Publicado em 28 de agosto de 2025 por Tribuna da Internet

Charge do Benett (Folha)
Fabiano Lana
Folha
Por décadas, o Brasil viveu um consenso ilusório e ingênuo. Imaginava-se que o fim de duas décadas de ditadura representaria a união de todo um País em torno da democracia e uma série de valores compartilhados. Que agora as tarefas da sociedade eram outras, mais práticas. Como superar a inflação, a miséria, a desigualdade. As disputas pelo poder seriam entre os grupos políticos mais capazes de lidar com a missão econômica e social.
Nessa utopia prestes a se realizar na cabeça dos ludibriados, o Brasil seria formado por um povo gentil e contaria com grandes artistas, cantores, compositores, atores, a dar bênçãos aos nossos administradores.
PT e PSDB – A eleição de Fernando Collor em 1990 foi considerada um equívoco de trajetória, logo corrigido com um impeachment. O Brasil, portanto, seria governado por duas agremiações sociais-democratas, o PT, que tendia mais ao socialismo, e o PSDB, mais próximo do liberalismo.
Mas essa visão rósea da sociedade deixava de fora milhões de pessoas que eram saudosas do regime militar, que não viam com bons olhos a progressiva liberalidade na questão dos costumes, que queriam políticas fortemente repressivas na segurança pública, que mantinham o trinômio “pátria, família e religião”. E, do ponto de vista da cultura, não viam gente como Chico Buarque, Caetano Veloso ou Gilberto Gil como ídolos musicais, muito pelo contrário.
NUM PRIMEIRO MOMENTO – Votavam no PSDB, num primeiro momento, pelo êxito do Plano Real; e, num segundo momento, não exatamente pelos valores dos tucanos, mas para evitar que Lula e o Partido dos Trabalhadores tivessem poder.
De alguma maneira, a paranoia anticomunista se manteve viva durante a Nova República e os tucanos e petistas eram igualmente alvos. O filósofo Olavo de Carvalho defendia essa tese em seus artigos, mas era visto apenas como um doidivanas. Publicamente, quase ninguém se dizia de direita – era o equivalente a um pecado.
Nem mesmo o presidente do PFL, o senador Jorge Bornhausen, aceitava o rótulo. Direita era estar associado não só à ditadura. Mas também tinha a ver com insensibilidade social, truculência, falta de modos, anacronismo, falta de gosto – cafonice, enfim.
DIREITISTAS – Foram nesses momentos que o PT soube subjugar o PSDB, apenas taxando seus integrantes de “direitistas”. Os tucanos se deprimiam com a acusação e nunca reagiram efetivamente.
Foi preciso uma grande crise política, econômica e moral – a combinação de recessão e Lava Jato -, somada com o advento das redes sociais, onde cada cidadão é um palanque – para a verdadeira direita sair do armário, sob a liderança do até então obscuro deputado do baixo-clero, Jair Bolsonaro.
Agora, os direitistas tinham a opção de varrer do mapa tanto o petismo quanto o PSDB. Conseguiram com relação aos tucanos (sem contar os motivos internos da sigla).
NÃO É DEMOCRATA – Jair Bolsonaro foi eleito democraticamente em 2018. A questão é que tudo indica que seu apreço pela democracia não seja verdadeiro, assim como o de boa parte de seus eleitores.
Hoje, com o líder prestes a ir para cadeia, bolsonaristas bradam que vivemos em uma ditadura. Ora, ditadura era o que eles queriam implantar e regime do qual têm nostalgia. Que o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, algoz de Bolsonaro, cometeu excessos, hoje pouca gente nega.
A questão é que odeiam Moraes não pelos seus erros, como as excessivas penas dos vândalos de 8/1/23, mas pelo acerto de possivelmente condenar os líderes golpistas malfadados, de dezembro de 2022.
HÁ UM DILEMA – Porém, a democracia tem um dilema. Como lidar com milhões e milhões de pessoas radicais, que votaram em Bolsonaro não apenas para evitar o PT, mas por consonância de ideias com o líder. Há quem defenda extirpá-los da sociedade, censurá-los, não publicar suas opiniões nos jornais, e até mesmo prendê-los. Ou seja, há quem proponha soluções autoritárias para acabar com o autoritarismo.
A política, por sua vez, parece caminhar em apresentar suas soluções. A direita cogita lançar candidatos sem o sobrenome Bolsonaro na disputa com Lula em 2026 – para o desespero e indignação do deputado federal Eduardo Bolsonaro, que ainda sonha com essa possibilidade. A aposta centro-direitista seria evitar um Bolsonaro em disputa pela presidência para colher os votos dos bolsonaristas sem opção e dos moderados. O tempo vai dizer se a estratégia funcionará.
A tarefa passa também por convencer milhões de que o bolsonarismo – que tantos colocaram suas esperanças e convicções – na verdade, é um movimento político arriscado, regressivo e golpista. Convencer que, se o objetivo for encontrar um remédio para derrotar o petismo, o bolsonarismo tornou-se um veneno a contaminar toda a sociedade. E, por último e mais importante, de ponto de vista do consentimento: hoje, o bolsonarismo, por provocar ojeriza nos centristas, tem ajudado Lula e o PT a se reeleger.