Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Uma das maiores charges de todos os tempos foi estampada pelo "New York Times" no finalzinho dos anos cinqüenta, quando o então presidente Charles de Gaulle expulsou a Otan da França. O todo-poderoso governante francês aparecia em primeiro plano, ordenando a um soldado americano que fosse embora e dizendo: "Retirem-se! E só voltem quando os boches nos invadirem novamente!".
Guardadas as proporções, é o que farão os neoliberais diante do Estado quando a crise econômica passar. Por enquanto, no mundo inteiro, locupletam-se com as centenas de bilhões de dólares liberados pelos governos dos países ricos e emergentes para atender as necessidades das empresas postas em estado pré-falimentar.
Admitem a intervenção do poder público na economia porque, caso contrário, sairiam pelo ralo. Julgam até natural a inusitada intervenção de seus governos para compensar prejuízos causados pela ambição e pela especulação a que se dedicavam.
Mas já estão, os neoliberais, prontos para repetir De Gaulle, quando a tempestade se desfizer. Vão mandar o Estado embora, ainda que preparados para convocá-lo outra vez, como os franceses fizeram nas duas guerras mundiais. E farão de novo, caso a situação se repita. O poder público, para os neoliberais, funciona como mero serviçal, um criado para o qual apelam na hora do aperto.
Bem que a oportunidade se oferece para a extinção dessa malandragem de uma vez por todas. Conforme o próprio presidente Lula, torna-se urgente reformular a ordem econômica internacional através de uma evidência: o Estado chegou para ficar, desta vez.
Chega de rotular sua atuação como temporária e reversível. Deve ser permanente. Sem a pretensão de extinguir ou mesmo de engessar a iniciativa privada, é preciso demonstrar que o guarda-chuva do poder público não pode mais ficar abrindo e fechando ao sabor das conveniências de grupos financeiros empenhados na especulação e na ambição.
Só se o papa investir no PAC
Todo governante tem direito a férias e deveria gozá-las, quando nada para recarregar as baterias. Não há exagero em reconhecer essa evidência.
Agora, o que não dá para aceitar sem discutir é essa revoada do governo Lula para a Itália, por uma semana, apresentada como viagem extenuante de trabalho. O presidente, com a família, mais seis ministros, inclusive Dilma Rousseff, parlamentares, montes de assessores e pessoal de apoio, passeiam por Roma a pretexto de vender o PAC para os italianos. O Itamaraty deveria ter examinado antes a situação do governo Berlusconi, bem como a personalidade estranha do primeiro-ministro, figura da qual poucos comprariam um carro usado.
Acresce que, na Europa, dos países ditos ricos, é a Itália que mais sofre com o desemprego e a ameaça sobre sua indústria automobilística. Esperar uma cascata de liras desabando sobre o Brasil parece sonho de noite de verão. Como amanhã o presidente Lula será recebido pelo papa, pode ser que se abra uma exceção caso Bento XVI decida investir no Brasil, até como forma de contrabalançar o crescimento das igrejas evangélicas por aqui.
A conta vai para os mesmos
O Senado deve discutir e votar, esta semana, a medida provisória que reajustou os vencimentos do funcionalismo público. O ministro Guido Mantega escorregou de novo ao sugerir e logo depois desmentir o conselho para os senadores rejeitarem a proposta, tendo em vista a crise econômica. Mesmo assim, está embutida na medida provisória a hipótese de suspensão de parcelas do aumento no próximo ano, caso a arrecadação não alcance os níveis antes previstos.
Enquanto isso, o governo vai liberando dezenas de bilhões de reais para ajudar empresas em má situação, especialmente os bancos. A conta, pelo jeito, vai para os mesmos de sempre, os funcionários públicos, uma vez chamados de vagabundos pelo então presidente Fernando Henrique. Só falta a equipe econômica imaginá-los ricos...
Nem que a vaca tussa
Com todo o respeito a São Paulo, mas foi lá, como se fosse um campo de várzea, que o time reserva do G-20 jogou a preliminar. A partida principal acontece em Washington, sábado, com direito à presença dos craques que aqui não vieram, presidentes da República, primeiros-ministros e dirigentes maiores de organismos internacionais.
Tudo bem, o propósito da reunião do último fim de semana era esse mesmo, uma espécie de preparação dos espíritos para o encontro mais importante. Só que se o Brasil insistir na tática apresentada na paulicéia, vai perder de goleada, outra vez.
Isso porque a recomendação maior do G-20 júnior foi para a redução dos juros e dos impostos como forma de estimular a atividade econômica. Não se duvida de que a mesma recomendação surgirá do G-20 sênior.
O Brasil foi o único país que não se comprometeu especificamente com a proposta, porque até o México, outro recalcitrante, acabou entregando os pontos. Nós, não. Meirelles não deixa, mesmo confrontado com o que vem fazendo os Estados Unidos, o Japão, a União Européia e as próprias China, Rússia e Índia.
Tem alguma coisa errada. Ou as nossas estruturas eram tão frágeis a ponto de a inflação voltar diante da redução de míseros 0,5% na taxa de juros, ou o presidente do Banco Central parece aquele jovem soldado cuja mãe, durante o desfile, comentou estar todo o batalhão de passo errado. Certo mesmo, só o seu pimpolho.
Quanto à diminuição da carga fiscal, outro consenso no G-20, continuamos esperando, insatisfeitos com a moratória de dez dias para o pagamento de certos e poucos impostos beneficiando algumas empresas.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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