Por: Maurício Cardoso
A reação em cadeia dos atentados comandados pelo PCC deu espaço para uma série de episódios que, se não foram planejados pelo crime organizado, foram desencadeados pela insegurança em São Paulo. Tomada por todo tipo de boatos, a cidade enroscou-se no caos. O rumor de um inexistente "toque de recolher" fez com que escritórios, fóruns, shoppings e escolas suspendessem suas atividades, o que engarrafou o trânsito em inúmeros pontos da cidade, como nas avenidas marginais. Nas áreas comerciais, com as lojas fechadas, instalou-se um certo clima de feriado por onde circulam umas poucas pessoas ressabiadas. O excesso de demanda por meio de telefones móveis tornou inúteis os celulares por longos períodos.
O fato é que a perplexidade dos primeiros ataques evoluiu para um estado de insegurança, medo e depois pavor. Na primeira metade do dia raras viaturas policiais transitavam pela cidade — provavelmente para não expor os principais alvos do banditismo, os policiais — após o almoço, bem armados, os agentes da segurança passaram a circular normalmente. A crise parecia entrar na descendente quando a boataria semeou o caos. O fato é que o PCC mostrou a fragilidade do sistema de segurança pública, a boataria mostrou a fragilidade da coletividade diante de situações incomuns como esta.
Muitos escritórios de advocacia decidiram evitar visitas ao fórum diante da situação de insegurança em São Paulo a partir dos atentados perpetrados por membros da facção criminosa Primeiro Comando da Capital. “Este fim de semana foi o nosso 11 de setembro e hoje o fórum criminal são as nossas torres gêmeas. Nossos estagiários hoje não sairão daqui”, diz, com razão, o advogado José Luis Oliveira Lima, do Oliveira Lima, Hungria, Dall’Acqua e Furrier Advogados — já que para o criminoso preso não deverá haver endereço mais odiado do que o endereço onde ele foi condenado.
A onda de violência que causou a morte de 72 pessoas em São Paulo da noite de sexta-feira até o meio-dia desta segunda-feira criou um clima de apreensão e perplexidade entre advogados e em toda a comunidade jurídica. Boatos sobre ataques tomam conta da cidade. A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo teve de desmentir a informação de que havia sido ordenado toque de recolher.
“Essa demonstração de força e insubordinação do PCC é demasiadamente perigosa, no sentido de que o Estado pode perder o controle dos presídios e da criminalidade daqui para frente. Mais repressão não resolve o problema,mas, a curto prazo, é o que nos resta fazer”, diz a procuradora de Justiça de São Paulo Luiza Nagib Eluf.
O criminalista Arnaldo Malheiros Filho, do Malheiros Filho, Camargo Lima e Rahal Advogados concorda que a situação é excepcional mas acredita que o estado tem os meios adequados para enfrentá-la: “Vivemos uma situação de emergência, que deve ser enfrentada com rigor, sem permitir que os agressores da ordem tenham qualquer tipo de conquista. O aparelho estatal é, sem dúvida, capaz disso”, diz
O conselheiro federal por São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil e advogado criminalista Alberto Zacharias Toron diz que o governo precisa dar uma resposta enérgica a fim de que os autores dessa série de assassinatos de policiais não fiquem impunes. “É preciso combinar um trabalho de repressão propriamente dita com um outro de inteligência, do contrário não será possível reprimir os ataques”.
Da mesma forma que não se pode enfrentar violência explícita sem repressão policial, não há como tratar da questão sem levar em conta suas causas mais remotas: “Assim como todos, estou perplexo com os últimos acontecimentos sangrentos de São Paulo, mas nem por isso surpreso”, diz o juiz federal em Recife, Roberto Wanderley Nogueira. “Trata-se de uma crônica anunciada que aponta para alguns dos mais recorrentes sintomas do quadro social em que vivemos de exclusão e desigualdades crônicas”.
Para João Ibaixe Jr, advogado criminalista e presidente do Cenepe — Centro de Estudos sobre Problemas do Estado, “a questão é complexa demais para se culpar só a lei ou só a polícia. Somente conjugando-se a ação das diversas polícias e remodelando-se a lei penal com equilíbrio e justeza para aplicação precisa alguma resposta pode ser alcançada”
Leia depoimentos sobre a crise de segurança em São Paulo
José Luís de Oliveira Lima, advogado criminalista:
Esses episódios mostram muita coisa além da fragilidade do nosso sistema de segurança. Mostram que o "bateu-levou" que vem sendo adotado até agora não funciona. Os ataques têm um quê de revanche. Não só revanche pelo isolamentos dos líderes do grupo, mas pelo tratamento que é dado aos detentos e revanche pela forma como a sociedade trata os que vivem à margem do sistema econômico.
Note: o governo disse que sabia antes e não pôde fazer nada. Quantos anos tem o PCC? seis, sete? e em vez de ser desmontada a organização, ela só se tornou mais forte, mais estruturada? Não digo que deva haver negociação, mas o isolamento pode ter os efeitos do imobilismo. Como matar todos os integrantes ou simpatizantes do PCC não é alternativa, é preciso encontrar uma solução pensada, que não seja unicamente uma solução de força.
Algumas certezas há: por exemplo, não há como reintegrar o condenado depois de cumprida a pena se além da punição legal se sobrepõem castigos adicionais não previstos na lei nem na coinstituição.
Alberto Zacharias Toron, advogado criminalista e conselheiro federal por São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil
O governo precisa dar uma resposta enérgica mas a solução, se é que há, não se esgota na transferência de presos. Exige um trabalho de inteligência policial para combater pela raiz o mal. Caso contrário, vamos continuar repetidamente sendo vítimas de ataques como esse ocorrido, lamentavelmente, em São Paulo. É preciso combinar um trabalho de repressão propriamente dita com um outro de inteligência, do contrário não será possível reprimir os ataques. É preciso reagir de forma enérgica para que fique clara a posição do Estado.
Há uma insatisfação geral com as condições carcerárias no país. Não se sei se podemos apontar um culpado. O secretário de Assuntos Penitenciários de São Paulo é um homem da maior competência e seriedade. O secretário de Segurança Pública também é um homem duro, está longe de ser um liberal e por isso não podemos falar em negligência
Roberto Wanderley Nogueira, juiz federal em Recife
Assim como todos, estou perplexo com os últimos acontecimentos sangrentos de São Paulo, mas nem por isso surpreso. Trata-se de uma crônica anunciada que aponta para alguns dos mais recorrentes sintomas do quadro social em que vivemos de exclusão e desigualdades crônicas que um suposto Governo de esquerda disse querer combater, mas na realidade e paradoxalmente veio justo para realimentar o processo histórico que nos deprime diante do concerto das Nações civilizadas e diante de nós mesmos.
O crime sai de seus esconderijos e ganha a vida social organizada de modo sistemático, orgânico, e dirigido a focos previamente estabelecidos. Essa estratégia de combate já vai deixando de ser simplesmente criminógena para atingir realmente aspectos de guerra fratricida, civil algo um pouco além do que já podemos observar em nossos dias.
Arnaldo Malheiros Filho, advogado criminalista
Vivemos uma situação de emergência, que deve ser enfrentada com rigor, sem permitir que os agressores da ordem tenham qualquer tipo de conquista. O aparelho estatal é, sem dúvida, capaz disso. Mais importante que isso, porém, é o que vem depois, o rescaldo. É preciso entender por que isso aconteceu e como evitar a recaída.
Até nos Estados Unidos, país que mais venera o fetiche da prisão, o regime penitenciário sobrevive graças à progressão. Quem entra no inferno prisional precisa ter alguma esperança, do contrário adere à quadrilha no primeiro momento. A lei dos crimes hediondos, afora ser inconstitucional, como já declarado pelo STF, é um incentivo às organizações criminosas e precisa ser revista urgentemente, sob pena de vivermos vários outros pesadelos como este.
Luiza Nagib Eluf, procuradora de Justiça de São Paulo
Estamos vivendo uma situação de excepcional gravidade. Essa demonstração de força e insubordinação do PCC é demasiadamente perigosa, no sentido de que o Estado pode perder o controle dos presídios e da criminalidade daqui para frente. Mais repressão não resolve o problema,mas, a curto prazo, é o que nos resta fazer.
Investir em educação sempre deveria ter sido uma prioridade, mas o geverno Lula, até agora, não fez mais do que seus antecessores nessa área e, diante de uma emergência como a que estamos vivendo em São Paulo, parece piada a proposta de "investir em educação”.
É preciso acabar com as comunicações entre os criminosos, possibilitada pelos telefones celulares dentro de presídios, inclusive os de segurança máxima! É um paradoxo, mas quanto mais a criminalidade recrudece, mais surgem medidas que facilitam a vida dos presos, como a possibilidade cada vez maior de progressão no regime prisional, inclusive em caso de crime hediondo como autorizou, recentemente, o STF.
Se, por um lado, é preciso construir as tais penitenciárias federais, que não saem do papel, por outro é preciso restaurar a moralidade pública. A corrupção em Brasília é um incentivo à criminalidade em geral. O PCC declarou guerra e nós não temos escolha a não ser tentar vencê-la.
Antonio Corrêa Meyer, sócio do Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados
Agora não é o momento de apurar as causas e crucificar os culpados pela crise de violência que vivemos no nosso Estado. Embora elas devam ser logo identificadas e corrigidas, com rigor e serenidade, o que nem sempre é possivel durante a disputa eleitoral. O que importa agora é dar todo o apoio às autoridades de segurança, para que restabeleçam o quanto antes o primado da legalidade, exercendo efetivamente a autoridade.
Se no plano estadual os recursos disponíveis mostram-se insuficientes, então que se peça a ajuda federal e das Forças Armadas, pois a vida humana é o valor maior a ser preservado, custe o que custar. É preciso devolver imediatamente a tranquilidade ao cidadão.
Esse não é um país que mereça conviver com o terrorismo e o medo. O brasileiro sempre prezou muito a liberdade e deve entender que, para preservá-la nos dias de hoje, deve exercer com rigor, mas dentro da lei, o princípio da autoridade. Não podemos negociar nem transigir com todos aqueles que vivem à margem da lei.
João Ibaixe Jr, advogado criminalista e presidente do Centro de Estudos sobre Problemas do Estado
Não se suportam mais soluções paliativas, dissimuladas e disfarçadas. A questão é complexa demais para se culpar só a lei ou só a polícia. Somente conjugando-se a ação das diversas polícias e remodelando-se a lei penal com equilíbrio e justeza para aplicação precisa alguma resposta pode ser alcançada.
O problema é complementar e respostas simples como aumento de pena para alguns crimes ou equipar-se instrumentalmente os organismos policiais isoladamente só farão vestir a máscara desinteressada da mentira.
Há de se conjugar real e efetivamente as diversas polícias, que não podem atuar como órgãos antagônicos. O inimigo comum da polícia é a criminalidade. E esta tem de ser combatida de forma unissonante.
E a lei penal, composta da descrição de crimes e penas, tem de ser elaborada não em retalhos ou tiras, mas em conjunto, harmoniosamente. Os crimes devem estar claramente delimitados e definidos. Duas condutas diversas em finalidade não podem compor o mesmo crime. As penas precisam ser adequadas à ofensividade da conduta, ao dano provocado, à periculosidade do agente criminoso.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 15 de maio de 2006
Sobre o autor
Maurício Cardoso: é diretor de redação da revista Consultor Jurídico
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