terça-feira, dezembro 16, 2025

Artigo 253-A, do Código de Trânsito Brasileiro

 

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Artigo 253-A, do Código de Trânsito Brasileiro

Usar qualquer veículo para, deliberadamente, interromper, restringir ou perturbar a circulação na via.

Em 2015, diante das três grandes interrupções no transporte de cargas nas rodovias brasileiras, foi proposta a Medida Provisória 699/2015, que alterava o Código de Trânsito Brasileiro, inserindo o artigo 253-A ao rol de infrações de trânsito, tipificando especificamente o ato de utilizar o veículo para interromper, restringir ou perturbar a circulação na via sem a autorização da autoridade de trânsito competente.

A justificativa foi de que [1] “Ao instituir essa nova infração, a proposta visa promover desincentivo à prática intencional de ações que ocasionem prejuízos a uma municipalidade ou região, ou prejudiquem as relações comerciais regionais ou internacionais, cuja efetivação envolva o transporte de bens pelas vias terrestres brasileiras.”

Essa Medida Provisória foi convertida na Lei 13.281 e a tipificação contida no artigo 253-A foi definitivamente incluída no Código de Trânsito Brasileiro.

Trata-se de uma infração de natureza gravíssima, com multas no valor de R$ 5.869,40 (cinco mil oitocentos e sessenta e nove reais, quarenta centavos) para o condutor que participar da interrupção da circulação na via, além da suspensão do direito de dirigir por 12 meses, podendo chegar a R$ 17.608,20 (dezessete mil seiscentos e oito reais, vinte centavos) para os organizadores do evento, podendo em ambos os casos serem aplicadas as multas em dobro, no caso de reincidência no período de 12 meses.

Muito se questionou a respeito da legalidade desse artigo de infração, pois, no caso de paralisações, greves ou manifestações populares, o dispositivo vai contra o direito da livre manifestação do pensamento, assim garantida em nossa constituição:

Art. 5º, § IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
Art. 5º, § XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente.
Art. § XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar. (grifos meus)

A ilegalidade, mais especificamente, estaria estampada pela violação ao artigo 220, da Constituição Federal:

Art. 220 – A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição. (grifos meus)

, observado o disposto nesta Constituição o.

Diante dessa condição, é possível concluir que o artigo 253-A deve ser considerado inconstitucional, pois na prática, como a própria exposição de motivos para a MP 699 trouxe, a infração representaria o desincentivo à pratica dessas manifestações.

E esse tem sido o principal argumento para o cancelamento das multas aos manifestantes, especialmente nas recentes paralisações de rodovias por caminhoneiros, nas quais somente em dezembro de 2022, foram autuados mais de 20.000 caminhões.

Mas essa multa é inconstitucional? Esse argumento é suficientemente forte para cancelar essas penalidades de multa?

Não, não é.

Ouso dizer que TODOS os recursos que se fundamentem exclusivamente na inconstitucionalidade da penalidade, está fadado a ser indeferido e a multa mantida!

Primeiramente, porque sendo o Código de Trânsito Brasileiro uma Lei Nacional, para que o artigo 253-A seja considerado inconstitucional deve existir uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, onde, pelo voto da maioria absoluta dos membros do STF, o artigo seria declarado contrário às normas da Constituição Federal e retirado do ordenamento jurídico.

Segundo, porque é licito ao legislador dispensar tratamentos mais ou menos gravosos a comportamentos que interfiram no interesse público, já que o direito pessoal não se sobrepõe ao direito da coletividade.

E esse é justamente o motivo que levou o legislador a criar o Art. 253-A, o interesse na ordem pública e no direito coletivo dos cidadãos, especialmente voltado para as vias de trânsito.

Nesse passo, ainda que o direito à livre manifestação e à reunião pacífica seja um direito constitucional, ele não pode interferir no direito de locomoção, ao direito de ir e vir e ao direito ao exercício do trabalho dos demais cidadãos.

Art. 5º, XIII - e livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
Art. 5º, XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens. (grifos meus)

Sempre que um grupo de manifestantes utilizar veículos automotores para causar restrições à locomoção pelas vias de trânsito, prejudicando o direito de ir e vir de outros motoristas, impedindo que trabalhadores cheguem ao seu serviço, impedindo o trânsito de bens e mercadorias essenciais à coletividade, é possível puni-los com as multas previstas no artigo 253-A.

COMO SE DEFENDER DESSE TIPO DE MULTA?


A conclusão de que o Art. 253-A não é inconstitucional não significa dizer que não há defesa contra esse tipo de penalidade.

Apesar de ser uma ferramenta de desestímulo às manifestações, trata-se de uma multa de trânsito como outra qualquer, ou seja, deve seguir todas as regras estabelecidas no Código de Trânsito Brasileiro, como a dupla notificação obrigatória, a possibilidade de apresentação do condutor infrator, o direito de recorrer em duas instâncias contra a penalidade.

Havendo falhas no processo administrativo, a multa deve ser cancelada pela Autoridade de Trânsito ou pela JARI, como qualquer outra.

Mas, para melhor analisar as possibilidades de cancelamento, primeiramente devemos entender exatamente

Art. 253-A. Usar qualquer veículo para, deliberadamente, interromper, restringir ou perturbar a circulação na via sem autorização do órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre ela:

A primeira característica dessa infração é que se trata de um artigo do tipo misto, ou seja, em um único texto o legislador elegeu diversas condutas infratoras.

Para entender, basta dividir o texto do artigo, separando-o sempre que houver a previsão de uma infração:

Art. 253-A. Usar qualquer veículo para, deliberadamente, (1) interromper(2) restringir ou (3) perturbar a circulação na via sem autorização do órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre ela:

São, portanto, 3 (três) condutas infratoras dentro do mesmo artigo, cabendo ao agente fiscalizador preencher o auto de infração de acordo com a conduta observada, não podendo o auto de infração ser preenchido de forma genérica.

Cada conduta, portanto, possui uma tipificação específica e um código de enquadramento único. Logo, se a tipificação da conduta divergir do código de enquadramento, esse erro formal que conduz à nulidade do processo administrativo, com base no artigo 281, do Código de Trânsito Brasileiro:

Art. 281. A autoridade de trânsito, na esfera da competência estabelecida neste Código e dentro de sua circunscrição, julgará a consistência do auto de infração e aplicará a penalidade cabível.
Parágrafo único. O auto de infração será arquivado e seu registro julgado insubsistente:
I - se considerado inconsistente ou irregular;

Para definir a qual tipo legal pertence a conduta praticada, mister analisar cada uma das tipificações contidas no Art. 253-A, começando pelo local onde pode ser caracterizada a infração.

O artigo se refere a condutas praticadas com (qualquer) veículo, com a intensão de causar restrições, impedimentos ou perturbações à circulação na VIA, ou seja, ocorre em toda a superfície por onde transitam veículos, pessoas ou animais, compreendendo desde a calçada, a pista de rolamento, o acostamento e o canteiro central.

Assim, além de nominar a conduta infratora, cabe ao agente fiscalizador dizer em “qual” parte da via a infração foi praticada, já que, conforme veremos a seguir, dependendo do local muda a tipificação da infração.

A conduta de INTERROMPER significa que o condutor utilizou o veículo para paralisar completamente o trânsito pela via, desde a calçada ou acostamento até o canteiro central, no caso de pista dupla ou até a outra calçada ou acostamento, no caso de pista simples.

Para a aplicação da penalidade, portanto, deve o veículo ter a capacidade para causar tal interrupção.

Uma bicicleta, uma motocicleta ou mesmo um veículo automotor que não se enquadre nas categorias C, D ou E, ainda que colocados sobre a pista de rolamento, não terão a capacidade de interromper a circulação pela via, sendo uma conduta atípica o enquadramento nessa conduta infratora.

O Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito, Resolução 985, editado pelo CONTRAN, traz o mesmo entendimento:

Quando Autuar: Veículo ou combinação de veículos usado (s) para, deliberadamente, interromper totalmente a circulação da via, em pelo menos um dos sentidos de tráfego, sem autorização do órgão com circunscrição sobre a via. (grifos meus)

A conduta de RESTRINGIR encontra parâmetros na utilização do veículo para limitar, diminuir o fluxo da via ou mesmo delimitar qual veículo poderá passar por aquele local e qual veículo será impedido.

É o caso, por exemplo, de pistas que contenham duas faixas direcionais, onde o condutor utiliza seu veículo para obstruir a passagem de apenas uma das faixas, restringindo parcialmente o trânsito de veículos ou de pedestres.

Por fim, PERTURBAR significa causar incômodos ou inconvenientes, desordens ou desiquilíbrios ao trânsito de veículos e pedestres que continuam transitando sobre a via.

Nesse caso, o condutor utiliza o veículo para trazer dificuldades de locomoção aos demais usuários da via, colocando-o parcialmente sobre a calçada ou parcialmente sobre o acostamento, estacionando-o de forma aglomerada a outros veículos nas áreas de acostamento ou simplesmente transitando em velocidade anormalmente reduzida, no intuito de causar um congestionamento sobre a via.

Se a conduta observada pelo agente fiscalizador divergir de seu enquadramento, haverá a inconsistência no auto de infração, cabendo à autoridade de trânsito arquivar o processo administrativo, afastando a penalidade.

INFRAÇÃO COMETIDA DE FORMA DOLOSA


É certo que as infrações de trânsito, por serem penalidades administrativas, não necessitam a comprovação do DOLO (vontade livre e consciente) para que sejam aplicadas, bastando que ocorra a conduta tipificada como infração.

Entretanto, o próprio Código de Trânsito Brasileiro consagra algumas exceções a essa regra, como no caso do Art. 175, por utilizar o veículo para exibicionismo, sendo que, ausente a intenção da exibição, não há o fato gerador da infração.

Da mesma forma, o Art. 253-A.

O fato gerador da infração não é o ato em si, de interromper, restringir ou perturbar a circulação na via e sim a intensão de cometer essas obstruções de forma a prejudicar o trânsito pela via.

Caso contrário, até mesmo um acidente de trânsito onde ocorra uma das situações previstas no texto do Art. 253-A, conferiria ao agente fiscalizador a possibilidade de autuar o condutor.

De idêntica forma, um grupo de ciclistas que decidam pedalar pelas vias e que, em determinado momento tenham que adentrar à pista de rolamento em decorrência da má conservação dos acostamentos, estariam sujeitos à autuação.

Ou um grupo de motociclistas, todos proprietários da famosa Harley Davidson, se dirigindo a um encontro de “Harleyros”, poderiam ser autuados por conduzir suas “bikes” em grupos, perturbando o trânsito dos demais veículos.

Igualmente, os caminhoneiros surpreendidos pelos bloqueios da via ou pelos manifestantes sobre a pista de rolamento, sem ter como prosseguir viagem, ainda que seus caminhões estejam parados junto à manifestação, não podem ser autuados nas condutas previstas pelo Art. 253-A, posto que o bloqueio foi o que causou a interrupção da circulação de todos os veículos.

O texto do artigo, ao mencionar a palavra “DELIBERADAMENTE”, impôs a existência do DOLO ao cometimento da infração, que somente ocorre quando a interrupção, a restrição ou perturbação à circulação na via for realizada de forma premeditada, intencional, proposital, na certeza de que o ato irá causar prejuízos à circulação dos demais usuários da via.

Não havendo, pois, o DOLO, não há como incursionar o condutor no Art. 253-A, devendo o agente fiscalizador eleger qual é a infração mais adequada à situação observada, como por exemplo, estacionar no acostamento, estacionar ou parar sobre a pista de rolamento ou simplesmente bloqueando a via.

JUIZADO ESPECIAL. FAZENDA PÚBLICA. AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO. AUTO DE INFRAÇÃO. NULIDADE. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. 1. [...] 7. O art. 253-A, do CTB, tipifica a conduta de usar qualquer veículo para, deliberadamente, interromper, restringir ou perturbar a circulação na via sem autorização do órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre ela. Sobressai da conduta subjacente a este processo a ausência de correlação com o dispositivo legal em questão. Isso porque, não teria como o autor/recorrente interromper, restringir ou perturbar a circulação na via, já que ela se encontrava bloqueada, do que decorre a nulidade do auto de infração GE01083151. 8. Por fim, destaco a necessidade da estrita legalidade, na qual deve se embasar a atuação administrativa, realizando autuações de trânsito na exata medida entre a conduta praticada e o prescrito na legislação, em respeito à taxatividade, considerando as consequências negativas à esfera do administrado. 9. [...] (TJ-DF 07489306120188070016 DF 0748930-61.2018.8.07.0016, Relator: EDILSON ENEDINO DAS CHAGAS, Data de Julgamento: 24/04/2020, Primeira Turma Recursal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 18/05/2020 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)

Conclui-se, portanto, que o artigo 253-A não é inconstitucional, mas para ser aplicado, necessita cumprir alguns requisitos do Fato Gerador, como individualização da penalidade, na correta tipificação da conduta infratora, além da comprovação da vontade deliberada do condutor em utilizar o seu veiculo como forma de causar a interrupção, restrição ou perturbação da circulação na via, sem autorização da autoridade competente.

https://www.jusbrasil.com.br/artigos/artigo-253-a-do-codigo-de-transito-brasileiro/1772219599


[1] MP 699 9, de 10 de novembro de 2015. D.O.U. DE 11/11/2015, P. 1 - Exposição da motivos.

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