País é considerado um dos principais destinos para a prática do turismo sexual no mundo. Investir na capacitação de profissionais da área para lidar com esse crime é, atualmente, uma das prioridades do Ministério do Turismo
Por André Campos
À frente do Ministério do Turismo (Mtur) desde o dia 23 de março, a sexóloga e ex-prefeita de São Paulo, Marta Suplicy (PT), prometeu, logo durante a cerimônia de transmissão de cargo, que o enfrentamento ao turismo voltado ao sexo pago será uma das prioridades de sua gestão. "Combaterei com todas as minhas forças o turismo sexual e todas as formas de exploração", disse ela em seu discurso de posse. "Esse tipo de turista não queremos aqui, e, de preferência, atrás das grades."
O debate em torno do tema ganhou força no dia 27 de março, quando o vereador da cidade de São Paulo, Agnaldo Timóteo (PR), disse as seguintes palavras na Câmara Municipal: "Agora assume a Marta Suplicy e a primeira proposta é para acabar com o tal turismo sexual. Pelo amor de Deus, vai prender um turista que levou pro motel uma menina de 16 anos? As meninas com um popozão e os peitos desse tamanho, rodando bolsinha na rua, aí o turista passa a ripa. Tenha piedade!"
Apesar de não existirem dados conclusivos sobre o assunto, há evidências que apontam para uma incidência arraigada do turismo sexual em diversas cidades brasileiras - e para uma forte relação entre turismo e exploração sexual de jovens no Brasil. Estimativas do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) indicam que, a cada ano, aproximadamente um milhão de crianças entram para o mercado do sexo no mundo. Desse total, cerca de 10% estariam distribuídos entre Brasil, Filipinas e Taiwan - países que estão, reconhecidamente, entre os principais destinos internacionais para a prática do turismo sexual.
Além disso, um mapeamento da Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH) da Presidência da República, lançado em janeiro de 2005, registrou a existência de exploração sexual comercial de crianças e adolescentes em 937 municípios brasileiros. Entre eles, segundo dados compilados pelo Ministério do Turismo, há 398 que são considerados destinos turísticos.
Maria Lúcia Leal, coordenadora do Grupo Violes - ligado à Universidade de Brasília (UnB) e dedicado a estudos sobre violência sexual - foi uma das pesquisadoras a participar do mapeamento apresentado pela SEDH. De acordo com ela, ainda há dados insuficientes sobre o tema, tanto no que diz respeito à quantidade de pessoas submetidas a esse tipo de exploração quanto ao total dos que estariam envolvidos no mundo do turismo sexual.
"Há uma relação íntima entre a pobreza social e a exploração sexual de crianças e adolescentes", diz a pesquisadora. Ela afirma ainda que o investimento em turismo, apesar de gerar empregos e renda, também fortalecem relações perversas. "Não sabemos se programas como, por exemplo, o Bolsa Família, atingem as vítimas da exploração sexual. Os programas de geração e distribuição de renda, se bem geridos, poderiam ajudar a erradicar essa realidade."
Para Maria Lúcia, outra iniciativa necessária é a municipalização das políticas de enfrentamento a esse tipo de crime - algo que poderia fortalecer o contato com a população e redes locais. "Isso pode ser feito criando estruturas para que os municípios possam acolher as vítimas, conhecê-las e contribuir na sua ressocialização."
Turismo e infânciaAtualmente, a principal frente de atuação do Ministério do Turismo no combate ao turismo sexual é a capacitação de profissionais que trabalham no ramo para identificar e denunciar esse tipo de crime. Trata-se do Programa Turismo Sexual e Infância, uma parceria entre o Mtur e o Centro de Excelência em Turismo da UnB (CET/UnB). Segundo Elisângela Machado, coordenadora de projetos do CET, o programa já esteve em mais de 50 cidades brasileiras, atingindo aproximadamente 12 mil pessoas - incluindo, entre outros, funcionários da rede hoteleira, guias turísticos e taxistas.
Elisângela afirma que há um grande conformismo por parte de profissionais que trabalham no turismo em relação à exploração sexual de crianças e adolescentes - algo que acaba levando à aceitação desse crime dentro de hotéis e outros espaços turísticos. "Através do programa, tentamos mostrar que quem consente está, na verdade, participando de uma rede criminosa."
Maria Carolina da Silva, assessora da Visão Mundial - ONG internacional que tem realizado campanhas de combate ao turismo sexual no Brasil - acredita que o Ministério do Turismo, agora encabeçado por Marta Suplcy, deve continuar atuando na linha da prevenção, "para estimular a denúncia, mas, sobretudo, para divulgar que o Brasil é um país que tem belas atrações a oferecer - mas que entre elas não estão nossas crianças e adolescentes."
Ela lembra que, há não muito tempo atrás, muitas das propagandas sobre turismo divulgadas pelo próprio governo vendiam a imagem do Brasil como o país permissivo, com publicidade cheia de corpos seminus em biquínis ou fantasias de carnaval. Para ela, no entanto, essa situação tem mudado bastante. "As últimas campanhas têm anunciado as belezas e a cultura brasileiras, bem como o conceito de um país que não tolera a exploração sexual", acredita.
Maria Carolina ressalta, contudo, que a impunidade em relação a crimes relacionados ao turismo sexual permanece muito grande. "Principalmente porque a exploração de crianças continua sendo vista como algo menor potencial ofensivo quando comparado a outros crimes."
Colaborou Beatriz Camargo
Fonte: Reporte Brasil
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