sábado, novembro 29, 2025

O cerco se fecha: o Brasil diante de um retrocesso ambiental sem precedentes


Charge do Lila (Arquivo do Google)

Pedro do Coutto

A derrubada dos vetos ao novo marco do licenciamento ambiental abriu uma ferida profunda na já fragilizada política ambiental brasileira. Ao permitir que empresas potencialmente envolvidas em desmatamento e outras formas de degradação possam se autodeclarar em conformidade com normas ambientais, o país inaugura um capítulo de retrocesso que especialistas, organizações civis e instituições independentes classificam como o mais grave em quatro décadas.

O mecanismo da autodeclaração — vendido como modernização e desburocratização — funciona, na prática, como um atalho perigoso: ele elimina análises técnicas, enfraquece a fiscalização e desloca a responsabilidade do Estado para o próprio empreendedor, como se interesses econômicos e proteção ambiental fossem forças espontaneamente conciliáveis.

ABUSOS – Para completar, a descentralização das autorizações cria um mosaico normativo vulnerável à pressão de elites econômicas regionais, enfraquecendo a uniformidade das salvaguardas que antes eram estabelecidas pela esfera federal. O resultado é um terreno fértil para abusos, conflitos fundiários e danos irreversíveis a biomas sensíveis.

Com as garantias reduzidas, povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais tornam-se ainda mais expostos. Territórios sem titulação definitiva — que já enfrentam histórico de invasões e grilagem — agora perdem etapas essenciais de consulta e proteção.

Em paralelo, relatos de articulação intensa de setores econômicos interessados na flexibilização, e a velocidade com que o Congresso derrubou os vetos, alimentam suspeitas de conivência, tráfico de influência e captura institucional. A sensação generalizada é de que se fecha um cerco não sobre empresas que degradam, mas sobre o próprio sistema de fiscalização, que vai sendo desmontado peça por peça.

MANOBRAS – O escândalo, como muitos ambientalistas apontam, não tem fim — não porque faltem denúncias, mas porque cada semana revela novas brechas, manobras políticas e avanços sobre áreas antes protegidas. O país assiste, praticamente sem freios, à possibilidade de expansão de obras, desmatamentos, mineração e empreendimentos de alto impacto sem a devida avaliação de risco.

O Brasil, que deveria ser protagonista da preservação ambiental global e exemplo de governança sustentável, arrisca desperdiçar capital diplomático, comprometer acordos internacionais e perder credibilidade justamente às vésperas de debates globais decisivos sobre clima e biodiversidade.

Nesse cenário, fica cada vez mais evidente que não se trata apenas de um embate técnico ou legal: trata-se de uma disputa moral, institucional e civilizatória. Entre a proteção do patrimônio natural e o avanço de interesses privados; entre a ciência e o improviso; entre o futuro e o lucro imediato. O país ainda tem caminhos de resistência — via sociedade civil, organismos independentes, pesquisadores e eventual reação do Judiciário —, mas a cada dia, com a nova regra em vigor, cresce o risco de danos irreversíveis. A história cobrará essa conta, e o Brasil precisará decidir, o quanto antes, de que lado quer estar.


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