Por: Correio da Bahia
Doença genética com prevalência entre afrodescendentes atinge uma em cada 650 crianças nascidas na capital
As hemácias do sangue do portador de doença falciforme têm formato de foice
"Pai, faz essa dor parar". Pais e familiares de pacientes com doenças falciformes têm que aprender a conviver com as crises provocadas pela enfermidade - doença genética, com prevalência na população afro-descendente, caracterizada pela alteração na hemoglobina, pigmento responsável por transportar oxigênio nos glóbulos vermelhos para os tecidos do corpo. Em Salvador, uma em cada 650 crianças nascidas é portadora da anemia falciforme, a mais comum das doenças falciformes, e a Bahia é o estado com maior número de portadores da doença. A dor é conseqüência da falta de oxigênio nos ossos, órgãos e músculos.
Quando o indivíduo é sadio, a hemoglobina F, tipo fetal, com a qual nascemos, vai sendo substituída pela hemoglobina tipo A. No indivíduo com anemia falciforme, os genes possuem uma mutação e não se produz hemoglobina A e sim a S. Com a alteração na informação genética para hemoglobina, o glóbulo vermelho (hemácia) adquire a forma de meia lua ou foice - mais rígido e sem a maleabilidade comum à hemácia saudável. Assim, existe a dificuldade da chegada de oxigênio nos vasos mais finos do corpo, causando a obstrução destes vasos, e comprometendo a circulação sangüínea.
Depois do susto da descoberta - desde 2001, é possível verificar a ocorrência da doença na triagem neonatal, o popular teste do pezinho - é necessário aprender sobre as características desta doença, que não possui cura. O diagnóstico precoce e o tratamento adequado contribuem para melhorar a qualidade de vida da pessoa com doença falciforme. Foi o que fez Altair Lira, atual coordenador geral da Associação Baiana de Pessoas com Doenças Falciformes (Abadfal). "Do diagnóstico até a primeira crise, aos sete meses de idade de Marília, nossa expectativa é de que não acontecesse nada", recorda Lira, referindo-se à filha de 7 anos.
Com a série de crises - em pouco mais de dois anos foram 12 internamentos -, e os intervalos entre elas, Lira foi aprendendo mais sobre como a doença se manifesta em Marília. "O pneumococo, por exemplo, é 600 vezes mais letal para ela. O primeiro atendimento, em caso de crise, tem que ser feito por pessoal capacitado. Nosso tempo é diferente do tempo dela", contou Lira.
Após o diagnóstico, o tratamento é feito com o uso de penicilina profilática, vacinas usuais e especiais (antipneumocóccica, antivaricela e antimeningocócica) e acompanhamento ambulatorial. Segundo a hematopediatra Silvana Fahel, é grande a variação da doença de indivíduo para indivíduo. Se alguns têm maior tendência às infecções, outros podem sofrer até mesmo um acidente vascular cerebral.
"A família é nossa aliada e é ela que assiste mais de perto e vivencia cada uma das crises. Uma febre, por exemplo, deve ser tratada de forma diferenciada, pois pode desenvolver infecção grave", explica Fahel. É importante que a família informe ao profissional de saúde sobre a condição e medicamentos do paciente, em caso de crises.
Fahel destacou o serviço oferecido pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), e o município, há pouco mais de três meses, disponibilizou para a população duas unidades de atendimento aos portadores de doenças falciformes: na Avenida Carlos Gomes e outra no Vale das Pedrinhas. Outra ação do Programa Municipal de Atenção às Pessoas com Doenças Falciformes, que começou a ser implantado pela prefeitura em março de 2005, é a oferta de medicamentos para controle da enfermidade, como penicilina oral e ácido fólico, que podem ser adquiridos nas duas unidades citadas acima, além de nas unidades de atendimento das Sete Portas e no bairro de Marechal Rondon, assim como na Fundação de Hematologia e Hemoterapia do Estado da Bahia (Hemoba).
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SINTOMAS
Os sintomas mais comuns da anemia falciforme são: crise de dor nos pequenos vasos das mãos, ossos, tórax, abdômen, icterícia (cor amarela nos olhos), infecções freqüentes na garganta, pulmões e ossos, úlcera de perna, geralmente próxima aos tornozelos, além de seqüestro do sangue no baço, causando palidez e dor no órgão.
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Apoio psicológico à família
A Abadfal, desde 2001, vem dialogando com o governo estadual para a adoção de um programa baiano para os portadores de doenças falciformes. Atualmente, o atendimento a portadores da doença na rede pública de saúde estadual é feito na Fundação de Hematologia da Bahia (Hemoba). Já a associação oferece apoio psicológico à família de portadores de doenças falciformes e todo segundo sábado do mês realiza uma reunião mensal. A próxima acontece no próximo dia 8, das 9h às 12h, no auditório da Fundação Oswaldo Cruz (rua Waldemar Falcão, 121, Brotas). "Buscamos estimular a família, para que faça o teste, e oferecer solidariedade. A doença sobrecarrega principalmente a mãe. Por vezes, a vida do casal fica abalada e os pais enfrentam um outro conflito: o estigma de que passou a doença para o filho", explicou Lira.
Para identificação do traço falciforme, o teste pode ser feito no Hospital Universitário Professor Edgar Santos (Hupes), no Canela, que oferece ainda aconselhamento genético para os pais que possuem traço. "A decisão é do casal, que vai avaliar os riscos e optar pela preferência conjunta", conta Fahel. Os pais, em geral, são portadores assintomáticos de um único gene afetado, é o chamado traço-falciforme, presente entre 6 e 10% da população baiana, a maior porcentagem nacional. Filhos de casais com traço-falciforme têm 25% de chance de desenvolver doenças falciformes.
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