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domingo, agosto 30, 2020

Há algo de muito podre num país em que a AGU se oferece para fazer a defesa do filho do presidente

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Carlos Newton
O gaúcho Apparicio Torelly abandonou o curso de Medicina no quarto ano para e tornar jornalista, veio para o Rio de Janeiro e foi contratado pelo O Globo. Com a morte de Irineu Marinho, fundador do jornal, Torelly aceitou um convite de Mário Rodrigues e foi trabalhar no rival “A Manhã”, onde se enturmou com Nelson Rodrigues e os outros filhos do patrão. Foi quando desistiu do jornalismo para se transformar no maior humorista brasileiro, adotando um falso título de nobreza, em homenagem à Batalha de Itararé, que ficou famosa na revolução de 1930, mas não existiu.
Quem trabalha em jornalismo político tem de estar sempre lembrando do Barão de Itararé, que costuma criticar as maluquices brasileiras com o título “Era só o que faltava”, que aproveitamos aqui hoje, para caracterizar o absurdo parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), apresentado ao Supremo em defesa do senador Flávio Bolsonaro.
A LEI É CLARA – Criada pela Lei Complementar 73, de 10 de fevereiro de 1993, no governo de Itamar Franco, o último presidente da República que mereceu o título desde Juscelino Kubitschek, o artigo 1º determina que “a Advocacia-Geral da União é a instituição que representa a União judicial e extrajudicialmente”. E seu parágrafo único acrescenta: “À Advocacia-Geral da União cabem as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos ao Poder Executivo, nos termos desta Lei Complementar”.
Qualquer estudante de Direito que for consulta a Lei Complementar 73 vai concluir, sem o menor esforço, que nela não existe nenhum dispositivo que permita à AGU participar da defesa de nenhum senador da República, mesmo que seja filho do ocasional presidente. “Era só o que faltava”, diria o Barão de Itararé, ao tomar conhecimento desse abuso político-administrativo.
Esse ato da AGU, dirigida por um procurador chamado José Levi, que deveria se portar com mais pudor e altivez à frente do importante cargo público, ao invés desse curvar desavergonhadamente perante S. Excia a ponto de exibir sua “brecha da lei”, que as crianças preferem chamara de “cofrinho”.
ESCULHAMBAÇÃO – O fato concreto é que o Brasil é o país da esculhambação jurídica, e o advogado-geral da União se julga no “direito” de enviar ao Supremo Tribunal Federal um parecer defendendo que o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, tem direito a foro privilegiado no processo nas “rachadinhas”.
A bagunça e a podridão são tamanhas que essa notícia é veiculada nos jornais como se fosse uma coisa normal a AGU defender um filhinho do papai. As matérias publicadas a respeito tratam essa interferência ilegal como se fosse o “normal” jurídico.
A reportagem de O Globo, por exemplo, diz que “o documento vai auxiliar os ministros da Corte no julgamento de uma ação proposta pela Rede Sustentabilidade contra a concessão de foro ao parlamentar”.
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P.S. – O relator dessa ação é o ministro Luís Roberto Barroso. Espera-se que ele se recorde das magníficas aulas que ministrava na Faculdade de Direito da UERJ e devolva ao advogado-geral da União essa excrescência jurídica por ele perpetrada. É o mínimo que Barroso pode fazer – desentranhá-la dos autos, para que sirva de exemplo. (C.N.)

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