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quinta-feira, junho 30, 2022

Diferença capital




Escandalosa a festa oferecida por Arthur Lira a Gilmar Mendes

Por Hélio Schwartsman    

Que me perdoe Oscar Niemeyer, mas sábios são os bolivianos e os sul-africanos.

Alguns países, como os dois mencionados, têm mais de uma capital. É que eles colocam em diferentes cidades as sedes de diferentes Poderes. Assim, o Executivo e o Legislativo bolivianos funcionam em La Paz, enquanto o Judiciário está lotado em Sucre. No caso da África do Sul, a divisão é ainda mais singularizada. O Executivo está sediado em Pretória, o Legislativo, na Cidade do Cabo, e o Judiciário, em Bloemfontein.

Esse arranjo não serve apenas para confundir crianças que gostam de decorar as capitais dos países. Ele se presta também, ainda que essa não tenha sido a intenção original, a preservar um pouco a independência do Judiciário. Nós falamos em três Poderes como se eles fossem idênticos em atribuições e devessem operar ombro a ombro. A realidade, porém, é mais complexa.

Penso até que os sul-africanos exageram. Executivo e Legislativo devem estar próximos. É bom que governantes e parlamentares convivam bastante. Há autores que ligam a superpolarização política nos EUA ao fato de que os congressistas deixaram de mudar para Washington, preferindo manter suas famílias nos estados e voltar para lá nos fins de semana. Com isso, democratas e republicanos pararam de frequentar os mesmos lugares e ver seus filhos brincarem juntos. As interações sociais desapareceram e só ficaram as diferenças ideológicas.

O Judiciário opera sob outra lógica. Esse Poder, não eleito, atua como árbitro final em situações de conflito, quando provocado. Ele deve julgar tecnicamente. O ideal seria que os julgadores nem conhecessem aqueles cujos atos poderão julgar. Não deveriam em nenhuma hipótese frequentar os mesmos círculos sociais. Mantê-los em cidades diferentes é uma providência sensata.

Tudo isso foi para dizer que é escandalosa a festa oferecida pelo presidente da Câmara ao ministro Gilmar Mendes do STF.

Folha de São Paulo

***

Distrações temporárias

Presidente recorre a medidas temporárias e aborto para contornar mal-estar com economia

Por Bruno Boghossian

Aconselhado por um marqueteiro, Jair Bolsonaro ajustou o discurso para tentar melhorar seus índices entre os eleitores de baixa renda. Num evento em Maceió, ele citou realizações do governo, disse ter "um olhar especial para os mais humildes" e repetiu a promessa de aumentar o Auxílio Brasil para R$ 600.

O antigo personagem não ficou para trás. Após listar "coisas materiais", o presidente encerrou o discurso falando de "coisas imateriais, que têm a ver com nosso espírito". Arrancou aplausos ao se dizer contra o aborto, a liberação das drogas e o que chamou de ideologia de gênero.

Bolsonaro precisa que os brasileiros mais pobres esqueçam que ficaram mais pobres —pelo menos até outubro. Por um lado, o governo fabrica medidas temporárias para aliviar o peso da inflação sobre a população mais vulnerável. É o caso do Vale Gás turbinado e do bônus pago aos beneficiários do Auxílio Brasil, que só valem até o fim de 2022.

Em outra frente, Bolsonaro segue uma rota conservadora para contornar o mal-estar com a economia. Ele recorreu a essa caixa de ferramentas na quinta-feira (23), assim que foram divulgados os números da última pesquisa do Datafolha. Em menos de quatro horas, Bolsonaro fez dez publicações críticas ao aborto realizado por uma menina de 11 anos em Santa Catarina.

O assunto é um conhecido artifício de Bolsonaro para agitar o eleitorado evangélico, mas ressoa além das paredes dos templos. A proibição total do aborto tem apoio maior na população mais pobre, que recebe até dois salários mínimos por mês: 39% são contra a interrupção voluntária da gravidez. Esse índice fica em 24% na faixa seguinte e cai para 17% entre os brasileiros que ganham mais de cinco salários.

O presidente quer convencer o eleitorado de que a economia não é a única questão em jogo nas urnas. Por isso, ele deve levar ao palanque temas da agenda conservadora, da segurança pública e até da corrupção, apesar dos efeitos incertos da prisão do ex-ministro Milton Ribeiro

Folha de São Paulo

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