Mauro Santayana
É difícil entender por que se encontraram, anteontem, o presidente da República, o presidente do STF e o ministro da Justiça. Se o presidente do STF está interessado em legislação que imponha regras novas às atividades policiais, não deveria ter ido ao Palácio do Planalto. Caber-lhe-ia, ouvidos seus pares, encaminhar, institucionalmente – e não sponte sua – sugestões (sugestões, bem se entenda) ao Parlamento. Quem legisla, conforme a Constituição, é o Congresso.
Os Três Poderes devem ser independentes e harmônicos, mas a harmonia será sempre resultado do necessário conflito, de acordo com a prática constitucional dos checks and balances. Se os Três Poderes interagem sem conflitos, isso significa que o sistema está funcionando mal. O Poder Judiciário não é escolhido diretamente pelo povo, mas, apesar disso, é absolutamente necessário. Seu mandato independe de ato eleitoral popular direto, para fundar-se na essência ética da nação, que é a garantia da justiça. Não lhe cabe criar as leis, que é atribuição do povo, diretamente, ou por seus representantes, mas, sim, interpretá-las e fazer com que sejam cumpridas. Em um sistema republicano ideal, o presidente do mais alto tribunal – no Brasil, o STF – não visita o presidente da República. O encontro entre os dois deve ser visto sempre como suspeito – a não ser ocasionalmente, e em público. O ministro da Justiça tampouco deve encontrar-se com os juízes, a não ser quando se tratar de questões meramente administrativas.
É provável que seja de Madison (e não de Hamilton) a advertência do ensaio 51 de The federalist, quando trata da distribuição dos poderes em uma sociedade republicana, afirmando que ela deva de ser de tal ordem que "the private interest of every individual may be a sentinel over the public rights". E adianta que essas descobertas da prudência não devem ser menos exigidas na distribuição dos poderes do Estado. Mas – continua o ensaísta – não é possível dar a cada um deles o mesmo poder de autodefesa. "In republican government, the legislative authority necessarily predominates". Para moderar essa autoridade predominante, os fundadores da República do Norte dividiram o poder legislativo central e os dos Estados, em duas casas. E, mais do que isso, criaram sistema federativo em que os Estados, com seu poder distribuído geograficamente, impede o surgimento de uma ditadura central.
Como descobriram Tocqueville e, em seguida, Acton, é o sistema federativo que assegura a estabilidade constitucional dos Estados Unidos. The federalist é o mais importante documento de exegese do sistema constitucional norte-americano, porque o explica nas raízes clássicas de que se alimentavam os grandes construtores da República, entre eles Jefferson e o próprio Madison, os dois que mais se afinavam intelectualmente. E o número 51 é um dos mais emblemáticos desses ensaios. Em um governo de liberdade, diz mais adiante o texto, o respeito pelos direitos civis deve ser o mesmo respeito que merecem os direitos religiosos. Ele consiste na pluralidade de seitas em um caso, e na pluralidade de interesses, no outro. Mas, e aí está a natureza dos Estados: "Justice is the end of government. It is the end of civil society".
O caso Daniel Dantas não tem qualquer mistério. O banqueiro obteve vantagens singulares durante o governo chefiado pelo senhor Fernando Henrique Cardoso, graças à influência do senhor Antonio Carlos Magalhães. A partir disso, criou uma malha de amigos e eventuais associados e cúmplices nos Três Poderes da República. Tem seus admiradores no poder executivo, seus colaboradores na imprensa, sua bancada no Senado, na Câmara dos Deputados. E, conforme ele mesmo confessou, não teme as decisões dos tribunais superiores.
Santo Agostinho disse uma vez que o que distingue um Estado de um bando de ladrões é a justiça. Onde não há justiça, conclui-se, não há Estado. Há outra coisa.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso esperou o banqueiro Daniel Dantas ser preso, para dizer que não o convidou para jantar no Palácio da Alvorada pouco antes da demissão de diretores da Previ. É curioso que o fato tenha sido fartamente noticiado na época (em 2002) e depois, sem que o ex-presidente o houvesse desmentido antes.
Em tempo: Cacciola deve chegar hoje ao Brasil.
Fonte: JB Online
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