Durante o almoço, fiz questionamentos desconfortáveis ao agora funcionário público Isaac, que exibia orgulhoso seu novo crachá. Perguntei se aceitar o cargo não daria razão àqueles que o criticaram pela entrevista de 2024, dizendo que ele só queria uma “boquinha”.
“Vou te falar a verdade. Eu acordo todo dia pensando o que posso aprender e tudo que posso fazer para beneficiar minha comunidade. A política tem custo para ser feita. Não se faz política sem estrutura. E eu estou usando essa estrutura para fazer política para o meu povo.”
Também perguntei a Isaac se ele compactuava com Nunes e Tarcísio na defesa da anistia a condenados da tentativa de golpe de 8 de Janeiro. “Você acha que no M’Boi Mirim as pessoas ligam para isso?”, ele disse, me devolvendo a pergunta. Eu retruquei: “Você não liga?”.
“Sabe o que importa pra mim? A piscina pública nova, as novas moradias populares que eu fui entregar com o prefeito, o asfalto que a gente está colocando onde nunca teve e as obras”. Obras que, segundo ele, “finalmente estão acontecendo com agilidade”.
“Quando eu estava no PT, ninguém me chamava para discutir emenda. Hoje eu entendo a importância delas. Com elas, o recurso chega. Eles falam e eu vou lá ver se o ar-condicionado foi instalado, se a piscina foi construída. E foi. Política não pode ser discurso vazio. A comunidade quer ver o prédio, o elevador, o equipamento funcionando”, disse.
Quando pergunto se ainda há salvação para a esquerda, ele suspirou: “O navio está afundando. Na minha quebrada, eu vejo um ranço que não sei se dá para resolver.” E complementa: “Eu não sou adversário do Lula. Só que, com as emendas, eu vejo as coisas acontecerem com mais velocidade do que com as coisas do governo. E me pergunto: por quê?”.
Essa resposta eu não pude dar ao Isaac. Os números talvez ajudem a explicar. Entre 2014 e 2025, o Brasil saiu de um modelo em que as emendas eram periféricas no orçamento federal para outro em que se tornaram a principal ferramenta de poder no país.
Ministérios outrora cobiçados agora são menos atrativos do que um mandato parlamentar. Em 2014, o total pago em emendas somava cerca de R$ 9 bilhões. Em 2022, na reta final do governo Bolsonaro, já ultrapassava R$ 35 bilhões com o orçamento secreto.
Em 2023 e 2024, mesmo com Lula no Planalto, o montante continuou no mesmo patamar — agora institucionalizado como emendas impositivas. Ou seja: o mecanismo que garantiu o domínio da direita no Congresso não recuou com a vitória de Lula. Ele sobreviveu a ela.
Lula parece ter entendido isso. Depois de pesquisas aterrorizantes no início do ano, o presidente viajou menos ao exterior e mais ao interior do país para inaugurar obras e encontrar a população – mesmo que em solenidades fechadas, mobilizando “os mesmos de sempre”.
“Isso faz diferença”, disse. “O povo quer saber de duas coisas: o que o governo entrega e o preço da comida”, disse Isaac, com um tom quase arrogante. Mas a verdade é que, desde que almocei com ele, em agosto, o custo dos alimentos só caiu – e a popularidade de Lula só cresceu.
Mas, infelizmente, o favoritismo atual nas pesquisas nacionais não é garantia de estabilidade democrática. Como o meu colega Leandro Becker destrinchou em uma excelente série de reportagens no Intercept, a extrema direita tem outra batalha prioritária: o Senado.
O plano é conquistar maioria em 2026 e, com isso, controlar a pauta de impeachments de ministros do Supremo, vetar autoridades e, se Lula vencer, travar o governo.
E para esse plano sair do papel, as emendas terão papel-chave. Afinal, quem mais lucra com o modelo atual são justamente o Centrão e a extrema direita, porque têm mais cadeiras no Congresso e, portanto, mais orçamento para irrigar seus redutos.
Sim, Lula pode perfeitamente ganhar a Presidência — e ainda assim perder o país.