Fernando Porfírio
O Tribunal de Justiça de São Paulo rejeitou defesa prévia, instaurou processo disciplinar e manteve o afastamento de uma juíza da 2ª Vara de Mauá, na Grande São Paulo. Ela ficará fora de suas funções até o término do processo administrativo. A decisão foi tomada, na quarta-feira (5/9), por votação unânime do Órgão Especial – colegiado de cúpula do Judiciário paulista. A juíza e uma outra colega da mesma cidade são acusadas de favorecer suspeitos de ligação com a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).
O julgamento ocorreu em sessão reservada. O colegiado rejeitou os argumentos apresentados pelo advogado Antonio Cláudio Mariz de Oliveira. A defesa sustentou a preliminar de ilegalidade da escuta telefônica no caso. A escuta foi autorizada pela primeira instância para investigar terceiros. O grampo alcançou a juíza. Os integrantes do Órgão Especial rejeitaram a tese da defesa e mandaram instaurar processo administrativo disciplinar.
Em junho, o mesmo colegiado afastou, temporariamente, a juíza de suas funções até a apresentação da defesa prévia. Naquele julgamento, o Órgão Especial apreciou apenas a conduta da magistrada da 2ª Vara e decidiu desmembrar o processo em que também aparece como acusada outra juíza, da 1ª Vara de Mauá. O colegiado aprovou o voto circunstanciado apresentado pelo corregedor-geral da Justiça, Gilberto Passos de Freitas, e decretou segredo de justiça no caso.
De acordo com informações do blog do desembargador Ivan Sartori, membros do colegiado se mostraram preocupados com a atuação da facção criminosa e com seus desdobramentos.
A acusação
As acusações contra as duas juízas nasceram de representação enviada à Corregedoria Geral da Justiça – órgão fiscalizador da conduta dos juízes paulistas – pelo empresário Douglas Martins do Prado, no final do ano passado. Ele diz ser vítima de golpe na compra de um imóvel de R$ 600 mil.
O empresário adquiriu a casa, num condomínio fechado de Mauá, no final de 2005. Ele afirma que a pessoa de quem comprou a casa teria ligações com uma rede de 22 postos de gasolina. Investigações do Ministério Público apontam que a rede seria usada por pessoas ligadas ao PCC para lavar dinheiro do tráfico de drogas.
Ele pagou pelo imóvel parte em bens e outra com depósitos nas contas bancárias indicadas pelo vendedor. Gildásio Siqueira Santos, que vendeu o imóvel ao empresário, alegou não ter recebido todo o dinheiro. Por isso, reclamou o imóvel de volta e o caso de disputa de posse foi parar na Justiça. É nesse momento que ocorreu a acusação contra as magistradas.
A juíza da 1ª Vara de Mauá deu ao vendedor o direito da retomada da posse do imóvel. A justificativa seria a de que as contas que receberam os depósitos estavam em nome de terceiros. Mais tarde, ela e outra magistrada foram acusadas pelo empresário de favorecer suspeitos de ligação com o PCC.
As denúncias do empresário ajudaram o Ministério Público Estadual e a Polícia Civil a desbaratar um esquema do PCC que rendia até R$ 500 mil por mês. Em maio, o MPE denunciou à Justiça 18 pessoas ligadas à possível lavagem de dinheiro feita a partir da venda de gasolina adulterada nos postos que estavam, na sua maioria, em nome de laranjas.
Gildásio Siqueira Santos foi um dos denunciados. O processo está na 4ª Vara Criminal de Santo André (no ABC paulista). Os promotores também pediram à Justiça a venda dos postos usados no esquema e que o saldo fosse revertido para a Agência Nacional do Petróleo.
Outro dos 18 denunciados é Wilson Roberto Cuba, o Rabugento, atualmente preso na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau (620 km da capital paulista). Lá, segundo a Polícia, ele articula a captação de dinheiro com outros criminosos apontados como chefes do PCC para investir nos postos de gasolina.
Durante as investigações sobre a conduta de Gildásio Siqueira Santos, a Polícia de Santo André grampeou o telefone de diversas pessoas que mantinham relação pessoal e comercial com ele. Uma delas foi Sidnei Garcia, vice-presidente da Associação Comercial e Empresarial de Mauá e amigo da juíza da 2ª Vara de Mauá. Sidnei e Gildásio são suspeitos de envolvimento no esquema de lavagem de dinheiro do PCC no ABC.
Sidnei foi flagrado em conversas íntimas com a juíza. Em várias delas, trata ela como "my love" e recebe de volta um “oi amore”. Essa parte da gravação foi exibida, no domingo (17/6), no programa Fantástico, da Rede Globo. Outros quatro trechos da gravação não entraram no domínio público. Na gravação exibida pela Globo, a juíza, em tom de intimidade, chama Sidnei Garcia de "palhaço" e “trouxa”.
Ainda de acordo com a denúncia do empresário, a juíza da 2ª Vara de Mauá teria concedido, num plantão em Santo André, liberdade a um homem preso em flagrante por porte ilegal de arma e que seria segurança de Sidnei Garcia em uma loja de carros. Foi nessa mesma loja, que estaria em nome de laranjas, que 22 veículos foram apreendidos em 2006.
Revista Consultor Jurídico, 6 de setembro de 2007
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