas em apoio ao presidente Bolsonaro já custaram praticamente R$ 5 milhões aos cofres públicos, segundo levantamento realizado pela Folha a partir de mais de 50 pedidos via Lei de Acesso à Informação.

A soma leva em conta as despesas com o cartão de pagamento do governo federal, informadas pela Secretaria-Geral da Presidência, e os gastos assumidos pelos estados para garantir a segurança da população e da comitiva de Bolsonaro.

Na verdade, o custo é muito maior, porque as motociatas são feitas nos fins de semana, com uso de aviões da FAB e gastos com diárias  dos servidores que acompanham o presidente.

VOOS FESTIVOS – Ministros do governo Bolsonaro levaram parentes, amigos e lobistas em voos oficiais com aeronaves da FAB. Os dados sobre as viagens feitas desde janeiro de 2019 foram repassados à Folha via Lei de Acesso à Informação por ministérios e outros órgãos que têm direito a solicitar esse tipo de deslocamento.

Poucos dias antes de assumir o Palácio do Planalto, o presidente Bolsonaro distribuiu uma cartilha com normas e procedimentos éticos. O documento afirmava que somente o ministro e a equipe que o acompanha no compromisso podem utilizar as aeronaves. Bolsonaro também mudou o decreto sobre uso das aeronaves oficiais no começo de 2020 para, em tese, endurecer as regras.

Jair Renan pegou ao menos cinco caronas em deslocamentos solicitados por diferentes ministros. O ministro Ciro Nogueira (Casa Civil) levou ao Rio de Janeiro, em agosto, o seu advogado Marcos Meira. No mesmo voo estava Davidson Tolentino, então diretor da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba). Os três foram mencionados em investigação da Lava Jato.

ATÉ PASTOR VIAJA – Dados enviados à reportagem mostram ainda que o pastor Arilton Moura, da Igreja Cristo para Todos, participou de viagem do ministro da Educação, Milton Ribeiro, de Brasília a Alcântara (MA), em maio de 2021.

A senadora Eliane Nogueira (PP-PI), suplente e mãe do chefe da Casa Civil, destinou R$ 46,9 mil de sua cota parlamentar para gastos com combustível de avião, segundo dados do Portal da Transparência do Senado. No entanto ela não possui aeronaves particulares, segundo informou ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) durante as eleições de 2018.

Eliane Nogueira é suplente de seu filho, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, que, por sua vez, declarou ser detentor de 95% de uma aeronave Beech Aircraft B200, avaliada em R$ 2,8 milhões. Entre julho e outubro deste ano (último dado disponível), a senadora obteve ressarcimento para oito despesas com combustíveis de aeronaves.

MÉDICO EM MIAMI – Bolsonaro pediu que a Apex abrisse uma vaga para acomodar seu médico no escritório da agência de promoção comercial brasileira em Miami (EUA), recebendo mais de R$ 60 mil mensais.

Ricardo Camarinha, que trabalha na Presidência e atende diretamente a Bolsonaro como seu assessor especial, pretende mudar para os Estados Unidos por motivos familiares. Só que, sem um trabalho, a obtenção de um visto de residência seria mais difícil. O caso foi revelado pela Folha no início de novembro.

Assim, Bolsonaro acionou o chefe da unidade da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos em Miami, o general da reserva Mauro César Lourena Cid. Ele é um de seus mais próximos colegas da turma de 1977 da Academia das Agulhas Negras. E a vaga foi criada para o médico, que nada entende de exportações.

BLOGUEIRO FORAGIDO – O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ofereceu ajuda ao blogueiro Allan dos Santos, investigado pelo STF, para deixar o país. É o que mostram mensagens interceptadas pela Polícia Federal, compartilhadas com a CPI da Covid e obtidas pela Folha.

Nos diálogos, ocorridos em junho de 2020, o filho do presidente pede dados do passaporte de Allan e de sua família e pergunta o que ele precisa. Após a resposta, ele acompanha o trâmite do processo, pedindo a Allan o número do protocolo na PF e data de agendamento.

O dono do site Terça Livre deixou o país em julho de 2020, cerca de um mês após os diálogos com o filho de Bolsonaro. O blogueiro, que é investigado em dois inquéritos no STF, para apurar disseminação de fake news e para identificar quem financia as ações, atualmente vive nos Estados Unidos.

ESCAPADA DE OLAVO – A saída à francesa de Olavo de Carvalho após ser intimado pela Polícia Federal, em novembro deste ano, envolveu compra de passagens para Miami (EUA) em dinheiro, viagem de carro até o Paraguai e cruzamento da fronteira sem passar pela imigração.

Como mostrou o Painel, da Folha, o guru do bolsonarismo saiu do país depois de a PF o chamar para depor e alegou problemas de saúde para não comparecer à oitiva.

Já nos EUA, gravou um vídeo em que negou ter saído para se esconder do depoimento e disse que lhe ofereceram passagens de última hora. As informações são do inquérito sobre a existência de milícias digitais, no qual Olavo foi intimado. Ele foi intimado no dia 9 de novembro. Um dia depois, a esposa do escritor comprou duas passagens para Miami com saída de Assunção, no Paraguai, previstas para o dia seguinte.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – O repórter esqueceu muitas outras mamatas, como a viagem de jato da FAB para levar a São Paulo e trazer de volta a ministra Damares Alves, Michelle Bolsonaro e sete parentes da primeira-dama, para festejar o aniversário do maquiador das duas, que depois pegou carona no avião, na volta para Brasília. Um fim de semana que custou caro para os cofres públicos. (C.N.)


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