Publicado em 22 de dezembro de 2025 por Tribuna da Internet

Ministro Edson Fachin avança em código de ética
Malu Gaspar
O Globo
Os ex-presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF) Ayres Britto, Carlos Velloso, Celso de Mello, Marco Aurélio Mello e Rosa Weber defenderam em entrevista ao blog os esforços do atual presidente do Supremo, ministro Edson Fachin, de implantar um código de conduta para a Corte e tribunais superiores. Na avaliação dos cinco, a medida fortalece a magistratura e reforça o princípio da transparência, que deve nortear a administração pública.
Na opinião de Celso de Mello, a implantação de um código de conduta é “moralmente necessária” e “institucionalmente urgente”. Para Marco Aurélio Mello, o “exemplo vem de cima”. Ayres Britto diz que a iniciativa de Fachin é “louvável”. Rosa Weber a define como medida “da mais alta relevância para a credibilidade do Poder Judiciário”.
TRANSPARÊNCIA – Preocupado com a imagem do Judiciário brasileiro perante a opinião pública, Fachin tem avaliado a adoção de medidas para aumentar a transparência dos magistrados, como a divulgação dos cachês recebidos ao participar de palestras, seminários e fóruns jurídicos no Brasil e no exterior.
Uma de suas inspirações é o modelo do Tribunal Constitucional da Alemanha, que obriga os ministros a divulgarem cachês de palestras e impõe limites à participação em eventos.
Mas o código enfrenta resistência de uma ala do STF, especialmente dos ministros que costumam frequentar eventos no Brasil e no exterior patrocinados por empresários – e não veem problemas em ocultar a divulgação de agendas, pegar caronas em jatinhos e não esclarecer quem bancou as despesas.
DEMOCRACIA – “Estou absolutamente engajada [na discussão do código] e a apoiar o movimento que reputo da mais alta relevância para a credibilidade do Poder Judiciário e o fortalecimento da democracia constitucional em nosso país”, afirmou ao blog Rosa Weber.
Rosa foi indicada ao STF por Dilma Rousseff em 2011 e comandou o julgamento no plenário dos primeiros manifestantes condenados por envolvimento no 8 de Janeiro. Sua gestão foi marcada pela reconstrução do STF, a sede de poder mais vilipendiada naquela data.
Para Ayres Britto, “toda hora é boa, propícia e conveniente e necessária para reforçar a exigência de reputação ilibada dos ministros do STF e dos tribunais superiores”. “A transparência da atuação é exigência natural numa República, principalmente no âmbito da administração pública.”, disse Ayres Britto.
COERÊNCIA – Indicado ao STF pelo presidente Lula em 2003, Ayres Britto comandou o Supremo em 2012, conduzindo julgamentos históricos, como o do mensalão e o das cotas raciais em universidades públicas. Para o ex-presidente do STF, a iniciativa de Fachin é “coerente com a Constituição” e “deve ser aplaudida e prestigiada”.
“É preciso reputação ilibada, irretocável, sem mancha, sem nódoa para entrar [para ingressar no STF, conforme exigido pela Constituição] e para permanecer no tribunal”, acrescentou Ayres Britto.
“Numa República não há espaço para o mistério. Há espaço para a publicidade, para a visibilidade, para a transparência, para o desnudamento da atuação do colegiado e de cada ministro individualmente. República significa exatamente coisa pública, de todos, e não coisa escondida, camuflada.”
VISIBILIDADE – O ex-presidente do STF Carlos Velloso concorda. “O juiz deve marcar os seus atos pela ética e pela moral. Deve dignificar e fazer cada vez mais respeitado o cargo que ocupa, que não é seu, mas da República. A transparência de seus atos, portanto, é muito importante”.
Indicado ao STF por Fernando Collor de Mello em 1990, Velloso iniciou o projeto de implantação das urnas eletrônicas no período em que presidiu o Tribunal Superior Eleitoral.
Na opinião de Marco Aurélio Mello, também indicado por Collor ao STF, a transparência é “a medula da administração pública”. “É o que permite, a partir de uma imprensa livre, o acompanhamento pelos contribuintes. Em tempos estranhos como os atuais, urge um código de ética, valendo notar que exemplo vem de cima. Meus cumprimentos ao autor da ideia, ministro Edson Fachin. Se lá estivesse, o acompanharia”, disse Marco Aurélio, responsável pela criação da TV Justiça, que permite o acompanhamento ao vivo das sessões plenárias do STF.
AMPLO APOIO – Para Celso de Mello, a proposta de Fachin de implantar um código de conduta merece “amplo apoio”. “Trata-se de medida de Estado, moralmente necessária e institucionalmente urgente”, afirmou. “Em democracias consolidadas, a confiança na Justiça exige não apenas juízes honestos, mas regras claras, que impeçam qualquer aparência de favorecimento, dependência ou proximidade indevida com interesses privados e governamentais.”
Para Celso de Mello, a “ética judicial deve estar visível, escrita e aberta ao escrutínio da sociedade”. Indicado ao STF por José Sarney em 1989, Celso foi autor de votos e decisões que marcaram a história da Corte, como o da criminalização da homofobia e da transfobia e o que determinou a divulgação de uma reunião ministerial de Jair Bolsonaro, apontada pelo ex-ministro Sergio Moro como prova de interferência do então presidente na Polícia Federal.
“O Brasil pode — e deve — inspirar-se nesses modelos, notadamente no do Tribunal Constitucional Federal alemão. No caso do STF e dos tribunais superiores, um código de conduta não reduz a independência dos ministros; ao contrário, protege-a, afastando suspeitas, prevenindo constrangimentos e fortalecendo a autoridade moral das decisões da Corte”, disse Celso de Mello.
EXEMPLO ALEMÃO – O ex-presidente do STF destaca que o código alemão impõe restrições severas ao recebimento de presentes, benefícios ou vantagens oferecidas por terceiros, “marcado por uma cultura institucional preventiva”.
O texto alemão prevê, por exemplo, que os juízes podem aceitar a remuneração por palestras, “somente na medida em que isso não prejudique a reputação do tribunal e não suscite dúvidas quanto à independência, imparcialidade, neutralidade e integridade de seus membros”.
Também estabelece que os juízes devem divulgar qualquer rendimento recebido para participar dessas agendas – e permite que o organizador dos eventos faça a restituição “de despesas razoáveis de viagem, hospedagem e alimentação”, mas não fixa limites.
CONFIANÇA PÚBLICA – “Em tempos de desinformação, polarização e descrédito institucional, a transparência é virtude que reforça os pilares republicanos. Não basta ser imparcial — é preciso ser imparcial e também parecer imparcial! A Justiça não se sustenta no prestígio pessoal de seus julgadores, mas na confiança pública que inspira”, ressaltou Celso de Mello.
Procurados pelo blog, Luís Roberto Barroso,Ricardo Lewandowski e Nelson Jobim não se manifestaram.