Pedro do Coutto
A tragédia recente ocorrida no Rio de Janeiro reacendeu um debate que há décadas se arrasta sem solução estrutural: como enfrentar o crime organizado em um país onde organizações armadas se modernizam, expandem territórios e movimentam economias paralelas bilionárias?
Diante da comoção e da pressão pública, governo federal e governo estadual anunciaram a criação de um escritório emergencial de integração de inteligência e comando operacional entre as forças de segurança. É uma medida necessária — e, ao mesmo tempo, tardia.
CENTROS PERMANENTES – Especialistas em segurança pública, como pesquisadores do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e da Fundação Getulio Vargas (FGV), já apontavam há anos que o Rio de Janeiro e São Paulo exigiam centros integrados permanentes de monitoramento e combate a facções.
Não se trata apenas de uma demanda pontual, mas de uma urgência histórica, já que tanto o Comando Vermelho quanto o Primeiro Comando da Capital (PCC) cresceram e se sofisticaram em parte pela falta de coordenação eficiente entre níveis de governo. A apreensão recente de mais de uma centena de fuzis, pistolas e munições não é um episódio isolado: é a face visível de um mercado em constante expansão.
A tensão no Rio repercutiu intenacionalmente. Governadores de diversas regiões, especialmente Norte e Centro-Oeste, demonstraram preocupação com a presença crescente de células do Comando Vermelho e de outras facções em seus territórios.
MIGRAÇÃO – Relatórios do Ministério da Justiça e dados de secretarias estaduais já haviam mostrado que essas organizações migraram de presídios superlotados para bairros periféricos, cidades médias e até fronteiras internacionais, explorando rotas de tráfico, mineração ilegal e contrabando de armas. A violência, portanto, deixou de ser localizada — ela se tornou difusa, organizada e conectada.
No entanto, seria ilusório acreditar que o enfrentamento se resolverá apenas com operações policiais. Assim como apontam estudos da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do Instituto Igarapé, o crime organizado é alimentado por duas engrenagens principais: oferta e demanda.
MERCADO CONSUMIDOR – A demanda — o consumo elevado de drogas — permanece estável há décadas no país. Enquanto existir um mercado consumidor robusto, haverá financiamento para armas, corrupção de agentes públicos, recrutamento de jovens periféricos e expansão territorial das facções. Reprimir o crime sem enfrentar o consumo e sem políticas de inclusão é enxugar gelo.
O escritório emergencial é um passo importante, mas precisa evoluir para uma estratégia contínua, transparente e baseada em inteligência, prevenção social e reconstrução de confiança entre Estado e comunidades. O Brasil não precisa apenas de mais operações — precisa de políticas públicas consistentes, de longo prazo, com metas e avaliações reais.
A tragédia recente é um alerta que não pode ser esquecido quando os holofotes se apagarem. Porque, se há algo que o crime organizado aprendeu ao longo dos anos, é esperar. Já o Estado brasileiro não pode mais se dar a esse luxo.
