País está maduro e, qualquer que seja o eleito,
terá que promover reformas e investir em infra-
estrutura para pôr o Brasil na rota do crescimento
Por Hugo Studart e Rudolfo Lago
O Brasil está a poucos dias de fazer uma
escolha crucial para o seu futuro. Depois de uma longa ditadura militar, do trauma de ter o primeiro presidente eleito após 28 anos de arbítrio apeado do poder por um processo de impeachment, de sobreviver à hiperinflação e de viver a experiência de ser governado por um trabalhador, o País está maduro o suficiente para escolher seu caminho de desenvolvimento. No domingo 29, ao apertar a tecla “confirma” das urnas eletrônicas, os 126 milhões de eleitores estarão dizendo quem será o timoneiro eleito para fazer o Brasil entrar definitivamente na nova rota, assegurando distribuição de renda, empregos, ajuste fiscal e reformas políticas indispensáveis. Caberá necessariamente ao futuro presidente, seja ele quem for, reduzir o tamanho do Estado, controlar as despesas públicas com mão de ferro e assim se livrar dos vícios de administrações ineficientes, perdulárias e eternizadoras de privilégios. O futuro exige um Estado moderno, ágil, com capacidade de investimento em infra-estrutura e alta competitividade. Ingredientes fundamentais para a receita de um crescimento consistente. E, embora o presidencialismo brasileiro assegure muitos poderes ao presidente da República, não são poucos os desafios impostos àquele que será escolhido.
Se há um consenso nos discursos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de Geraldo Alckmin (PSDB) ele está na conclusão de que o principal desafio do próximo governante será eliminar os gargalos provocados pela estrutura precária das estradas, portos, aeroportos, hidrelétricas, etc., do País. Apenas na área da agricultura, estima-se que os gargalos de infra-estrutura aumentam em cerca de 30% o preço final de cada produto. O problema é que o tamanho da demanda por obras de infra-estrutura é tão grande que não há dinheiro para fazer tudo. De acordo com levantamento feito pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, para eliminar todos os gargalos, seria necessário fazer-se 100 grandes obras que custariam R$ 400 bilhões. Extrapola em muito o que há de recursos para investimentos. O Ministério do Planejamento estima que há 19 obras de emergência, que precisam começar agora. Mas mesmo para elas não há dinheiro suficiente: elas custariam R$ 40 bilhões. Apenas para recuperar os 84,4 mil quilômetros de rodovias – 75% delas estão em estado deficiente – seriam necessários R$ 20 bilhões, segundo a Confederação Nacional de Transportes (CNT).
No Brasil, presidencialista por opção dos brasileiros, o presidente da República tem poderes que extrapolam o próprio presidencialismo. Ele pode, por exemplo, trabalhar com Medidas Provisórias (MPs), atributo que permite ao chefe do Executivo fazer as vezes do Legislativo. Com elas, o presidente impõe regras de vigência temporária para toda a sociedade e cria um forte constrangimento para o Legislativo. As MPs passam a valer a partir do momento em que são editadas e, para rejeitá-las, teria que ser revisto tudo o que aconteceu no País durante suas vigências. Usar esse artifício tem sido uma constante no presidencialismo brasileiro. Foi dessa maneira que Fernando Collor de Mello confiscou a poupança de todos. Durante seus oito anos de mandato, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso editou 263 Medidas Provisórias. O presidente Lula, por sua vez, nos últimos três anos assinou 186 MPs. E isso não vai mudar. Tanto Lula como Alckmin em nenhum momento da campanha discutiram a possibilidade de restringir o uso das Medidas Provisórias.
Outra particularidade do poder do presidente do Brasil está na liberdade de
gastar o dinheiro do Orçamento. Nos Estados Unidos e na maior parte dos
países presidencialistas, o Orçamento é impositivo. Significa que a lei
orçamentária aprovada por deputados e senadores precisa ser executada integralmente. No Brasil é diferente. O Orçamento é apenas autorizativo. Determina um limite de gastos, mas o presidente gasta o quanto quiser. Há algumas vinculações e fundos específicos, mas mesmo nesses casos o presidente tem possibilidade de manobras. O fato de poder gastar mais ou menos dá ao governante um imenso poder de barganha. É por isso que desde a redemocratização todos
os presidentes trocaram apoio no Congresso pela aprovação de emendas ao Orçamento. Neste ano, no total, o Orçamento foi de R$ 1,6 trilhão, dos quais apenas R$ 24,4 bilhões para investimentos, ou seja, para novos programas e obras. “Temos no Brasil um presidencialismo extremamente forte, no qual o presidente alia instrumentos comuns dos sistemas presidencialistas a outros mais típicos do parlamentarismo, com um grande poder de alterar o Orçamento ao seu bel-prazer e com uma estrutura de Estado bastante centralizada, que gera uma relação de dependência muito grande dos Estados e municípios”, avalia o cientista político Cristiano Noronha, da empresa de consultoria Arko Advice. “O presidente brasileiro pode muito”, conclui Noronha.
Dito assim, pode parecer que depende apenas de uma canetada do presidente, de um ato de vontade, resolver todos os graves problemas de infra-estrutura do País. “O presidente brasileiro pode, de fato, ter prerrogativas grandes, mas vivemos numa democracia e por isso são grandes os seus limites e os instrumentos de controle que existem para evitar que se extrapole esse poder”, alerta o diretor de documentação e analista do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto de Queiroz. Segundo ele, uma grande amarra do presidente está no fato de o País viver o que se chama de “democracia de coalizão”: como nenhum partido é capaz de exercer o poder sozinho, é preciso negociar com o Congresso para aprovar emendas e projetos de lei. “Há uma agenda legislativa para os próximos anos que inclui reforma política, com a extinção da reeleição, reforma tributária, ajustes importantes na Previdência, que não poderá ser aprovada sem uma profunda negociação entre quem estiver no governo e quem estiver na oposição. E o clima que resultará da eleição está longe de ser de conversa e negociação. Será preciso habilidade e inteligência”, comenta o analista do Diap. Ou seja: o poder é grande, mas, se não for bem exercido, pode comprometer o futuro de crescimento e desenvolvimento.
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