BRASÍLIA - Pela primeira vez na sua história econômica, o Brasil deixou de ser devedor e passou a ser credor externo. O feito aconteceu em janeiro e foi anunciado ontem pelo Banco Central (BC). Segundo relatório do BC, baseado em dados ainda preliminares, os ativos brasileiros no exterior superaram o total da dívida externa pública e privada em mais de US$ 4 bilhões no mês passado.
De acordo com o BC, o aumento das reservas internacionais em ritmo "sem precedentes" nos últimos meses e a antecipação de pagamentos da dívida externa permitiram ao Brasil deixar a posição devedora para ficar credor em relação a outros países.
O relatório foi publicado na página do BC na internet, mas dados completos serão divulgados apenas na próxima segunda-feira, dia 25. Em nota divulgada à noite, o presidente do BC, Henrique Meirelles, comemorou o feito.
"Essa melhora significa que estamos superando gradativamente um longo período caracterizado por vulnerabilidade e crises, causadas principalmente pela dificuldade em honrar o passivo externo do País", afirma Meirelles. Ele destacou que os indicadores externos positivos são resultado da "implementação de políticas macroeconômicas responsáveis e consistentes, baseadas no tripé responsabilidade fiscal, câmbio flutuante e metas para a inflação".
O relatório do BC lembra que a dívida externa líquida - resultado da diferença entre a dívida total e os ativos brasileiros no exterior - era de US$ 165,2 bilhões no início de 2003, período que coincide com o começo do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Desde então, o indicador cai anualmente e em ritmo cada vez maior até a inversão dos sinais em janeiro. Nesse indicador, não estão incluídos os investimento diretos brasileiros no exterior, nem os investimentos estrangeiros no Brasil.
Além das reservas, os ativos brasileiros considerados no cálculo incluem créditos que os bancos brasileiros têm a receber lá fora e aplicações financeiras de empresas e pessoas físicas.
Mas o grande motivo para a melhoria dos indicadores externos foi o aumento das reservas, que tiveram "evolução sem precedentes" nos últimos anos, ressalta o BC, que passaram "de US$ 16,3 bilhões em 2002, quando excluídos os empréstimos do FMI, para US$ 180,3 bilhões ao final de 2007". Somente no ano passado, as reservas saltaram 110,1%.
O relatório explica que o reforço das reservas foi obtido graças à sobra de dólares no País, o chamado superávit do mercado, que foi de US$ 150 bilhões entre 2003 e 2007. Boa parte desse dinheiro foi comprado pelo BC para compor as reservas. Em cinco anos, as compras do BC somaram US$ 141,3 bilhões, dos quais 55,6% apenas em 2007.
Apesar das compras recordes do BC no mercado, o texto avalia que as intervenções têm sido pautadas pelo respeito à política de câmbio flutuante. "Ou seja, não adicionando volatilidade ao mercado e não definindo pisos nem tendências".
Outro fator que explica a posição credora do Brasil está na própria dívida externa. Nos últimos anos, o governo aproveitou a forte liquidez da economia mundial para antecipar uma série de pagamentos. Nesse período, por exemplo, o governo zerou a dívida do Brasil com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e resgatou antes do vencimento uma série de títulos que foram emitidos na renegociação da dívida externa brasileira de 1994.
Com a evolução positiva dos indicadores ligados à dívida, o texto afirma que o Brasil está, atualmente, melhor preparado para enfrentar crises. Para o BC, houve "inquestionável fortalecimento da posição externa do País". "A melhoria desses indicadores tende a mitigar, embora sem anular por completo, o impacto de eventos externos adversos", conclui o relatório.
Tomás Málaga, economista-chefe do Itaú, já esperava a posição credora do País e avalia que o feito anunciado pelo BC é resultado de uma ação que começou há pelo menos cinco anos, quando o Brasil começou a ter superávits expressivos em conta corrente - indicador que agrupa os resultados da balança comercial e das transações de serviços e rendas com o exterior. Segundo ele, essa melhora permitiu ao Brasil passar de forma tranqüila pelo pior da crise internacional deflagrada no mercado imobiliário dos Estados Unidos.
Para o futuro, Málaga não arrisca em afirmar que o Brasil deve manter a posição credora permanentemente. Para ele, é provável que o endividamento externo do governo diminua nos próximos anos Mas o mesmo não deve ocorrer com a dívida privada. "É natural que essa dívida aumente porque o setor privado tem tomado empréstimos no exterior para aumentar os investimentos e a capacidade produtiva no País. Isso é uma boa notícia", diz.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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