Suylan Midlei
Há até quem diga que as eleições municipais de 2008 foram marcadas prioritariamente pela despolitização ou, ainda, regadas unicamente por práticas de corrupção eleitoral. Sabemos que a discussão dos programas de governo dos candidatos não é a ação mais presente na agenda eleitoral dos pretensos representantes da população e que a conduta ilibada deles nem sempre se realiza como gostaríamos. No entanto, temos que refletir sobre a participação da sociedade organizada nesse último processo eleitoral.
Da mesma forma que o número de denúncias aumentou em relação ao pleito de 2006, guardadas as devidas proporções, uma vez que se trata de eleições distintas, sobretudo numericamente, houve nítida ampliação da participação da sociedade na fiscalização eleitoral. Trata-se de aproximadamente 400 mil candidatos para prefeito, vice-prefeito e vereador, em 2008, e cerca de 20 mil candidaturas na eleição passada. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registrou em 2008 em torno de 3 mil irregularidades nos dois turnos, incluindo prisões, enquanto em 2006 (quando foram divulgadas apenas as prisões, não o total das irregularidades ocorridas) foram computadas pouco mais de 1,3 mil detenções. Em sua maioria, referentes a boca-de-urna e à compra de votos.
Sabemos que a quantidade de denúncias e de irregularidades causa mal-estar e uma certa desesperança quanto aos rumos da política brasileira. Afinal, a sensação é a de que esse número só cresce. Mas queremos salientar o aumento de outro número: dos diversos militantes do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), organizados em comitês em todo o país. Atualmente, o MCCE, além das 37 entidades que compõem o comitê nacional, conta com mais de 260 comitês estaduais, municipais e locais em todas as unidades da Federação. Nesses aglomerados, um número sem fim de voluntários e voluntárias realiza trabalho de conscientização pelo voto livre e ações de fiscalização durante os pleitos eleitorais, levando a mensagem "voto não tem preço, tem conseqüências". Nas eleições de 2006, esse número era de aproximadamente 20 comitês. Desde o lançamento da Campanha de Combate à Corrupção Eleitoral do MCCE para as eleições de 2008, realizada em novembro de 2007, essa soma vem ampliando semanalmente. E não pára.
Não só o número, mas as ações desses voluntários e voluntárias, representantes de igrejas, associações, sindicatos, organizações não-governamentais, grêmios estudantis e outros segmentos, demonstram o aumento do interesse da sociedade civil em participar mais efetivamente do processo eleitoral, fiscalizando e denunciando as mazelas que ainda permeiam o cenário político. Foram inúmeros os disque-denúncias e plantões organizados pelos comitês do MCCE, conhecidos como Comitês 9840. O nome é uma alusão à Lei 9.840, de combate à corrupção eleitoral, fruto de um projeto de iniciativa popular que coletou mais de 1 milhão de assinaturas. Também foram muitas as palestras, encontros, seminários e oficinas para esclarecer sobre compra de votos e uso eleitoral da máquina administrativa ao longo de todo o ano.
O que estamos percebendo diante da constante procura de cidadãos e cidadãs ávidos por participar do combate à corrupção eleitoral é a queda da máxima de que a sociedade está apática. Não, a sociedade organizada está cada vez mais participante. E, agora, com o diferencial de atuar intensivamente em parceria com os poderes instituídos. O MCCE tem atuado em consonância com promotores e juízes eleitorais e também com a Polícia Federal em todo o país. Essa sintonia tem resultado no aumento da fiscalização eleitoral e na discussão sobre a importância de eleições limpas.
Outro exemplo é a campanha Eleições limpas - pelo voto livre e consciente, organizada pelo Tribunal Superior Eleitoral, em parceria com a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), uma das entidades do MCCE. Essa campanha realizou audiências públicas em todo o Brasil e contou com a participação de vários Comitês 9840, reforçando a aproximação entre Judiciário e sociedade civil.
É certo que a compra de votos e o uso eleitoral da máquina pública ainda são práticas nefastas à política brasileira. A diferença é que hoje elas contam com um batalhão de aliados e aliadas para combatê-las. Além do que, cada vez mais cai por terra a naturalização dessas práticas. As pessoas têm descoberto que corrupção eleitoral é algo que deve ser banido das nossas vidas. E isso só acontecerá com a participação da sociedade organizada.
Fonte: Correio Braziliense (DF)
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