Publicado em 1 de agosto de 2025 por Tribuna da Internet

Charge do Zé Dassilva (nsctotal.com.br)
Pedro do Coutto
A política externa dos Estados Unidos sempre teve seus altos e baixos, mas nunca foi tão errática quanto sob o comando de Donald Trump. Em seu segundo mandato, o presidente republicano segue demonstrando uma habilidade quase cinematográfica de mudar de posição com a velocidade de um tweet.
O mais recente episódio dessa diplomacia volátil envolve o chamado “tarifaço” contra o Brasil — um pacote de medidas que, num dia, previa uma elevação de 50% nas tarifas de importação sobre centenas de produtos brasileiros, e no dia seguinte, era adiado e amplamente reformulado.
RECUO – A lista de mercadorias que seriam atingidas pelo decreto incluía desde alimentos até produtos industrializados, e chegou a preocupar fortemente o agronegócio e setores industriais brasileiros. No entanto, apenas uma semana depois, o governo Trump recuou. Quase 700 itens originalmente incluídos foram isentos da sobretaxa. Para analistas de comércio internacional essa postura não se sustenta por critérios técnicos, mas por impulsos políticos e pessoais do presidente.
Essa instabilidade gera incertezas não apenas para o Brasil, mas para todo o sistema de comércio internacional. Afinal, como planejar exportações, investimentos ou contratos de longo prazo se o maior parceiro comercial do continente pode mudar de ideia de uma hora para outra? O recado enviado por Washington é claro: a previsibilidade, que sempre foi um ativo da economia americana, está em baixa.
O problema é que a instabilidade comercial não veio sozinha. Em um movimento inédito e profundamente controverso, o Departamento do Tesouro dos EUA aplicou sanções contra o ministro do Supremo Tribunal Federal brasileiro, Alexandre de Moraes, usando como base a Global Magnitsky Act, legislação voltada originalmente para punir indivíduos estrangeiros envolvidos em corrupção e violações graves de direitos humanos. A medida causou perplexidade entre diplomatas e juristas — e não sem motivo.
CASO INÉDITO – Para começar, Moraes não tem bens ou contas nos Estados Unidos, o que torna a sanção inócua do ponto de vista material. Além disso, especialistas apontam que a decisão fere princípios do direito internacional. Nunca se aplicou a Lei Magnitsky dessa forma, contra um magistrado de outro país com base em ações jurídicas internas. O gesto não apenas cria um precedente diplomático perigoso, como também foi interpretado por muitos como uma interferência direta nos assuntos internos do Brasil.
O pano de fundo desse episódio é ainda mais intrincado. Segundo fontes próximas ao Itamaraty e relatórios da imprensa americana, como o Washington Post, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, permanece nos Estados Unidos exercendo intensa atividade de lobby. Há quem afirme que sua atuação junto a conservadores e à ala trumpista do Partido Republicano tenha influenciado diretamente na decisão sobre Moraes — visto pelos aliados de Trump e Bolsonaro como um “inimigo político”.
O que se vê, portanto, é um cenário no qual a política externa americana se contamina com interesses pessoais e ideológicos, ignorando os canais diplomáticos tradicionais. E o Brasil, nesse xadrez de vaidades e revanche política, torna-se mais uma peça deslocada em um tabuleiro que já não respeita as regras.
REFLEXOS – As consequências dessa diplomacia do improviso podem ser duradouras. Não apenas fragilizam as relações bilaterais com os Estados Unidos — tradicionalmente pautadas pelo pragmatismo e pelo respeito mútuo — como colocam em xeque a própria soberania brasileira. Quando um ministro do STF pode ser sancionado por um governo estrangeiro com base em critérios subjetivos, é sinal de que os limites institucionais entre países estão sendo rompidos.
Mais do que episódios isolados, essas ações revelam uma tendência preocupante: o uso da política externa como instrumento de política doméstica, seja para agradar eleitores radicais, seja para interferir em disputas judiciais em outros países. O resultado é um mundo mais instável, menos confiável — e perigosamente imprevisível.
Em tempos como estes, é fundamental que o Brasil reforce seus compromissos com a diplomacia profissional, a defesa da legalidade internacional e a proteção de suas instituições. O jogo político global está mais sujo do que nunca — e neutralidade, neste caso, não é uma opção.