Mauro Santayana
O princípio democrático que confere à maioria o poder das decisões é anterior ao sistema partidário. As tribos germânicas se reuniam uma vez por ano (daí a denominação Bundestag para o Parlamento na Alemanha moderna) a fim de discutir seus problemas comuns. As decisões só eram tomadas depois de discussões violentas, que muitas vezes conduziam a desfechos sangrentos, nos quais a maioria das armas estabelecia a lei. Como todos levavam seus sabres, alguém teve a idéia brilhante de contá-los: a maioria dos presentes sempre teria razão. O que surgira naturalmente nas cidades gregas (a contagem dos votos) foi uma conquista do bom senso entre os bárbaros do Norte.
As maiorias são soberanas em qualquer espaço de decisões, seja o condomínio de um edifício residencial, uma associação beneficente, o conselho de administração de uma empresa, o município, o Estado e a nação. O poder autonômico local, que a Constituição assegura à administração do município, deve exercer-se, de forma ainda mais nítida, nas decisões políticas. Esses princípios são inerentes à idéia da democracia, desde que Clistênio estabeleceu a divisão do território ático em municípios (demoi), com o direito a pleno poder local. Sendo o espaço da vida em comum, a cidade é o espaço da política - desde que polis é raiz de política, ou, seja, de politeía, república.
A democracia é uma construção de baixo para cima. Ela começa na vontade de cada um dos cidadãos, para chegar à soberania da comunidade nacional, em sua totalidade. Nos sistemas federativos, como a Constituição manda ser o nosso, os Estados são a soma da autonomia de cada uma das cidades, e a União, o conjunto dos Estados autônomos. As pessoas vivem nos municípios, e quem neles decide é a maioria dos cidadãos.
Os partidos políticos se formavam em cada situação, em torno de líderes, que propunham leis e providências, nos parlamentos e nas assembléias públicas. Eram as idéias necessárias que formavam os agrupamentos de partidários, diante das situações dadas. A experiência brasileira, com as coligações, mostra que, em cada eleição, surgem novos agrupamentos partidários, quase novos partidos, para disputá-la. Surgem nos municípios, como surgem nos Estados e nos pleitos nacionais, atendendo às contingências próprias dessas esferas de poder. Essas razões explicam a possível aliança entre o PT e o PMDB no Rio de Janeiro e a aliança entre o PSDB, o Partido Verde e siglas de esquerda, que lhe são próximas, em torno da candidatura de Fernando Gabeira. São as mesmas razões que apontam para a provável aliança entre o PSDB (ou parte dele) com o antigo PFL, hoje sob a bandeira de democratas, em São Paulo. E, com muito mais razões objetivas, a coligação entre o PT, o PSDB e o PSB em Belo Horizonte. Trata-se de uma situação construída a partir do entendimento entre o governador e o prefeito, a fim de coordenarem, ambos, recursos e esforços no desenvolvimento da região metropolitana. A aliança - que pretende manter o mesmo projeto administrativo harmônico - foi uma decorrência natural de uma consciência comum. A política é a arte de aglutinar, de somar.
As alianças não são decididas pelos que as propõem. Tanto no Rio como em São Paulo e em Belo Horizonte (não por acaso as principais cidades do país) serão as convenções partidárias que aprovarão ou rejeitarão os acordos sugeridos. Qualquer filiado aos partidos poderá apresentar proposta discordante e, mesmo, oferecer-se como candidato alternativo. As decisões convencionais são soberanas, desde que tomadas de acordo com os estatutos partidários e a lei. Os partidos se organizam nos distritos e municípios. Não cabe aos diretórios estaduais ou nacionais vetar as decisões dos diretórios municipais. Eles só podem intervir quando se encontram em causa os programas e os estatutos partidários.
Assim como os diretórios estaduais e nacionais não podem exercer a ditadura sobre as organizações partidárias municipais, os diretórios municipais tampouco têm o direito de cercear a liberdade de seus filiados. Cabe a estes o direito de recorrer aos delegados convencionais e trabalhar para vetar os acordos costurados pela direção municipal, desde que disponham para isso de liderança suficiente. A realidade política identifica em Fernando Pimentel e em Patrus Ananias as duas fortes lideranças do PT em Minas, mas ambos são suficientemente mineiros para evitar uma discórdia que pode prejudicar o Estado. Em política os movimentos costumam fluir naturalmente. Seu axioma maior é o de que o poder é uma conquista quase natural. A última instância de decisões é o ato eleitoral. E os cidadãos costumam punir os que, em nome de suas aspirações pessoais, buscam impedir a realização da vontade majoritária.
Fonte: JB online
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