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segunda-feira, maio 30, 2022

Campos de detenção: Técnica utilizada após a Segunda Guerra Mundial ressurgiu, agora na Ucrânia




Foi através de Barcelona, uma Pastor Australiano, que se ficou a conhecer a história de Anzhelika Todorashko nas redes sociais. Todorashko e a sua cadela estão, desde o início de março, em Portugal. Foram acolhidas por Márcia d’Orey, antiga bailarina e maquilhadora, conhecida no Instagram pelo nome minniemars. A 6 de março, através da conta de Barcelona, Anzhelika Todorashko escreveu que a família de Márcia tinha acolhido “nos seus corações” a jovem ucraniana e a cadela, depois de um longo e penoso caminho até ao País.

E foi a partir dessa mesma conta que Todorashko explicou como a mãe terá sido capturada por russos quando estava em sua casa. “Tiraram-na de casa com um saco de plástico na cabeça, amarraram as suas mãos nas costas e levaram-na para a Rússia”, contou, referindo que a mãe foi transportada para um centro de detenção, onde foi espancada e torturada, inclusive com choques elétricos. “Posso matar-te aqui mesmo e sair impune”, disse-lhe um oficial russo, de acordo com Todorashko.

A mãe de Anzhelika já conseguiu escapar do “inferno”, como descreve a jovem, após ter sido feita uma troca com russos sequestrados, mas agora é a sua irmã gémea que está desaparecida, tendo sido, segundo Anzhelika, levada para cativeiro russo no fim do mês passado da mesma forma que a mãe.

Tal como as familiares Todorashko, milhares de ucranianos têm sido levados para território russo, um número que, a 21 de abril, Volodymyr Zelensky dizia já ter chegado aos 420 mil, apesar de ainda não ter sido oficialmente confirmado. Já Sergei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, garantiu, a 30 de abril, que mais de um milhão de civis ucranianos teriam sido, até esse momento, deportados para a Rússia.

Muitos deles têm passado por centros de detenção, ou filtragem, tal como foi utilizado pelo Exército Soviético após a II Guerra Mundial, assim escreve o The Economist, criados no final da Segunda Guerra Mundial após a libertação de milhões de sobreviventes soviéticos dos campos de concentração nazi. Com medo de que os mais recentes libertos pudessem ter sido sujeitos a influências exteriores liberais, os militares soviéticos forçaram cerca de 5 milhões de pessoas ao repatriamento na União Soviética e, pelo caminho, a maioria passou por esses campos de detenção criados pelos serviços secretos russos.

Nesses locais, as pessoas foram submetidas a um processo muito rigoroso de filtragem, com interrogatórios que pretendiam perceber se os ex-prisioneiros estavam, de alguma forma, a seguir uma ideologia anti-soviética. De acordo com o jornal, quase 300 mil foram para os gulags, campos de trabalhos forçados criados nos anos 30 que seriam o destino de qualquer pessoa que se opusesse ao regime na União Soviética.

Mais tarde, nos anos 90, durante os conflitos armados entre russos e chechenos, primeiro de 1994 a 1996 e depois em 1999, milhares de chechenos também foram levados para estes campos de detenção, tendo sido torturados. Muitos desapareceram e não se descobriu mais o seu paradeiro. O mesmo cenário assustador verifica-se agora, em 2022, com a Ucrânia a acusar a Rússia de levar milhares de cidadãos ucranianos de cidades destruídas pela guerra para centros deste género, para depois os levarem para a Rússia.

A Rússia afirma que as deportações são voluntárias e positivas e o meio de comunicação pro-Kremlin Rossiyskaya Gazeta refere-se a estas pessoas como refugiados, acrescentando que o objetivo é “prevenir que ucranianos nacionalistas se infiltrem na Rússia” – em referência a cerca de 5 mil cidadãos ucranianos que terão sido levados para Bezimenne, uma vila perto de Mariupol controlada pelos russos. Testemunhas disseram, segundo o The Economist, que estes civis foram fotografados e forçados a entregar os seus documentos e telemóveis, antes de serem interrogados e deportados para a Rússia. Também há testemunhos de torturas e assassinatos levados a cabo pelas forças russas, diz o mesmo jornal.

Antes de a guerra ter começado, no final de fevereiro, foi enviada uma carta à ONU pelas autoridades norte-americanas, em que era referido que a Rússia tinha preparado uma lista com nomes de ucranianos que deviam ser capturados ou assassinados caso houvesse uma uma invasão à Ucrânia. Nesse documento, os EUA falavam de uma potencial “catástrofe de direitos humanos”. “Também temos informação confiável de que as forças russas usariam medidas letais para dispersar protestos pacíficos ou de alguma forma contra-atacar o exercício pacífico da resistência de populações civis”, dizia também a mensagem enviada à Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet.

Em março, a deputada ucraniana Inna Sovsun já tinha afirmado que “o Gulag” tinha sido “restaurado” e várias fontes oficiais ucranianas denunciavam que “milhares de residentes” estavam a ser capturados e levados à força para lugares remotos na Rússia. Ainda segundo a comissária para os Direitos Humanos do Parlamento ucraniano, Lyudmyla Denisova, existem pelo menos quatro campos de detenção em atividade nos arredores de Mariuopl e a Organização de Segurança e Coordenação Europeia (OSCE) afirma que há provas de que estão a ser detidos civis no sul e leste da Ucrânia, sendo depois sujeitos a “interrogatórios brutais à procura de supostas ligações ao Governo ucraniano ou meios de comunicação independentes”.

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