Jesus Cristo é visto como ser humano e como ser divino
Reinaldo José Lopes
Folha
É óbvio que muita coisa aconteceu entre a primeira formulação clara do monoteísmo judaico (um só Deus) no fim do exílio na Babilônia (séculos 6º a.C. e 5º a.C.) e o ministério público de Jesus até mais ou menos o ano 30 d.C.
Mas talvez seja possível resumir esses séculos todos citando dois fatores: 1) a continuidade do domínio imperial sobre a comunidade judaica; 2) a frustração das expectativas proféticas.
TERRA OCUPADA – Ao longo de 500 anos, o antigo território israelita ficou sob domínio persa, depois se submeteu ao conquistador macedônio Alexandre, o Grande e passou os séculos seguintes sendo disputado por duas dinastias de seus sucessores, sediadas no Egito e na Síria, até cair, por fim, nas garras de Roma.
Uma forma tênue de independência política judaica existiu por menos de um século (de 141 a.C. a 63 a.C.) quando a família sacerdotal dos Asmoneus ou Macabeus organizou uma revolta bem-sucedida, mas isso já era memória distante quando Jesus nasceu.
Textos tardios da Bíblia Hebraica e outros que não entraram em seu cânone (a lista de livros bíblicos oficiais) continuavam a ser produzidos. Eram obras que tinham de lidar com o fato de que as promessas de paz perpétua e universal e da restauração do trono do rei David, feitas pelos profetas mais antigos, não tinham se realizado.
FÉ JUDAICA – Os judeus estavam cada vez mais integrados a um mundo cosmopolita de língua grega que, em muitos casos, enxergava com desprezo e hostilidade sua fé ancestral. Uma das reações foi a criação da linguagem apocalíptica (em grego, “Revelação”).
Com cenas aparentemente fantasiosas que o saudoso Dale Martin, professor de Novo Testamento da Universidade Yale (EUA), já comparou a “Star Wars”, as narrativas apocalípticas apresentam uma linguagem cifrada e simbólica sobre a conflagração cósmica definitiva entre a luz e as trevas.
Seu grande exemplo na Bíblia Hebraica é o livro de Daniel, provavelmente escrito no início da revolta dos Macabeus.
DRAGÕES E BATALHAS – Além do simbolismo exuberante, com monstros, dragões e grandes batalhas, os textos apocalípticos se caracterizam também pela presença de seres benfazejos e poderosos, intermediários entre Deus e o povo perseguido de Israel.
Muitos deles são anjos, que recebem de Iahweh (agora quase sempre chamado de “o Senhor”) uma posição semelhante à de vice-rei ou segundo em comando. Mas o livro de Daniel introduz uma figura mais misteriosa, “um Filho de Homem”, que receberia das mãos de Deus o poder supremo e um reino eterno no fim dos tempos. “Filho de Homem”, na tradição hebraica, significava originalmente apenas “ser humano”.
Mas a expressão fomentou em alguns círculos judaicos a ideia de que se tratava de outra classe de ser sobrenatural vindouro. E passaria a designar o próprio Jesus.