Publicado em 4 de fevereiro de 2024 por Tribuna da Internet
Rafael Moraes Moura
O Globo
Dos 1.426 processos do acervo do gabinete do ministro Dias Toffoli no Supremo Tribunal Federal (STF), apenas um ganhou especial atenção do magistrado em pleno recesso da Corte: o que trata do pedido da Odebrecht para suspender as multas determinadas no acordo de leniência firmado com a Lava-Jato em 2016.
Em dezembro, a assessoria do STF informou que Toffoli se mantinha em atividade “apenas para a adoção de medidas ou petições relacionadas a uma ação específica”, que era justamente a da Vaza-Jato. Ou seja, os outros mais de mil processos no gabinete do ministro não seriam priorizados até a retomada das atividades regulares da Corte.
REPETINDO A DEFESA – Aparentemente, o caso da Odebrecht/Novonor tem um grau especial de prioridade. Na manhã da última quinta-feira (31), Toffoli divulgou uma decisão de 62 páginas, das quais 48 se resumem a descrever os pontos apresentados pela empreiteira.
Entre outras coisas, a empreiteira alega que as trocas de mensagens entre o ex-juiz federal Sergio Moro e procuradores da então força-tarefa da Lava-Jato, que vieram à tona após a atuação ilegal do hacker Walter Delgatti Neto, “revela um quadro de atuação comum de todas essas autoridades visando à derrocada da Novonor, tendo isso se dado por meio de procedimentos ilícitos”.
Procurado pela equipe da coluna, Toffoli não quis esclarecer por que priorizou a ação da Vaza-Jato durante o recesso, nem por que assinou a decisão que suspendeu os pagamentos da multa da Odebrecht/Novonor em pleno 31 de janeiro, antes mesmo da abertura do ano Judiciário no STF, que só ocorreu um dia depois.
DE MÃO BEIJADA -A ação chegou às mãos de Toffoli, um dos expoentes da ala mais contrária à Lava-Jato, após uma manobra interna do STF. Em maio do ano passado, o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato, provocou estranhamento dentro do tribunal ao abrir mão da relatoria “interina” do caso e entregar o processo de mão beijada para Toffoli.
O relator original era o ministro Ricardo Lewandowski, que se aposentou em abril de 2022 por completar 75 anos.
O caso em questão é, originalmente, uma reclamação apresentada pela defesa de Lula em agosto de 2020 – na época, capitaneada por Cristiano Zanin Martins – com o objetivo de garantir ao petista acesso a documentos e provas do acordo de leniência da Odebrecht.
GRAVAÇÕES PIRATAS – A ação ganhou novos contornos depois que vieram à tona as mensagens entre Moro e procuradores da Lava-Jato de Curitiba, captadas pelo hacker Delgatti Neto e apreendidas na Operação Spoofing, da Polícia Federal.
Como Zanin foi escolhido para ocupar a vaga aberta com a aposentadoria de Lewandowski no STF, ele herdou o acervo do ministro, mas ficaria impedido de assumir a relatoria de uma ação da qual ele mesmo é o autor.
Em tese, o processo deveria então ser redistribuído para um novo ministro, mas a manobra de Fachin impediu que isso ocorresse e evitou os riscos de a ação, acompanhada com lupa pelo meio político e a classe empresarial, cair nas mãos de um magistrado mais simpático ao legado da Lava-Jato.
ANULANDO EM SÉRIE – Depois disso, entre maio e setembro do ano passado, Toffoli anulou as provas da Odebrecht utilizadas contra o advogado Tacla Duran, o ex-ministro Paulo Bernardo, os ex-governadores Anthony Garotinho Sérgio Cabral e Gilberto Kassab, e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, entre outros.
O ministro anulou então todas as provas obtidas no acordo de leniência da Odebrecht em todas as esferas e para todas as ações, ainda que a ação inicialmente seja apenas referente a Lula. Em dezembro, as mesmas mensagens obtidas pelo hacker Walter Delgatti Netto levaram Toffoli a suspender a multa de R$ 10,3 bilhões que foi parte do acordo firmado em 2017 pelo grupo J&F. A decisão fez a Odebrecht “pegar carona” na ação da J&F e também pedir a suspensão dos pagamentos, com base nos mesmos argumentos.
Resume um integrante da cúpula da Procuradoria-Geral da República (PGR) ouvido reservadamente pela equipe da coluna: “Toffoli abriu a porteira para passar a boiada.” Nem que para isso tivesse que trabalhar em pleno recesso.
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FACHIN TENTA SE JUSTIFICAR
Após a publicação desta reportagem, o ministro Edson Fachin divulgou a nota abaixo, sobre a entrega da ação a Toffoli.
Em relação às informações publicadas na coluna da jornalista Malu Gaspar, o gabinete do Ministro Edson Fachin esclarece que, ao contrário do que afirma o texto, o Regimento Interno e os precedentes do Supremo Tribunal Federal foram observados no envio da reclamação citada ao Ministro Dias Toffoli, conforme detalhes expostos a seguir.
O Ministro Fachin não foi o “relator” da Rcl 43007, mas o substituiu circunstancialmente, como Ministro imediato em antiguidade, apenas para deliberar sobre medida urgente (nos termos do artigo 38, I, do Regimento Interno do STF), enquanto estava vaga a cadeira do Ministro Ricardo Lewandowski.
Cessada a vacância com a transferência do Ministro Dias Toffoli e havendo prevenção da Segunda Turma, nos termos do artigo 10 do Regimento Interno, houve nova alteração da ordem de antiguidade, o que não mais autorizaria a atuação do Ministro Edson Fachin como substituto eventual.
Muito embora a Presidência do Tribunal tenha decidido pela redistribuição dos processos entre os Ministros da Turma competente, como notoriamente ocorreu no âmbito da operação Lava a Jato, decisões mais recentes da Presidência passaram a acionar o disposto no artigo 38, IV, “a”, do Regimento Interno, para determinar a remessa direta para o sucessor da vaga (Isso ocorreu, por exemplo, no RMS 27.182, na decisão de 25.11.2022). Seguindo o precedente e o Regimento, o Ministro Fachin enviou o processo para o Ministro Toffoli, que passou a ser o imediato em antiguidade.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Apesar das explicações do ministro, a coluna de Malu Gaspar corajosamente manteve as informações publicadas, já que o precedente usado por Fachin envolve dupla aposentadoria de ministros e julgamento paralisado com pedido de vista, uma situação diferente da reclamação da Vaza-Jato. Em tradução simultânea, Fachin não quis segurar a bomba e a deixou no colo de Toffoli, como ocorreu em 1981, no Atentado do Riocentro. (C.N.)