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terça-feira, novembro 30, 2021

Caso da tenista que denunciou assédio sexual assombra Jogos de Pequim - Editorial




Pequim será em 2022 a primeira cidade a sediar uma Olimpíada de Inverno depois de ter sediado outra de Verão, em 2008. No período, a imagem do país se transformou de potência emergente em novo império que, da telefonia 5G às baterias de carros elétricos, desafia o poderio americano. A exemplo de Moscou em 1980, paira no ar a ameaça de que os Estados Unidos boicotem de algum modo os Jogos de 2022. O motivo mais recente não tem a ver com violações de direitos humanos em Xinjiang, com Taiwan ou com a guerra comercial. Mas com a tenista Peng Shuai, ex-campeã mundial de duplas, vencedora de Wimbledon em 2013 e Roland Garros em 2014.

Peng reapareceu faz oito dias numa imagem de videoconferência ao lado do presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Thomas Bach, depois de mais de duas semanas sumida. A Associação Feminina de Tênis (WTA) tentava contato desde o último dia 2, quando um post que ela publicara na rede social Weibo desencadeou reação fulminante das autoridades. No estilo clássico da censura digital chinesa, o texto foi retirado do ar em minutos, comentários foram barrados, e todas as menções ao caso passaram a ser derrubadas na internet local.

Nos países cujos cidadãos usufruem as liberdades de expressão e informação, todos ficaram sabendo o que ela escreveu. Não denúncias típicas de dissidentes, nem críticas ao regime de partido único ou ao governo que ela já aplaudira no passado. Foi uma longa acusação, redigida em tom pessoal e a custo emocional enorme, de estupro e assédio sexual contra Zhang Gaoli, um integrante da cúpula do Partido Comunista Chinês (PCC) de mais de 70 anos, ex-vice-primeiro-ministro, que Peng afirmou tê-la violentado pelo menos duas vezes ao longo de uma década.

Enquanto a máquina chinesa de censura e propaganda tentava evitar que ela servisse de exemplo a outras vítimas de assédio no país, a repercussão no exterior foi enorme. Peng despertou solidariedade de estrelas como Serena Williams ou Naomi Osaka e a atitude resoluta da WTA, que pressionou o governo chinês por garantias à segurança e à saúde dela.

Considerando a posição tíbia da China diante das denúncias da época do movimento #MeToo, é improvável que haja maiores consequências no país. Também é improvável que qualquer boicote americano assuma a proporção do que esvaziou os Jogos de Moscou, em 1980, e gerou outro dos soviéticos nos de Los Angeles, em 1984. Mesmo um boicote diplomático — em que atletas comparecem, mas autoridades não — seria inesperado.

Ainda que a atitude de Peng tenha pouco impacto na vida das vítimas de crimes sexuais na China, ela ajudou a expor a brutalidade da ditadura comunista. Mostrou que sediar eventos internacionais de envergadura em nada contribui para moderar o regime. Além disso, as trapalhadas dos veículos oficiais de comunicação para explicar o sumiço revelam a dificuldade da China para lidar com a pressão internacional que floresce nos ambientes onde a informação circula com liberdade.

O Globo

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