Stephani Bastos considera correta a relutância do Exército em fazer papel de polícia
BRASÍLIA - As Forças Armadas brasileiras vivem hoje uma crise de identidade e são lideradas por um governo que atua com revanchismo e ainda não esqueceu o período do governo militar, na opinião do pesquisador de Assuntos Militares da Universidade Federal de Juiz de Fora, Expedito Carlos Stephani Bastos, editor de um site especializado em Defesa e um dos maiores estudiosos do tema no País.
Mas ele não acredita que o desdobramento será “tão grave como foi em 64”, quando um golpe resultou num governo militar que só acabou em 1985. “A situação hoje é totalmente diferente”, afirmou em entrevista à BBC Brasil.
A principal diferença, na avaliação dele, é que embora as ações dos controladores de vôo tenham afetado um grande número de pessoas, hoje não existe clima político nem apoio internacional para um golpe militar, como aconteceu em 1964, quando o mundo vivia sob a influência da guerra fria.
O que preocupa, na avaliação dele, é uma reação justamente a partir do enfraquecimento das Forças Armadas. “O risco é eles se enfraquecerem ainda mais, racharem e começarem a aceitar papéis que não lhes cabem”, diz.
Um exemplo, afirma, é o patrulhamento policial no Rio de Janeiro, que ele define como “pirotecnia”. Stephani Bastos considera correta a relutância do Exército em fazer papel de polícia, mas diz que é exatamente isso o que os militares brasileiros estão fazendo no Haiti. “O que estamos fazendo no Haiti? Estamos fazendo papel de polícia, combatendo gangues similares às que temos aqui”, compara.
A crise de identidade dos militares, na avaliação do pesquisador, vem da falta de um inimigo claro, para uma Força que foi criada no modelo da guerra fria.
“O dia em que a ideologia acabou, eles ficaram sem inimigo. Hoje estão querendo arranjar inimigo para eles, que podem ser os movimentos sociais, ou este problema no Rio de Janeiro”, afirmou Stephani Bastos. “Existe um risco de radicalização de ações como estas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), e não se sabe qual pode ser a reação a elas”, afirma.
Redefinição de papéis
A redefinição do papel das Forças Armadas no novo cenário internacional, diz ele, é o primeiro passo para separar as atividades civis daquelas que devem ser exclusivamente militares.
Ele acha que o golpe de 64 e a ditadura que se seguiu ainda estão presentes no governo brasileiro, no momento exercido pelas forças que eram oposição naquela época. “Ainda há um resquício dos dois lados, tanto dos que ganharam quando os que perderam. Temos que perder este ranço de revanchismo”, afirma o pesquisador.
A falta de poder do Ministério da Defesa, que ele considera “um calo nas Forças Armadas” é um sinal de que o governo não se dispôs a encarar a situação de frente, na avaliação do pesquisador.
“Nenhum ministro até hoje conseguiu dar ao Ministério a dimensão que ele deveria ter”, diz. “É preciso ter um ministro que entenda do assunto e possa realmente comandar todas as Forças militares.”
Stephani Bastos critica a solução dada à crise dos controladores aéreos, que tiveram suas reivindicações atendidas como numa negociação sindical. “Militar não pode fazer motim”, afirma.
Existe também nas Forças Armadas, diz Stephani Bastos, um descontentamento salarial e entre os comandantes de menor ranking uma insatisfação com a falta de perspectiva de chegarem ao oficialato.
Armamento na América do Sul
Stephani Bastos alerta que o governo brasileiro deveria estar mais atento às compras de armas anunciadas por vários países vizinhos. “Não diria que já tem uma corrida armamentista na região, mas se deixarem para os próximos anos, em dez anos estamos perdendo pelo menos para três países: Colômbia, Chile e Venezuela”, avalia.
Ele diz que o governo deveria se preocupar especialmente com a Venezuela, que além de caças russos está comprando 100 mil fuzis Kalashnikov para distribuir aos civis.
“Ele pode armas pessoas aqui no Brasil. Ele pode armar garimpeiros, ele pode armar índio, ele pode armar movimento social. Ele pode trazer para bandidos, tipo Marcola. Eu acho que existe este risco. Isso é preocupante”, afirma.
“Está faltando a nossa visão estratégica de longo prazo. Não temos uma política de Estado, temos uma política de governo que é renovada de quatro em quatro anos. Não temos um projeto de País a longo prazo”, critica.
O Brasil deveria, na avaliação dele, se portar como líder que pretende ser. “Nós somos vistos como potência, mas não nos comportamos como tal”, afirma. “Para isso, é preciso uma tríade de poder político, militar e econômico. No momento não estamos exercendo nenhum dos três”, avalia.
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