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quarta-feira, agosto 31, 2022

O que é o sigilo de 100 anos que Bolsonaro defende




Presidente da República tem manifestado apreço pelo segredo de documentos oficiais e, alguns deles, podem ficar protegidos por um século

Por Francisco Leali (foto)

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenta colar no seu principal adversário na eleição deste ano, o presidente Jair Bolsonaro (PL), a pecha de o candidato dos “100 anos de sigilo”. Repetiu isso no primeiro confronto direto entre os dois no debate promovido na noite de domingo, 28, pela TV Bandeirantes num pool e veículos de imprensa. Ainda não se sabe se o tema tem apelo eleitoral suficiente para tirar votos de Bolsonaro, mas ajuda a expor uma marca da atual gestão do Palácio do Planalto: o apego ao segredo de documentos oficiais.

Bolsonaro não inventou o sigilo de 100 anos. Ele é previsto na Lei de Acesso à Informação (LAI). Está expresso ali que informações pessoais estão protegidas e devem permanecer guardadas por um século. É o prazo mais longo de sigilo estabelecido pela legislação. A regra surgiu como uma salvaguarda para que cada cidadão tenha seus dados pessoais preservados da bisbilhotagem alheia. Também obrigou o Estado, que detém a informação, a guardá-la, sem direito à exposição pública. Ou seja, se você já foi operado no Sistema Único de Saúde (SUS), sua ficha médica não pode vir a público. Se declara ao imposto de renda que tem salário X, esse dado é somente seu e da Receita.

Mas isso tudo se aplica ao cidadão comum. É máxima de determinar ao Estado que tem amplos poderes que há um limite, e o limite é resguardar a vida pessoal de quem quer que seja.

A regra não inclui, ou não deveria incluir, autoridades públicas. Se um pastor visita às escondidas o Palácio do Planalto, isso não pode ser mantido em segredo. E por que não pode? Porque o prédio é público e o fluxo de pessoas ali costumava ser considerado um dado público, não sigiloso. Na gestão Bolsonaro, no entanto, tentou-ser fazer segredo disso alegando que era uma informação pessoal, e, portanto, protegida por 100 anos.

Outro caso notório é o do general Eduardo Pazuello, aquele que, sem autorização do Exército, participou de uma manifestação ao lado de Bolsonaro no Rio de Janeiro. Quem pediu acesso à investigação aberta pelo Comando da Força sobre a conduta do general - o código militar proíbe participação em eventos de caráter político - levou um “não”. O Exército alegou que era um dado pessoal e, portanto, protegido por 100 anos. Talvez nossos netos venham a saber o que se passou no Comando e quais foram os argumentos da defesa do general e ex-ministro da Saúde.

Para além do segredo centenário que a administração Bolsonaro vez ou outra alega para negar acesso a alguma informação, a gestão atual do Planalto tem indicadores que expõem que o sigilo ficou mais frequente nos últimos quatro anos. Dados oficiais mostram que cresceu a proporção de pedidos negados sob a alegação de que o documento solicitado está em sigilo.

Como mostrou o Estadão, entre janeiro de 2019 e dezembro de 2021, 26,5% dos pedidos de informação negados pelo governo federal tiveram como justificativa a necessidade de sigilo da informação. A taxa é duas vezes a registrada na gestão da petista Dilma Rousseff e quatro pontos porcentuais maior do que a do governo Michel Temer (MDB).

Tudo indica que Lula e os seus devem continuar insistindo que Bolsonaro é o candidato dos 100 anos de sigilo. Bolsonaro poderá até fazer malabarismos verbais. Só não pode mais esconder que a transparência em seu governo é produto difícil de encontrar nas prateleiras.

O Estado de São Paulo

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