Ainda há mais perguntas do que respostas sobre a Ômicron, mas desde já ela é um alerta de que a pandemia não acabou
Mais da metade das capitais brasileiras anunciou o cancelamento das festas de réveillon. Muitas cidades já cancelaram o carnaval ou acionaram o sinal amarelo. São medidas prudentes, que deveriam ser imediatamente consideradas por todos os governantes, ante a ameaça da nova cepa do coronavírus, Ômicron, a primeira a ser classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como “variante de preocupação” desde a erupção da Delta, há um ano.
Neste exato momento, não há razão para pânico, mas o suspense é grande. Como disse o diretor da OMS, Tedros Adhanom, “ainda temos mais perguntas que respostas”.
A propósito da natureza da Ômicron, as duas questões principais são sobre a sua transmissibilidade e virulência. As primeiras evidências sugerem que ela se espalha rápido. Nos próximos 15 dias já se deverá ter uma noção razoavelmente precisa sobre a sua capacidade de infecção. Quanto à sua severidade, os primeiros relatos da África do Sul apontam casos leves, mas ainda são inconclusivos. A comunidade científica precisará comparar efeitos em grupos de risco, e essa avaliação pode tomar de um a dois meses.
Tampouco é possível fazer afirmações sobre a eficácia das vacinas. Desperta preocupações a alta taxa de mutações – mais de 30 na chamada proteína spike, que supostamente auxilia as partículas do vírus a invadir as células humanas e frustra os ataques dos anticorpos. Estima-se que em cerca de 10 dias as farmacêuticas terão uma noção melhor sobre a eficácia dos imunizantes.
Caso seja necessário produzir novas vacinas, as MRNA têm, em tese, mais condições de serem reeditadas rapidamente. Calcula-se algo como 100 dias. As outras podem demorar um pouco mais. Uma boa notícia, confirmada pela OMS, é que ao menos um tratamento, com corticosteroides e bloqueadores, continua eficaz contra a Ômicron. Os outros ainda estão sendo avaliados.
Enquanto essas respostas não chegam, todos precisam se precaver. Os governos de todo mundo erraram de várias maneiras em várias etapas da pandemia, mas o erro mais consistente foi agir tarde demais, quando as coisas já tinham saído do controle. A ágil atuação dos cientistas sul-africanos, as restrições aos voos e as quarentenas ganharam algum tempo para o mundo. É preciso utilizá-lo com sabedoria.
O Brasil teve alta adesão à vacinação. Mas ainda há pessoas que não tomaram a segunda dose. Além de mobilizá-las, é preciso intensificar os programas de reforços com a terceira dose. Mesmo que não tenham efeitos sobre a Ômicron, ainda são eficazes para reprimir o contágio da Delta e outras cepas.
Obviamente, é preciso reforçar as campanhas por medidas não farmacológicas (máscaras, distanciamento, trabalho remoto quando possível). O Brasil, ao contrário do desejo de seu presidente da República, deve exigir comprovante de vacinação dos estrangeiros que pretendem vir ao País. Os governos e a população precisam estar prontos para eventualmente retomar medidas restritivas nos próximos dias. De pouco adiantará cancelar grandes festejos, se aglomerações em estádios ou boates continuarem em curso.
Planos de contingência hospitalar também são cruciais. Mesmo que a Ômicron seja menos virulenta que a Delta, se for muito mais infecciosa, as hospitalizações e mortes podem aumentar.
As condições no Brasil são relativamente favoráveis. Ao contrário da Europa, às vésperas do inverno, o País entrará no verão. Mesmo na Europa, em países com taxas de vacinação similares ao Brasil, como Portugal ou Inglaterra, a nova onda tem sido caracterizada por síndromes leves. E já a Delta não provocou aqui uma terceira onda como lá.
Não é irrazoável a esperança de que a Ômicron seja só um susto. Outras variantes, como a Gama e a Lambda, se mostraram perigosas por um tempo antes de se dissiparem. Mas, como em tudo o mais com esse inimigo invisível e traiçoeiro, é preciso se preparar para o pior. Ainda que, na melhor das hipóteses, a Ômicron se mostre inofensiva, ela ainda é um poderoso lembrete de que a peste ainda não acabou – e pode piorar. Enquanto a população global não tiver atingido a imunidade de rebanho, o espectro de uma covid de nova geração ou uma Pandemia 2.0 continuará a assombrar o planeta.
O Estado de São Paulo