Publicado em 27 de janeiro de 2022 por Tribuna da Internet
Daniel Gullino, Jussara Soares e Thiago Bronzatto
O Globo
Ciro Nogueira assumiu uma função inédita na chefia da Casa Civil: além de se anunciar como amortecedor de Bolsonaro, agora diz que se tornou para-raio do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Em paralelo a isso, Nogueira acumula outro papel: encabeçar o projeto de reeleição de Bolsonaro. Não por acaso, o ministro passou a elevar os decibéis dos ataques contra o pré-candidato do PT, a quem apoiou em 2018.
“As pessoas pensam no Lula de 2002. Se você for comprar um celular para a sua filha, você vai comprar um celular de 2002 ou de 2022? Aquilo já passou. O Lula que está vindo aí não é o Lula para enfrentar a miséria e a fome. É o Lula para trazer de volta a Gleisi e o José Dirceu, essas pessoas que fizeram tanto mal e quebraram as estatais do nosso país” — afirma Nogueira.
Em seu discurso de posse na Casa Civil, o senhor disse que gostaria de ser lembrado como um amortecedor que diminuiria as tensões. Mas, no início deste ano, o presidente voltou a atacar ministros do Supremo Tribunal Federal. O senhor concorda com as críticas de Bolsonaro contra as decisões da Corte?
Sou daqueles que defendem que decisão judicial se cumpre. Mas acredito que exista um ativismo judicial muito forte no país que passa por tirar algumas prerrogativas do Congresso Nacional de legislar. O que temos buscado é bom senso entre os Poderes, que cada Poder respeite suas atribuições, os seus direitos e sua competência. Esse é o nosso grande desafio.
Em caso de derrota nas urnas, o presidente reconhecerá o resultado das eleições?
Ele vai ganhar. O país nunca deixou de reeleger um presidente. Quem reelege o presidente é a economia, e a vida das pessoas vai melhorar. Temos pesquisas que mostram que, se a inflação for reduzida e o emprego voltar a crescer, quase 40% das pessoas que hoje não votam no presidente, podem vir a votar. A possibilidade de reeleição é muito grande.
Ainda dá tempo de reverter as pesquisas eleitorais, uma vez que Bolsonaro está atrás de Lula?
Não tenho dúvida. Temos hoje uma campanha em que o ex-presidente Lula é o Lula do Alckmin (ex-governador de São Paulo), do Macron (presidente da França), do partido Democracia Cristã alemão. O Lula que conheço e que as pessoas vão conhecer na campanha é o Lula da Gleisi (Hoffmann), do Zé Dirceu, do (João) Vaccari. Esse é o Lula que tem muito mais identificação com Maduro (presidente da Venezuela) do que com Macron. Acho que a arrogância do PT está sendo importante para que as pessoas aprendam a identificar e separar. As pessoas não querem esse grupo do PT de volta ao comando do país. Acompanho pesquisas qualitativas. Quando se coloca o Lula ao lado dessas pessoas, a rejeição é total. Isso vai fazer com que o PT acabe derrotando o Lula. O Lula hoje está, em certo ponto, um pouco arrogante. O Lula que vi outro dia parecia que estava dando entrevista para o Granma, aquele jornal lá de Cuba, sem contestação. E o Lula se tornou juiz. A que ponto que chegamos: o Lula, que teve o seu processo anulado, ser juiz, dizendo que tem Centrão do bem e Centrão do mal. Lula tem condições de ser juiz em nosso país? Acho um pouco demais.
Em 2017, o senhor chamou Bolsonaro de “fascista” e “preconceituoso”. No ano seguinte, durante as eleições, o senhor disse que ficaria “até o fim” com Lula. Hoje, o senhor é ministro do governo Bolsonaro, disse que está fechado com o presidente e atacou Lula em seus artigos. O que te fez mudar de opinião?
O governo do presidente Bolsonaro, que foi capaz de fazer as transformações. Tenho milhões de vezes mais identificação com o que foi feito neste governo do que eu tinha com o Partido dos Trabalhadores. Tivemos um presidente que enfrentou a maior pandemia da nossa história sem termos no país saques, violência e dando suporte à população, que foi capaz de dar 13 anos de Bolsa Família em Auxílio Emergencial para população sem quebrar o país. Veja o que aconteceu no governo da Dilma, que foi a maior recessão da nossa história sem pandemia. As pessoas não podem se esquecer disso. O que me fez mudar foi conhecer mais o presidente Bolsonaro. Acredito piamente em seu projeto.
Se o ex-presidente Lula ganhar as eleições, o senhor se sentará para conversar com ele ou se manterá na oposição?
Ele não vai ganhar. Não me vejo mais ao lado do Partido dos Trabalhadores. Temos hoje um enfrentamento no meu estado (Piauí, governado pelo petista Wellington Dias) irreversível. As pessoas pensam no Lula de 2002. Se você for comprar um celular para a sua filha, você vai comprar um celular de 2002 ou de 2022? Aquilo já passou. O Lula que está vindo aí não é o Lula para enfrentar a miséria e a fome. É o Lula para trazer de volta a Gleisi e o José Dirceu de volta, essas pessoas que fizeram tanto mal e quebraram as estatais do nosso país. Hoje, temos outra realidade. O Brasil não vai retroceder.
O presidente Bolsonaro mudou o discurso de campanha e firmou uma aliança com o Centrão. Isso tem gerado conflitos com a base bolsonarista. Qual o impacto disso na eleição?
Temos um terço do eleitorado para Bolsonaro, um terço para Lula. Quem vai decidir é o centro. Por isso, há esse desespero do Lula de deixar esse pessoal escondido e ir para o lado do Alckmin. O presidente Bolsonaro já tem aproximação muito mais consistente, tanto que os partidos mais relevantes de centro estão com ele. É lógico que o presidente jamais vai deixar os seus valores, principalmente algumas coisas ideológicas de lado. Essa aproximação do centro de termos um Estado muito mais competitivo, voltado a prestar um bom serviço à população, incentivar quem quer gerar emprego e renda no nosso país tem muito mais identificação com o presidente Bolsonaro. Lula estava querendo revogar reforma trabalhista e regular a mídia. Então, são coisas que o afastam das pessoas de centro. O que reelege o presidente é a economia, se as pessoas estão melhorando de vida.
Mas o senhor considera que as pessoas melhoraram de vida de 2019 para cá?
Tivemos um problema no nosso país, um problema mundial. Estaríamos perto da China se não tivéssemos tido a pandemia. É um momento único, não teve um presidente que enfrentou uma pandemia. Não tenha dúvidas que voltamos com a maioria dos índices anteriores à pandemia e agora nós temos um potencial de crescimento muito grande.
O presidente mantém uma posição contrária à vacinação. De que forma isso pode atrapalhar na campanha?
Não faltou uma vacina para nenhum brasileiro. Hoje, o Brasil é uma referência mundial nesse setor. Então, o presidente sempre defendeu a liberdade das pessoas escolherem (se vacinar). Ele não quis vacinar sua filha, porque ela não tinha comorbidade, mas não faltou uma vacina para nenhum pai de família vacinar o seu filho. O presidente é um homem muito espontâneo. Quando ele vai defender a liberdade das pessoas, ele pode até ser mal interpretado. Mas, volto a dizer, as suas ações são muito mais importantes do que as suas palavras
O senhor é favorável à vacinação de crianças?
Total, desde que haja concordância dos pais. Acho que ela tem que ser obrigatória para as crianças com comorbidade, porque nesse caso representa realmente risco de vida. O que é mais importante é que não falta vacina para os pais que querem vacinar os seus filhos.
Como estão as conversas com o União Brasil? É possível superar as diferenças entre o presidente do partido, Luciano Bivar, e Bolsonaro, que já tiveram conflitos no passado?
As conversas permanecem. Tenho esperança de marcharem conosco. Desavenças eu também tive, superei e hoje estou ministro. Vamos para uma eleição que só terá dois lados praticamente. Com todo o respeito aos outros candidatos, mas a disputa vai ser entre Bolsonaro e Lula. Então, o União Brasil não vai apoiar o PT. É muito mais fácil vir nos apoiar ou ficarem neutros. Vou trabalhar até o último dia para que eles venham nos apoiar.
O União Brasil também conversa com Sergio Moro. Como o senhor vê a candidatura do ex-ministro da Justiça?
O Moro é um conflito ambulante. O Moro, quando era juiz, queria ser político. Virou político e quer permanecer juiz. É uma pessoa com conflitos. Tenho minhas dúvidas se ele vai permanecer até o final.
Na sua avaliação, dentre as opções da terceira via, qual tem mais potencial de crescimento?
No início, eu achava que a pessoa que ia crescer era o Eduardo Leite, um cara jovem, com discurso bom, corajoso. Pensei que ia crescer: “Esse aí vai dar trabalho”. Não tinha dúvidas de que se ele tivesse sido candidato, ele era o terceiro. Agora para tirar o Lula ou o Bolsonaro, não vi ninguém até hoje que tenha esse potencial. Tenho enorme respeito pelo Ciro Gomes e pelo Doria (governador de São Paulo). São pessoas que têm sua história, têm que ser respeitadas. Mas é um Fla-Flu da eleição. São dois candidatos que têm potencial.
A Casa Civil passou a ter um poder inédito de barrar decisões orçamentárias do Ministério da Economia. Por que houve essa mudança?
Essa situação foi criada em comum acordo com o ministro Paulo Guedes. Achamos que era muito melhor tanto para ele quanto para a Casa Civil. Levamos esse pleito ao presidente. O que acontece é que o Paulo Guedes sempre ficava encarregado de dar o “não” para alguns pleitos dos ministérios. Além de amortecedor, agora eu sou um para-raio do Posto Ipiranga. Divido com Guedes a responsabilidade de dizer o “não” e o “sim”.
Por que o ministro Paulo Guedes não participou das conversas iniciais para a elaboração da PEC dos combustíveis?
Não é verdade. Ele tem participado. E o que aconteceu, que vai ser colocado, por iniciativa do Congresso, exigência da legislação, foi alinhado comigo e ele, que é a questão da redução dos impostos federais. Eu comecei essa discussão com ele há três meses. Ele achava que, por conta da questão dos precatórios, não era bom misturar as coisas. Pediu que a gente voltasse a discutir isso no meio de janeiro. A palavra final sobre o projeto foi do ministro Paulo Guedes.
As emendas de relator, conhecidas como “orçamento secreto”, permaneceram intactas no Orçamento, sem cortes. O senhor é favorável à divulgação dos autores das destinações desses recursos?
Não existe emenda de relator que não se saiba quem é o autor. Estamos em um governo que não tem como dizer que tem corrupção. Aí, às vezes, vejo o Partido dos Trabalhadores criticando: “Ah, emenda de relator”. Quer dizer então que existe também corrupção no pessoal do PT que indicou essas emendas de relator? Não existe essa história de orçamento secreto. Tudo é transparente. Tudo está sendo executado com total acompanhamento da mídia e da população. Eu sempre fui favorável a essa transparência.
Mas a população não sabe, por exemplo, quais emendas o senhor indicou…
Ah, sabe. Você acha que uma emenda lá pra minha Pedro II, a cidade onde nasci, foi quem? Foi o Ciro Nogueira que indicou. Então não vejo muita dificuldade nisso, não. Não tem isso. Eu quero aparecer levando recurso para o meu estado. Às vezes, fico chateado de não levar mais recursos. É impossível chegar um recurso no município e a população não sabe quem levou.