Por: Liliana Pinheiro (Primeira Leitura)
Minha maior decepção nesse processo eleitoral decorre menos da qualidade dos políticos, que evidentemente merecem críticas, e mais da adesão de parte expressiva da sociedade à despolitização que o PT pregou desde que se tornou governo. Adesão tão maciça que dá para afirmar que o petismo não está sozinho nessa empreitada.
Caixa dois já é considerado mal menor, como revelam as pesquisas eleitorais nacionais. Há gente demais passando recibo à leitura do presidente da República, segundo a qual todo mundo tem sua reserva de “recursos não contabilizados”.
A corrupção tem “500 anos”, repete parte expressiva do eleitorado. Decorre do atraso social e econômico de “500 anos”, da irresponsabilidade da elite de “500 anos”. Daí para aceitar a suposta tragédia secular como desculpa para exercer a também suposta complacência brasileira na hora de votar, de não menos de “500 anos”, é um passo pequeno.
A turma dos “500 anos” que serão seguidos por mais “500 anos” evidentemente estava dormindo quando o povo desse mesmo Brasil derrubou uma ditadura, reinventou o voto direto, impichou um presidente, aprovou uma Constituição, acabou com a inflação, adotou a responsabilidade fiscal, fez valer seus contratos... Isso para ficar apenas nas últimas três décadas. Já fizemos tudo isso e mais.
Decepção não tenho mais com o PT, com Lula e com seus manos da periferia do juízo. Que sigam seu destino. Tenho, isso sim, com a população que toma as urnas por lata de lixo obedecendo aos mantras que lhes assopra nos ouvidos uma gente politicamente canalha. E vejam que essa percepção de que estamos diante de um movimento muito bem orquestrado de desmoralização da democracia, tornada depósito da impunidade, pode não ser só minha.
O petismo parece confiar na competência desses bordões ao promover seus suspeitos e investigados à condição de candidatos prestigiados. Gozação do PT? Não, senhores. É puro cálculo político. Nunca o ambiente esteve tão propício para a lavagem de reputações imundas nas águas do povo rendido à lógica dos “500 anos”, pintados como natureza política morta.
Outros partidos também ensaiam lançar nomes enrolados em processos na disputa a uma vaga na Câmara. Outro dia mesmo os jornais eletrônicos noticiaram movimentos para fazer de Paulo Maluf deputado por São Paulo. Por que não? Se haverá Palocci, Genoino, Luizinho e tantos mais no páreo, não há por que não socializar esse happening do quinto centenário de uma escola derrotista que floresceu assim que o antes inquieto e barulhento “líder de massas” deu licença para que todo cidadão colocasse o burro na sombra e a própria moralidade para hibernar.
Mundo interessante esse da desobrigação pessoal e coletiva. Que se fechem os consultórios especializados em aparar os dramas das pessoas que acabaram emocionalmente seqüeladas pelos rigores dos códigos de condutas. A teoria dos “500 anos” liberou geral.
Claro que, com isso, entram em cena os novos seqüelados: os espancados pelo movimento dos sem-terra nesta terça, por exemplo. Os sem-terra foram liderados pelo PT de Lula na invasão à Câmara. A ordem partidária para enxovalhar a Casa que representa o povo organizado está inequivocamente ligada ao presidente, dado que a principal liderança presa é nada menos que o secretário de Movimentos Sociais do PT. Vão dizer que não está, não. Que o meu raciocínio sobre o dado inequívoco é um equívoco.
Tudo bem, nem percam tempo em me processar. Equivoquei-me. Inequivoquei-me, se preferirem. Esqueci-me de que, como manda a neoteoria política, Lula não é o PT, e que o PT não é Lula; que Lula nem é Lula, e o PT nem é o PT. A política até inventou um jargão para isso: o verbo descolar, que, aliás, eu também uso para expressar o que não pode ser expresso em palavras normais. Quem se descola pode ser e não ser, estar ou não estar, ou as quatro alternativas simultaneamente. Há quem se descole do governo que fez. Há quem se descole da biografia e mesmo da própria cara.
Dizem os neoteóricos desse Brasil falsificado que isso de “descolar” também tem “500 anos”. É uma forma de nos mandar para casa enquanto eles garantem mais “500 anos” para Lula.
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quarta-feira, junho 07, 2006
A turma dos “500 anos”
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